Eleição de Trump é “desastre para o clima”
e vai beneficiar ele próprio, diz José Cheibub
O retorno de Donald
Trump à presidência dos Estados Unidos marca a normalização do radicalismo no
país e anuncia um cenário sombrio para o combate às mudanças climáticas que
atingem o planeta. A análise é de José Antonio Cheibub, professor de ciência
política na Universidade de Pittsburgh, no estado da Pensilvânia.
Com a maioria das
urnas apuradas, o candidato do Partido Republicano derrotou a vice-presidente
Kamala Harris, do Partido Democrata. Em comparação com 2020, o eleitorado de
Trump cresceu em 90% das regiões do país que já encerraram a
totalização. O republicano caminha para se tornar o primeiro
presidenciável de seu partido a vencer no voto popular nacional em 20 anos: até
o momento, ele tem 51% dos votos contra 47,5% de Harris.
Com a maioria
republicana no Senado e o provável controle da Câmara dos Representantes, Trump
regressará com mais poderes e terá mais abertura para desmantelar políticas às
quais é contrário. “O presidente estará completamente fortalecido com a maioria
na Câmara e no Senado e com uma coesão partidária enorme. Terá muito espaço
para ele desorganizar mais ainda toda a política”, avalia Cheibub.
O combate às mudanças
climáticas também será fortemente afetado pela eleição do republicano. “Estamos
falando de um país que ainda é um dos mais importantes do mundo, que influencia
o planeta inteiro, e será comandado por uma pessoa que desacredita na relevância
das mudanças climáticas. Trump não fará absolutamente nada para mitigar os
efeitos do aquecimento global”, afirma o professor.
“Daqui a quatro anos,
pode ter certeza que estaremos numa situação pior [em relação ao clima] do que
estamos hoje, que já é ruim”, diz.
<><> Confira
os destaques da entrevista:
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Para começo de
conversa, como o sr. enxerga os resultados da eleição presidencial como um
todo?
Hoje eu moro na
Pensilvânia, e, sendo esse um estado que poderia dar vitória para ambos os
candidatos, a mobilização da campanha de Kamala Harris para alcançar os
eleitores foi incrível, não houve um dia que eu não tenha recebido três ou
quatro mensagens de texto [do Partido Democrata].
Mas parece que essa
mobilização não foi tão bem-sucedida assim. O tamanho da vitória é realmente
uma surpresa. Donald Trump quebrou todas as normas de probidade e
civilidade e mesmo assim conseguiu vencer. Parece que era o que as pessoas
queriam, pelo menos os 71 milhões que votaram nele.
Trump opera
radicalmente para se autosservir. As políticas dele vão beneficiar somente ele
próprio e os bilionários, ninguém mais. É um radicalismo sem conteúdo.
·
A apuração dos votos
mostra que Trump estreitou a vantagem dos democratas em estados que
tradicionalmente votam no partido, como Califórnia e Nova York. E ele
provavelmente ganhará no voto popular, a primeira vez desde 2004 que um
republicano alcança a maioria do eleitorado. O que explica isso?
Na minha visão, o
Biden tem uma parcela de responsabilidade nisso, pelo egoísmo de achar que ele
poderia continuar concorrendo à reeleição. Se desde o início ele tivesse
feito o que disse que ia fazer, que era governar por quatro anos e fomentar um processo
de emergência de liderança, talvez estivéssemos em outras condições agora.
Kamala teve uma
campanha ridiculamente bilionária e foi até criativa no enfrentamento a Trump.
Mas o fato do Biden ter ficado até julho nessa indecisão [sobre continuar ou
não na disputa presidencial] afetou bastante a corrida. Mexeu com a capacidade
do partido de enfrentar os seus problemas internos.
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Algumas análises têm
apontado a economia e o descontentamento com a inflação como motivos para a
rejeição de Biden e Kamala e consequentemente para a vitória de Trump. Mas uma
parte das propostas dele não apresenta uma solução concreta para isso. Como o sr.
avalia esse quadro?
Trump não tem
propostas para a economia. A única coisa que eu me lembro é dele dizer que não
vai taxar as gorjetas dos funcionários de restaurantes, algo que a Kamala
também tinha defendido.
É uma loucura, porque
muita gente fala que a economia do país pode ter sido um fator importante na
eleição, mas é puro efeito de percepção. A economia está indo bem, a inflação
está sob controle, o desemprego está baixo e tem se mantido assim nos últimos
meses.
É um cenário diferente
de 2016, no sentido de que, naquela época, era claro o descontentamento e a
insatisfação de muitos eleitores com essa noção dos perdedores da globalização.
Desta vez, eu não acho que seja isso. Hoje, votar em Trump me parece algo
muito mais normalizado entre os eleitores que são pessoas marginalizadas na
sociedade.
·
Mesmo com um discurso
xenofóbico e contrário aos imigrantes, Trump avançou em locais com populações
latinas migrantes. Até o momento da apuração, de 2020 para 2024, o eleitorado
do republicano cresceu 9,5 pontos percentuais nos condados que têm mais de 25%
da população hispânica. Como isso é possível?
Isso não me
surpreende, infelizmente. Para muitos imigrantes, é fácil ver que o
discurso de Trump se refere aos outros, e não a eles próprios. Numa
lógica: “Eu sou um imigrante latino, mas estou aqui legalmente e tenho meus
documentos. Eu não estou quebrando a lei, não estou fazendo nada. O problema
não sou eu, o problema são os que vêm ilegalmente e começam a comer cachorro e
gato” [uma desinformação expressa por Trump durante o debate presidencial, em
setembro].
Para esses eleitores,
os estrangeiros são os outros. Isso, sim, é surpreendente. As pessoas preferem
interpretar o discurso da maneira que é mais favorável para elas. É o desejo de
se incorporar ao país, de normalizar a situação. “Eu sou parte, eu não sou
estrangeiro.”
·
Voltando um pouco ao
tema da globalização: o Trump tem uma retórica contrária ao livre-mercado,
mesmo que dentro dos interesses dele. O sr. vê que a eleição dele é uma
resposta ao neoliberalismo ou se enquadra em outro fenômeno?
Com certeza não é uma
resposta da maneira como foi em 2016, acredito que dessa vez seja algo bem
diferente. Uma das discussões dessa campanha foi: por que a Kamala Harris e
outras pessoas do Partido Democrata não se valeram mais das políticas
econômicas do Biden? E o argumento era de que essas políticas estavam sendo
bem-sucedidas, e não só no sentido de conter a inflação, mas também de
reconstruir a infraestrutura, com os grandes projetos de despesa na casa dos
trilhões de dólares que foram aprovados.
Existe uma espécie de
uma coalizão antineoliberal, é o começo de uma resposta ao neoliberalismo. Uma
coalizão em que a questão não é mais sobre o papel do Estado, já há uma
aceitação de que o Estado tem um papel a jogar na economia para gerar emprego e
movimentar a economia. Em 2016, isso foi uma surpresa, mas hoje não é
mais.
Nas cidades
industriais decadentes do estado de Ohio, por exemplo, as pessoas não estão
sendo atendidas por nenhum programa de treinamento de força de trabalho, nem
pelo governo federal nem pelo governo estadual. Os sindicatos estão
empobrecidos, esvaziados. Na eleição de 2016, houve um despertar que chamou
atenção para isso, mas hoje isso já é estabelecido.
·
Um dos projetos
trilionários aprovados pelo governo Biden é a Lei de Redução da Inflação (IRA,
em inglês), um pacote de medidas de incentivo à transição energética e ao
combate às mudanças climáticas. Trump já sinalizou que pretende revogar o IRA,
algo que depende da aprovação do Congresso. E também quer enfraquecer a Agência
de Proteção Ambiental (EPA) e a Administração Atmosférica e Oceânica (NOAA). Se
o Partido Republicano realmente tomar o controle do Senado e da Câmara, como o
sr. enxerga esses possíveis desmontes?
Será uma tragédia.
Assim como o resto do mundo, os Estados Unidos estão indo muito devagar na
resposta às ameaças do clima, e a eleição do Trump é mais um passo atrás.
Eu percebo que há uma
grande dificuldade em convencer as pessoas da importância disso. O aumento da
destruição e magnitude dos eventos climáticos são visíveis a olho nu em
todo o país. A cada verão temos mais furacões, mais tornados, mais ondas de calor.
Vai ser um horror,
Trump estará completamente fortalecido com a maioria na Câmara e no Senado e
com uma coesão partidária enorme. Terá muito espaço para desorganizar mais
ainda toda a política. Eu não fiquei tão pessimista em 2016 quanto eu estou
agora. Em parte, acho que é porque ainda não sabíamos bem o que ia acontecer.
Mas agora sabemos, e vai ser pior.
O poder do presidente
será enorme, terá um grande poder de dano. Trump também quer acabar com os
empregados de carreira no Estado, e isso é algo que sempre foi visto como
impossível. Mas ele tem a vantagem do inesperado, pode fazer coisas que ninguém
esperava que ele fizesse.
·
Trump também planeja
retirar o país do Acordo de Paris, o tratado assinado em 2015 no qual a maioria
dos países se comprometeram a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa
para limitar o aquecimento do planeta. Sendo o maior emissor histórico de gases,
qual o impacto da possível retirada dos EUA do acordo?
O estrago é completo.
Uma das coisas que me ocorreram durante a noite de apuração foi que o Trump
vive falando que a guerra na Ucrânia acabaria antes de ele tomar posse. Se for
o caso, até que não será tão ruim assim. Agora, em relação ao clima, será
um desastre total.
Estamos falando de um
país que ainda é um dos mais importantes do mundo, que influencia o planeta
inteiro, e será comandado por uma pessoa que desacredita na relevância das
mudanças climáticas. Trump não fará absolutamente nada para mitigar os efeitos
do aquecimento global.
Daqui a quatro anos,
pode ter certeza que estaremos numa situação pior do que estamos hoje, que já é
ruim.
·
Um fator que chamou
atenção na eleição foi a entrada do bilionário Elon Musk na campanha de Donald Trump. O sr. acredita que esse apoio
se converteu em resultados de fato?
Ainda é cedo para
saber. Mas o fato é que se criou uma aliança que já existe na Rússia, entre
Putin e os oligarcas, e agora temos isso aqui nos Estados Unidos. Musk e
as big techs são oligarcas ligados a Trump.
Até o começo deste
século, os bilionários tinham uma expressão um pouco mais pública, mas ainda
destruíram o meio ambiente tanto quanto hoje. Em Pittsburgh, por exemplo, as
famílias bilionárias que eram donas do setor das indústrias de aço acabaram com
o meio ambiente, mas criaram museus, universidades… Os bilionários de hoje
sequer pensam em nada disso, estão aqui só para ganhar dinheiro, assim como
Trump.
·
E como o sr. enxerga
as repercussões da eleição de Trump para a sucessão presidencial no Brasil?
A minha predisposição
é sempre analisar as coisas a partir de fatores domésticos. Mesmo que exista
uma influência internacional, elas são processadas e filtradas através das
preferências domésticas.
O Bolsonaro tem dito
que vai concorrer à presidência em 2026, mesmo inelegível. Não sei como ele
pretende fazer isso, mas sei que o Bolsonaro observou bem e viu que o
sucesso de Trump se deve, em parte, ao fato de ele não ter recuado da sua
arrogância, ele a trouxe ainda mais para a frente. Isso é uma lição que
Bolsonaro vai tentar adotar.
Agora, se Trump vai
influenciar diretamente nas eleições brasileiras, eu acho que não. A influência
pode existir porque o mundo inteiro está conectado, mas o objetivo do Trump não
é fazer um movimento global, e sim ganhar dinheiro e proteger os interesses
dele.
Fonte: Por Gabriel
Gama, em Agência Pública
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