Satélites de Musk são maior mudança para
indígenas na Amazônia em anos, diz Jack Nicas
Cada vez mais
interessado no Brasil, o bilionário Elon Musk tem uma relação direta com líderes da extrema direita. Musk, que já
tinha proximidade com o governo de Jair Bolsonaro, questionou decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF), agitando a direita brasileira até então
enfraquecida, afirma Jack Nicas, chefe da sucursal brasileira do The New York
Times em entrevista ao Podcast Pauta Pública.
Além da atuação
política, Musk é dono da Starlink, a empresa que é atualmente a maior operadora
de internet por satélite no Brasil, com 200 mil usuários em maio deste ano,
segundo a Anatel. Tudo isso começou em 2022 com o ex-presidente Jair Bolsonaro
e Musk anunciando o lançamento do serviço de antenas em nível nacional. As
primeiras seriam doadas para escolas na Amazônia.
Para Jack Nicas, a
Starlink pode ter um efeito transformador no mundo: para o bem e para o mal.
Ele conta que para o povo Marubo, no Amazonas, a chegada das antenas foi
conflitante. Enquanto a chegada da internet por lá solucionou alguns problemas
relacionados às distâncias entre as aldeias, vários indígenas se preocupam com
a mudança que a tecnologia pode causar na cultura indígena. “Ainda não
conseguimos entender qual vai ser o efeito dessa nova tecnologia.”
<><> Leia
os principais pontos da entrevista com Andrea DiP, Clarissa Levy, Stela Diogo:
• [Clarissa Levy] Em um mundo com riqueza
e detenção de tecnologia cada vez mais concentradas, como você analisa o
impacto e o poder que a atuação de Elon Musk tem em escala global?
Está claro que Elon
Musk está entre as pessoas mais poderosas da história do mundo. Ele não só tem
mais dinheiro do que qualquer outra pessoa como também tem controle exclusivo
sobre várias empresas importantes, nas áreas de transporte, energia, comunicação
e espaço. Isso é inédito.
Musk provou também
estar muito envolvido politicamente. Suas ações não são apenas motivadas por
seus interesses corporativos, mas também por sua ideologia. Com o tempo ficou
claro que sua ideologia é a de direita.
Eu acho que a eleição
deste ano nos Estados Unidos pode ser um grande momento para o poder dele. A
eleição vai mostrar a influência que ele realmente tem sobre o que está
acontecendo no mundo hoje.
• [Clarissa Levy] Sobre o Brasil, Musk
embarcou meses atrás em um ataque ao Supremo Tribunal Federal. Em sua análise,
de onde veio essa empreitada dele e no que você acha que ele estava mirando ou
no que ele está mirando agora ao se aliar ao bolsonarismo nessa ação?
Foi o Musk que,
sozinho, criou essa polêmica. Parece que, em algum momento, ficou interessado
no que estava acontecendo no Brasil. Segundo ele mesmo, ele ficou bem surpreso
com o poder do Supremo Tribunal Federal de mandar remover várias postagens e
contas na plataforma online.
Existia uma matéria de
uma jornalista ativista dos Estados Unidos com alguns jornalistas brasileiros
que mostrou um pouco das conversas entre o X/Twitter, o Supremo Tribunal
Federal e autoridades brasileiras sobre várias postagens na rede social.
Isso despertou um
pouco de interesse de Musk. Porém, a verdade é que Elon Musk já era aliado do
ex-presidente Jair Bolsonaro. No sentido que ambos são de uma direita moderna
que tem a liberdade de expressão como uma das coisas mais importantes. Além do
fato que essa lei de liberdade de expressão não existe no mesmo sentido no
Brasil como nos Estados Unidos. A direita brasileira adotou essa crença de
liberdade de expressão como uma crença principal na plataforma deles.
Quando Musk chegou a
lutar para essa direita, o bolsonarismo se empolgou muito. Porque um dos
líderes corporativos e empresários mais poderosos do mundo está lutando por
eles. Era um momento de baixa do bolsonarismo, parece que Elon Musk deu muita
força para eles, e, do nada, começaram a lutar e gritar de novo. Ganharam força
contra o STF principalmente.
Isso chegou até o
Congresso dos EUA. Lá houve um tipo de audição em que um deputado
norte-americano questionou várias pessoas, inclusive alguns ativistas
brasileiros. Mas realmente ficou claro que muitos políticos dos Estados Unidos
tiveram muito interesse nessa pauta.
Depois de algum tempo,
essa coisa morreu e Elon Musk perdeu o interesse, e parece que Alexandre de
Moraes ganhou de novo a briga com o bolsonarismo.
• [Andrea Dip] Falando sobre a Amazônia e Starlink, você
também fez uma reportagem sobre os povos indígenas isolados que agora vivem as
facilidades, problemas e os dramas de estarem conectados. Na matéria você diz
que a ascensão da Starlink deu ao Musk o controle de uma tecnologia que se
tornou uma infraestrutura em muitas partes do mundo. A Starlink está sendo
usada por tropas na Ucrânia, forças paramilitares no Sudão, rebeldes no Iêmen,
entre outros usos pelo mundo. Mas talvez o efeito mais transformador da
Starlink seja estar em áreas que antes não tinham internet, como a Amazônia.
Você pode contar o que descobriu nessa matéria?
Primeiro, gostaria de
dizer que eu fiquei interessado nisso quando eu percebi que a Starlink é uma
tecnologia que pode ter um efeito transformador no mundo. Lugares que nunca
tiveram internet agora de repente têm internet mais rápida do que às vezes eu tenho
aqui no escritório do New York Times. Em algumas partes remotas do mundo, isso
pode ter um efeito transformador.
No Brasil, não existem
comunidades que mais representam essa mudança do que as aldeias isoladas na
floresta amazônica. Eu passei vários meses entrando em contato com vários povos
indígenas que já receberam os aparelhos Starlink, e eu decidi visitar o povo
Marubo no Vale do Javari, uma das terras indígenas mais isoladas na Amazônia.
Eu fui para lá no
começo de abril pra ver pessoalmente como a Starlink está mudando a vida deles.
Devo dizer que o povo Marubo não é um povo isolado. Esse povo tem contato há
quase cem anos, mas sua maioria vive em área bem remota. Vários indígenas Marubo
já falam português e estudam nas cidades de Cruzeiro do Sul, Acre, ou em
Atalaia do Norte [Amazonas].
A chegada da internet
lá foi perfeita de certo modo, porque o povo já está lidando com a tecnologia.
Porém, ao mesmo tempo, as aldeias ainda eram um lugar preservado sem internet,
onde a cultura antiga ainda pode florescer e ser preservada.
Eu vi isso quando eu
fui, vi que esses indígenas ainda têm uma cultura antiga. Onde todos moram
juntos na maloca e trabalham para cultivar, caçar e pescar. O povo Marubo tem
uma sociedade coletiva que é bem diferente da sociedade “moderna” em que a
gente vive nas cidades.
Eles já têm
smartphones há alguns anos, mas agora têm internet nas aldeias. Desde o momento
que a internet chegou, isso imediatamente mudou a rotina e a vida desses povos.
Ficou claro, quando eu
estava lá, que a internet trouxe vários benefícios para a vida dos Marubo. Por
exemplo: a comunicação entre aldeias sempre era muito difícil para planejar
várias coisas, para relatar questões de segurança ou saúde, e para entrar em
contato com as autoridades na cidade durante emergências. Tudo isso sempre foi
muito difícil, e com a internet eles podem se comunicar muito mais fácil e
rapidamente. Um líder indígena me disse que isso já salvou vidas.
Por outro lado, vários
indígenas me disseram que ficaram preocupados que a internet possa mudar a
cultura deles. Essas pessoas criticam os mais jovens, dizendo que são
preguiçosos ou não querem aprender a cultura Marubo.
O porquê eu escolhi
acompanhar a história desse povo em específico era pela maneira que a internet
chegou até lá. Um líder chamado Enoque Marubo conseguiu ajudar a levar a
internet para seu povo. Enoque vive entre a cidade e a floresta, por isso ele
sempre foi pioneiro em seu povo para trazer novas tecnologias.
Enoque estava
procurando um jeito para trazer essa tecnologia para seu povo, e em algum
momento ele e uma ativista brasileira acharam a americana Alison Reynaud
durante uma conferência sobre espaço dos Estados Unidos. Os dois entraram em
contato para pedir a ajuda dela, e ela quase que imediatamente decidiu ajudar.
Com a ajuda de seus filhos e amigos, ela doou mais de 20 aparelhos Starlink
para colocar em várias aldeias Marubo.
Reynaud também estava
visitando o Vale do Javari esse ano quando fui para lá, para doar mais antenas
Starlink. Para mim, foi fascinante ver que alguém dos EUA teve um impacto
enorme nesse povo indígena. Eu perguntei para Alison se ela se preocupou sobre o
feito dessa tecnologia na cultura deles. Ficou claro que ela não pensou muito
nisso, ela só viu os benefícios.
Porém, após algumas
conversas, deu para perceber que ela realmente não entendia muito o que estava
acontecendo dentro das aldeias. Eu acho que foi uma situação complicada, porque
as intenções dessas pessoas eram muito boas, todos queriam o melhor para esse
povo. Mas ao mesmo tempo muitas coisas que não estavam claras.
Como a internet vai
mudar a vida desse povo? E o que vai ser feito no final para o povo Marubo,
para todos os indígenas que moram na floresta Amazônica que recebem antenas
Starlink todos os dias?
Eu acho que a Starlink
é uma das maiores mudanças para o povo indígena amazônico em muitos anos. Mas
ainda não entendemos qual vai ser o efeito dessa nova tecnologia.
• Como o consumo no Brasil afeta o
desmatamento da Amazônia
O desmatamento da
Amazônia provoca impactos no mundo, como a redução de chuvas em algumas regiões
e o aquecimento global. Geralmente, a perda de cobertura vegetal é associada
principalmente à exportação de commodities. Um estudo mostrou, no entanto, que o
consumo no Brasil, principalmente de produtos da agropecuária no Centro-Sul, é
o motor da destruição do bioma.
O Centro-Sul
compreende os estados do Sul e Sudeste, além de Goiás, Mato Grosso do Sul, DF e
fatias do Tocantins e Mato Grosso.
O artigo Economic
drivers of deforestation in the Brazilian Legal Amazon ("Pressões
econômicas do desmatamento na Amazônia Legal Brasileira", na tradução
livre para o português), publicado no fim de junho na revista Nature
Sustainability, relacionou a supressão da floresta ao consumo. A pesquisa
mostrou que 83,17% do desmatamento foi provocado por demandas de fora da
região, sendo 59,68% do restante do Brasil e 23,49% do exterior.
A Amazônia Legal se
estende por nove estados brasileiros: Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima,
Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.
"A principal
mensagem do trabalho é que as relações da Amazônia com o restante do país geram
um potencial para o desmatamento", afirma Eduardo Amaral Haddad, professor
titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade
de São Paulo (FEA-USP) e autor principal do estudo.
"Até então grande
parte da literatura tinha focado nas relações comerciais com outros países. Mas
havia algum indício de que o comércio com o restante do Brasil, principalmente
com o Centro-Sul, a parte mais rica do país, pudesse exercer algum tipo de
pressão econômica sobre o desmatamento", explica o professor. Segundo
Haddad, essa relação foi quantificada pela primeira vez.
• Uma fotografia de 2015
A metodologia da
pesquisa foi baseada em uma grande quantidade de dados de oferta e demanda de
produtos em diversos setores, que estavam documentados em sua totalidade apenas
até 2015. Por isso, Haddad salientou que os resultados são uma espécie de "fotografia
de 2015", embora a estrutura econômica brasileira tenha mudado muito pouco
desde então.
Naquele ano, foram
desmatados 1,54 milhão de hectares na Amazônia Legal, representando mais de 60%
da supressão de florestas no Brasil. A principal causa do desflorestamento na
região foi a pecuária (93,4%), seguida pela agricultura (6,4%) e mineração (0,2%).
Com os dados do
desmatamento, os pesquisadores tinham a informação de qual setor estava
associado à mudança do uso da terra. Determinada área de floresta havia virado
pasto, outra fora transformada em cultivo, enquanto algumas passaram a ser
usadas pela mineração. "Só que quando é produzido soja ou gado, tem que
ter uma demanda, alguém precisa consumir. Com esta técnica, conseguimos definir
a origem da demanda, seja direta ou indireta", informou o professor da
FEA-USP.
Atualmente, a Amazônia
Legal atua fornecendo bens e serviços intensivos em uso da terra e de baixo
valor agregado para economias nacionais e internacionais, ao mesmo tempo em que
compra bens e serviços com maior valor agregado.
Rafael
Feltran-Barbieri, economista sênior, pesquisador do World Resources Institute
(WRI) e um dos autores do estudo, chamou a atenção para o peso do consumo de
carne e seus derivados no resultado para o mercado interno. "A pecuária
(carne, couro e laticínios) responde por mais de 90% do desmatamento na
Amazônia. E mais de 80% do mercado de bovinos da pecuária da Amazônia é
consumida no Brasil."
• Responsabilidade internacional
Embora o mercado
interno tenha um peso maior no desmatamento da Amazônia, a responsabilidade
internacional é tão importante quanto a nacional. "Primeiro, porque parte
significativa dos grandes frigoríficos e varejistas no Brasil tem de 30 a 40%
de recurso estrangeiro. Então o fato de o mercado doméstico ter este grande
impacto não significa que não exista uma responsabilidade internacional pelo
investimento nesses produtos e nesses setores sem preocupação com o que as
pessoas do Brasil estão consumindo", analisou Feltran-Barbieri
O segundo ponto,
continuou o pesquisador, é que o mercado internacional gera uma intensidade
maior no desmatamento. "Para cada dólar exportado há mais desmatamento do
que cada dólar consumido no Brasil. Porque a Amazônia Legal também interage
comercialmente com o Brasil através de outros produtos que não estão
relacionados com o desmatamento. Já Europa, Estados Unidos, China e Japão
compram puramente commodities, que são mais intensivas em
desmatamento."
O estudo mostra, de
acordo com Feltran-Barbieri, que a rastreabilidade dos produtos da região, ou
seja, a possibilidade de saber de onde é determinado produto, é muito frágil. E
além do impacto no meio ambiente, essa fragilidade tem implicações sanitárias e
fiscais.
"Se não tem
rastreabilidade da produção que circula no Brasil, você perde a capacidade de
ter segurança sanitária, porque na mesma fronteira interestadual em que passa o
boi que desmatou pode estar passando o boi que não está sendo tratado de forma correta
nos parâmetros do saneamento. E esse mesmo boi pode estar sonegando imposto.
Dessa forma o Estado perde a capacidade de angariar impostos", defende.
• Políticas públicas
O resultado do estudo,
para o professor Eduardo Amaral Haddad, pode trazer uma consciência para os
consumidores brasileiros. "Temos que olhar para dentro também. Somos parte
desse complexo problema." Hoje, no entanto, há pouca possibilidade de saber
a origem dos produtos e, principalmente, sua ligação com o desmatamento.
Além disso, a pesquisa
pode ajudar a pensar políticas públicas voltadas para diminuir o desmatamento
da Amazônia. A reforma tributária, no entanto, cuja regulamentação está sendo
discutida no Congresso, tem o potencial de gerar ainda mais pressão sobre o
meio ambiente, avaliou Haddad.
Isso porque muitos
produtos da agropecuária, como a carne e seus derivados, devem ter isenções de
impostos, mesmo que sejam os maiores causadores do desmatamento e os maiores
emissores de gases do efeito estufa – e, consequentemente, do aquecimento global.
Fonte: Agencia
Pública/Deutsche Welle
Nenhum comentário:
Postar um comentário