terça-feira, 6 de agosto de 2024

Satélites de Musk são maior mudança para indígenas na Amazônia em anos, diz Jack Nicas

Cada vez mais interessado no Brasil, o bilionário Elon Musk tem uma relação direta  com líderes da extrema direita. Musk, que já tinha proximidade com o governo de Jair Bolsonaro, questionou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), agitando a direita brasileira até então enfraquecida, afirma Jack Nicas, chefe da sucursal brasileira do The New York Times em entrevista ao Podcast Pauta Pública.

Além da atuação política, Musk é dono da Starlink, a empresa que é atualmente a maior operadora de internet por satélite no Brasil, com 200 mil usuários em maio deste ano, segundo a Anatel. Tudo isso começou em 2022 com o ex-presidente Jair Bolsonaro e Musk anunciando o lançamento do serviço de antenas em nível nacional. As primeiras seriam doadas para escolas na Amazônia.

Para Jack Nicas, a Starlink pode ter um efeito transformador no mundo: para o bem e para o mal. Ele conta que para o povo Marubo, no Amazonas, a chegada das antenas foi conflitante. Enquanto a chegada da internet por lá solucionou alguns problemas relacionados às distâncias entre as aldeias, vários indígenas se preocupam com a mudança que a tecnologia pode causar na cultura indígena. “Ainda não conseguimos entender qual vai ser o efeito dessa nova tecnologia.”

<><> Leia os principais pontos da entrevista com Andrea DiP, Clarissa Levy, Stela Diogo:

•        [Clarissa Levy] Em um mundo com riqueza e detenção de tecnologia cada vez mais concentradas, como você analisa o impacto e o poder que a atuação de Elon Musk tem em escala global?

Está claro que Elon Musk está entre as pessoas mais poderosas da história do mundo. Ele não só tem mais dinheiro do que qualquer outra pessoa como também tem controle exclusivo sobre várias empresas importantes, nas áreas de transporte, energia, comunicação e espaço. Isso é inédito.

Musk provou também estar muito envolvido politicamente. Suas ações não são apenas motivadas por seus interesses corporativos, mas também por sua ideologia. Com o tempo ficou claro que sua ideologia é a de direita.

Eu acho que a eleição deste ano nos Estados Unidos pode ser um grande momento para o poder dele. A eleição vai mostrar a influência que ele realmente tem sobre o que está acontecendo no mundo hoje.

•        [Clarissa Levy] Sobre o Brasil, Musk embarcou meses atrás em um ataque ao Supremo Tribunal Federal. Em sua análise, de onde veio essa empreitada dele e no que você acha que ele estava mirando ou no que ele está mirando agora ao se aliar ao bolsonarismo nessa ação?

Foi o Musk que, sozinho, criou essa polêmica. Parece que, em algum momento, ficou interessado no que estava acontecendo no Brasil. Segundo ele mesmo, ele ficou bem surpreso com o poder do Supremo Tribunal Federal de mandar remover várias postagens e contas na plataforma online.

Existia uma matéria de uma jornalista ativista dos Estados Unidos com alguns jornalistas brasileiros que mostrou um pouco das conversas entre o X/Twitter, o Supremo Tribunal Federal e autoridades brasileiras sobre várias postagens na rede social.

Isso despertou um pouco de interesse de Musk. Porém, a verdade é que Elon Musk já era aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. No sentido que ambos são de uma direita moderna que tem a liberdade de expressão como uma das coisas mais importantes. Além do fato que essa lei de liberdade de expressão não existe no mesmo sentido no Brasil como nos Estados Unidos. A direita brasileira adotou essa crença de liberdade de expressão como uma crença principal na plataforma deles.

Quando Musk chegou a lutar para essa direita, o bolsonarismo se empolgou muito. Porque um dos líderes corporativos e empresários mais poderosos do mundo está lutando por eles. Era um momento de baixa do bolsonarismo, parece que Elon Musk deu muita força para eles, e, do nada, começaram a lutar e gritar de novo. Ganharam força contra o STF principalmente.

Isso chegou até o Congresso dos EUA. Lá houve um tipo de audição em que um deputado norte-americano questionou várias pessoas, inclusive alguns ativistas brasileiros. Mas realmente ficou claro que muitos políticos dos Estados Unidos tiveram muito interesse nessa pauta.

Depois de algum tempo, essa coisa morreu e Elon Musk perdeu o interesse, e parece que Alexandre de Moraes ganhou de novo a briga com o bolsonarismo.

•        [Andrea Dip]  Falando sobre a Amazônia e Starlink, você também fez uma reportagem sobre os povos indígenas isolados que agora vivem as facilidades, problemas e os dramas de estarem conectados. Na matéria você diz que a ascensão da Starlink deu ao Musk o controle de uma tecnologia que se tornou uma infraestrutura em muitas partes do mundo. A Starlink está sendo usada por tropas na Ucrânia, forças paramilitares no Sudão, rebeldes no Iêmen, entre outros usos pelo mundo. Mas talvez o efeito mais transformador da Starlink seja estar em áreas que antes não tinham internet, como a Amazônia. Você pode contar o que descobriu nessa matéria?

Primeiro, gostaria de dizer que eu fiquei interessado nisso quando eu percebi que a Starlink é uma tecnologia que pode ter um efeito transformador no mundo. Lugares que nunca tiveram internet agora de repente têm internet mais rápida do que às vezes eu tenho aqui no escritório do New York Times. Em algumas partes remotas do mundo, isso pode ter um efeito transformador.

No Brasil, não existem comunidades que mais representam essa mudança do que as aldeias isoladas na floresta amazônica. Eu passei vários meses entrando em contato com vários povos indígenas que já receberam os aparelhos Starlink, e eu decidi visitar o povo Marubo no Vale do Javari, uma das terras indígenas mais isoladas na Amazônia.

Eu fui para lá no começo de abril pra ver pessoalmente como a Starlink está mudando a vida deles. Devo dizer que o povo Marubo não é um povo isolado. Esse povo tem contato há quase cem anos, mas sua maioria vive em área bem remota. Vários indígenas Marubo já falam português e estudam nas cidades de Cruzeiro do Sul, Acre, ou em Atalaia do Norte [Amazonas].

A chegada da internet lá foi perfeita de certo modo, porque o povo já está lidando com a tecnologia. Porém, ao mesmo tempo, as aldeias ainda eram um lugar preservado sem internet, onde a cultura antiga ainda pode florescer e ser preservada.

Eu vi isso quando eu fui, vi que esses indígenas ainda têm uma cultura antiga. Onde todos moram juntos na maloca e trabalham para cultivar, caçar e pescar. O povo Marubo tem uma sociedade coletiva que é bem diferente da sociedade “moderna” em que a gente vive nas cidades.

Eles já têm smartphones há alguns anos, mas agora têm internet nas aldeias. Desde o momento que a internet chegou, isso imediatamente mudou a rotina e a vida desses povos.

Ficou claro, quando eu estava lá, que a internet trouxe vários benefícios para a vida dos Marubo. Por exemplo: a comunicação entre aldeias sempre era muito difícil para planejar várias coisas, para relatar questões de segurança ou saúde, e para entrar em contato com as autoridades na cidade durante emergências. Tudo isso sempre foi muito difícil, e com a internet eles podem se comunicar muito mais fácil e rapidamente. Um líder indígena me disse que isso já salvou vidas.

Por outro lado, vários indígenas me disseram que ficaram preocupados que a internet possa mudar a cultura deles. Essas pessoas criticam os mais jovens, dizendo que são preguiçosos ou não querem aprender a cultura Marubo.

O porquê eu escolhi acompanhar a história desse povo em específico era pela maneira que a internet chegou até lá. Um líder chamado Enoque Marubo conseguiu ajudar a levar a internet para seu povo. Enoque vive entre a cidade e a floresta, por isso ele sempre foi pioneiro em seu povo para trazer novas tecnologias.

Enoque estava procurando um jeito para trazer essa tecnologia para seu povo, e em algum momento ele e uma ativista brasileira acharam a americana Alison Reynaud durante uma conferência sobre espaço dos Estados Unidos. Os dois entraram em contato para pedir a ajuda dela, e ela quase que imediatamente decidiu ajudar. Com a ajuda de seus filhos e amigos, ela doou mais de 20 aparelhos Starlink para colocar em várias aldeias Marubo.

Reynaud também estava visitando o Vale do Javari esse ano quando fui para lá, para doar mais antenas Starlink. Para mim, foi fascinante ver que alguém dos EUA teve um impacto enorme nesse povo indígena. Eu perguntei para Alison se ela se preocupou sobre o feito dessa tecnologia na cultura deles. Ficou claro que ela não pensou muito nisso, ela só viu os benefícios.

Porém, após algumas conversas, deu para perceber que ela realmente não entendia muito o que estava acontecendo dentro das aldeias. Eu acho que foi uma situação complicada, porque as intenções dessas pessoas eram muito boas, todos queriam o melhor para esse povo. Mas ao mesmo tempo muitas coisas que não estavam claras.

Como a internet vai mudar a vida desse povo? E o que vai ser feito no final para o povo Marubo, para todos os indígenas que moram na floresta Amazônica que recebem antenas Starlink todos os dias?

Eu acho que a Starlink é uma das maiores mudanças para o povo indígena amazônico em muitos anos. Mas ainda não entendemos qual vai ser o efeito dessa nova tecnologia.

 

•        Como o consumo no Brasil afeta o desmatamento da Amazônia

O desmatamento da Amazônia provoca impactos no mundo, como a redução de chuvas em algumas regiões e o aquecimento global. Geralmente, a perda de cobertura vegetal é associada principalmente à exportação de commodities. Um estudo mostrou, no entanto, que o consumo no Brasil, principalmente de produtos da agropecuária no Centro-Sul, é o motor da destruição do bioma.  

O Centro-Sul compreende os estados do Sul e Sudeste, além de Goiás, Mato Grosso do Sul, DF e fatias do Tocantins e Mato Grosso.          

O artigo Economic drivers of deforestation in the Brazilian Legal Amazon ("Pressões econômicas do desmatamento na Amazônia Legal Brasileira", na tradução livre para o português), publicado no fim de junho na revista Nature Sustainability, relacionou a supressão da floresta ao consumo. A pesquisa mostrou que 83,17% do desmatamento foi provocado por demandas de fora da região, sendo 59,68% do restante do Brasil e 23,49% do exterior.

A Amazônia Legal se estende por nove estados brasileiros: Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.

"A principal mensagem do trabalho é que as relações da Amazônia com o restante do país geram um potencial para o desmatamento", afirma Eduardo Amaral Haddad, professor titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e autor principal do estudo.

"Até então grande parte da literatura tinha focado nas relações comerciais com outros países. Mas havia algum indício de que o comércio com o restante do Brasil, principalmente com o Centro-Sul, a parte mais rica do país, pudesse exercer algum tipo de pressão econômica sobre o desmatamento", explica o professor. Segundo Haddad, essa relação foi quantificada pela primeira vez. 

•        Uma fotografia de 2015

A metodologia da pesquisa foi baseada em uma grande quantidade de dados de oferta e demanda de produtos em diversos setores, que estavam documentados em sua totalidade apenas até 2015. Por isso, Haddad salientou que os resultados são uma espécie de "fotografia de 2015", embora a estrutura econômica brasileira tenha mudado muito pouco desde então.

Naquele ano, foram desmatados 1,54 milhão de hectares na Amazônia Legal, representando mais de 60% da supressão de florestas no Brasil. A principal causa do desflorestamento na região foi a pecuária (93,4%), seguida pela agricultura (6,4%) e mineração (0,2%).

Com os dados do desmatamento, os pesquisadores tinham a informação de qual setor estava associado à mudança do uso da terra. Determinada área de floresta havia virado pasto, outra fora transformada em cultivo, enquanto algumas passaram a ser usadas pela mineração. "Só que quando é produzido soja ou gado, tem que ter uma demanda, alguém precisa consumir. Com esta técnica, conseguimos definir a origem da demanda, seja direta ou indireta", informou o professor da FEA-USP.

Atualmente, a Amazônia Legal atua fornecendo bens e serviços intensivos em uso da terra e de baixo valor agregado para economias nacionais e internacionais, ao mesmo tempo em que compra bens e serviços com maior valor agregado.

Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior, pesquisador do World Resources Institute (WRI) e um dos autores do estudo, chamou a atenção para o peso do consumo de carne e seus derivados no resultado para o mercado interno. "A pecuária (carne, couro e laticínios) responde por mais de 90% do desmatamento na Amazônia. E mais de 80% do mercado de bovinos da pecuária da Amazônia é consumida no Brasil."

•        Responsabilidade internacional

Embora o mercado interno tenha um peso maior no desmatamento da Amazônia, a responsabilidade internacional é tão importante quanto a nacional. "Primeiro, porque parte significativa dos grandes frigoríficos e varejistas no Brasil tem de 30 a 40% de recurso estrangeiro. Então o fato de o mercado doméstico ter este grande impacto não significa que não exista uma responsabilidade internacional pelo investimento nesses produtos e nesses setores sem preocupação com o que as pessoas do Brasil estão consumindo", analisou Feltran-Barbieri

O segundo ponto, continuou o pesquisador, é que o mercado internacional gera uma intensidade maior no desmatamento. "Para cada dólar exportado há mais desmatamento do que cada dólar consumido no Brasil. Porque a Amazônia Legal também interage comercialmente com o Brasil através de outros produtos que não estão relacionados com o desmatamento. Já Europa, Estados Unidos, China e Japão compram puramente commodities, que são mais intensivas em desmatamento."  

O estudo mostra, de acordo com Feltran-Barbieri, que a rastreabilidade dos produtos da região, ou seja, a possibilidade de saber de onde é determinado produto, é muito frágil. E além do impacto no meio ambiente, essa fragilidade tem implicações sanitárias e fiscais.

"Se não tem rastreabilidade da produção que circula no Brasil, você perde a capacidade de ter segurança sanitária, porque na mesma fronteira interestadual em que passa o boi que desmatou pode estar passando o boi que não está sendo tratado de forma correta nos parâmetros do saneamento. E esse mesmo boi pode estar sonegando imposto. Dessa forma o Estado perde a capacidade de angariar impostos", defende.

•        Políticas públicas

O resultado do estudo, para o professor Eduardo Amaral Haddad, pode trazer uma consciência para os consumidores brasileiros. "Temos que olhar para dentro também. Somos parte desse complexo problema." Hoje, no entanto, há pouca possibilidade de saber a origem dos produtos e, principalmente, sua ligação com o desmatamento.

Além disso, a pesquisa pode ajudar a pensar políticas públicas voltadas para diminuir o desmatamento da Amazônia. A reforma tributária, no entanto, cuja regulamentação está sendo discutida no Congresso, tem o potencial de gerar ainda mais pressão sobre o meio ambiente, avaliou Haddad.

Isso porque muitos produtos da agropecuária, como a carne e seus derivados, devem ter isenções de impostos, mesmo que sejam os maiores causadores do desmatamento e os maiores emissores de gases do efeito estufa – e, consequentemente, do aquecimento global.

 

Fonte: Agencia Pública/Deutsche Welle

 

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