Os
controversos resultados da estratégia econômica de Milei
"O
pior passou e já estamos em franca recuperação. Sua velocidade depende dois
fatores: da aprovação da 'Lei Bases' e de que possamos
convencer a gente: 'A recuperação depende muito mais de vocês do que vocês
creem'", afirmou recentemente o ministro argentino da Economia, Luis
Caputo, na abertura de um fórum econômico em Buenos Aires, referindo-se à Lei
de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, aprovada em 12 de
junho.
Enquanto
a central sindical Confederação Geral do Trabalho (CGT) falou de um "ajuste brutal", o
governo do presidente Javier Milei celebrou seus primeiros seis meses afirmando
que "os resultados foram excelentes e absolutamente extraordinários".
Contudo, nem todos os indicadores são positivos na Argentina: tanto o emprego quanto a produção industrial
e a atividade de construção estão em queda. A euforia oficialista se sustenta,
basicamente, com a desaceleração inflacionária e o superávit fiscal obtidos.
Em
maio, a inflação estava em 4,2%, após ter alcançado 25,5% em dezembro de 2023.
Mas há dúvidas de a tendência de queda seja sólida. "Creio que ainda
não se pode dizer que esteja sendo possível controlar a inflação, dado que a
redução desses últimos meses é em relação ao forte salto gerado pela
desvalorização determinada pelo governo em dezembro passado", ressalta o
economista argentino Franco Fugazza, especialista em regulação econômica.
"Há
bastante consenso sobre a necessidade e a falta de alternativa a uma
desvalorização, mas não há consenso quanto a se a magnitude foi a ideal."
Para ele, "é necessário esperar vários meses mais, para alcançar
alguma conclusão sobre o êxito no combate à inflação no médio prazo. A taxa de
inflação mensal segue muito alta".
Parece
inegável que a pressão inflacionária não se desfez. Porém, o economista
Sebastián Auguste, diretor do Centro de Pesquisas em Finanças (CIF) da
Universidade Torcuato Di Tella (UTDT), de Buenos Aires, tem uma explicação para
a tendência atual.
"O
principal fator de inflação acaba sempre sendo a emissão monetária. E nisso o
governo mostrou uma decisão muito forte de não usar o Banco Central como
prestamista, o que começa a se refletir na taxa de inflação."
·
A
"motosserra" e o "liquidificador" de Milei
Outro
objetivo declarado do governo Milei era controlar a todo custo o déficit
fiscal. Ele conseguiu um superávit no primeiro quadrimestre de 2024, mas há
dúvidas quanto à sustentabilidade dessa situação.
"O
superávit do setor público nacional, que é o que o governo controla, foi
alcançado, em grande medida, via 'liquefação' do poder aquisitivo das
aposentadorias, e adiamento dos pagamentos a empresas do setor elétrico",
especifica Fugazza. "Essa política não parece ser sustentável nem
corrigiu os desequilíbrios fiscais profundos da Argentina."
Na
Argentina, o termo "liquefação", também empregado por Auguste, do
CIF, alude a um gasto que, embora se mantenha em termos nominais, se reduz
devido à inflação. Outro instrumento-chave tem sido a "motosserra",
tantas vezes mencionada pelo presidente.
"Na
medida em que o governo não dispunha de ferramentas para realizar uma reforma
estrutural do Estado, o que fez – e é o que podia fazer – foi reduzir o gasto
público onde pôde. Houve forte redução das obras públicas", aponta
Auguste.
O
professor da UTDT identifica um aspecto problemático: "Claramente é
necessário investimento público. Ter parado de investir em estradas, em portos,
não é bom, no longo prazo." Por isso ele considera importante que se
aprove a Lei Bases para realizar mudanças estruturais e acabar com o déficit
fiscal, o que vai "motorizar o investimento". Apenas se a economia
voltar a crescer poderá haver um superávit fiscal sustentável, diz.
"Por ora, o que se obteve é frágil."
·
Nas garras da recessão
No
curto prazo, porém, o retorno à trilha do crescimento ainda não se
delineia. Tanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto a Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) corrigiram para baixo seus
prognósticos para a Argentina. No início de maio, a organização projetou para
2024 uma contração da economia nacional em 3,3%.
"A
queda da economia foi muito profunda nesses últimos meses, em parte devido às
medidas corretivas do governo, em parte pela situação herdada",
observa Fugazza. Contudo ele estima que haverá recuperação da economia se
não houver choques externos negativos – "outra seca forte, alta das
taxas nos Estados Unidos, outro conflito bélico etc" – e se o
governo não cometer erros grosseiros. "O que não está claro é se ela será
suficientemente rápida e forte para ser percebida pela população."
Auguste
também estima que o país sul-americano precisará de muito tempo para se
recuperar totalmente. "Ainda não há uma saída clara da recessão. A
Argentina não cresce há 15 anos, e há recessão desde maio do ano passado.
Apesar de toda a emissão [monetária] do governo anterior, a economia estava em
queda", diz.
Ainda
assim, ele percebe alguns raios de esperança. "Está se vendo que a
recuperação já começou em alguns pequenos índices de produção e consumo. Ainda
são pequenas luzes que estão se acedendo, não é algo generalizado nem forte,
que diga que chegamos ao fundo e que uma etapa expansiva começa. Ainda
não."
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Milei é recebido com
protestos na Alemanha
Centenas
de manifestantes protestaram neste sábado (22/06) em Hamburgo, no norte da
Alemanha, contra o presidente da Argentina, Javier
Milei, que está na cidade para receber uma homenagem de uma fundação neoliberal
que tem laços com políticos de ultradireita.
A
convocação para a manifestação foi feita por organizações da diáspora argentina
e latino-americana, ONGs alemãs e organizações de esquerda.
No
domingo, Milei ainda deve se reunir brevemente com o chanceler federal Olaf
Scholz, numa visita que teve a programação drasticamente reduzida nos últimos
dias.
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Homenagem de grupo associado à ultradireita
Com
faixas com mensagens como "Miséria Neoliberal", alguns ativistas se
reuniram em frente ao hotel onde Milei recebeu nesta tarde a medalha da
Sociedade Hayek, um think tank fundado em 1998 originalmente para promover
ideias liberais do economista austríaco Friedrich Hayek (1899-1992).
Nos
últimos anos, porém, a sociedade passou a ser vista como uma entidade
controversa após entrada de vários políticos do partido de ultradireita Alternativa para a
Alemanha (AfD), num movimento que chegou a ser descrito
por um antigo membro liberal como um processo de "infiltração por
reacionários". Como resultado, dezenas de antigos membros liberais
deixaram a sociedade nos anos 2010.
Ao
receber a medalha, o presidente argentino foi recebido de pé por cerca de 200
pessoas, que aplaudiram e gritaram "liberdade" no hotel Hafen de
Hamburgo,
“Você
[Milei] defende uma mudança fundamental de rumo sem promessas populistas, de
soluções baratas”, declarou o presidente da Sociedade Hayek, Stefan
Kooths. "O seu principal oponente chama-se marxismo cultural,
uma vez que o socialismo puramente econômico de Karl Marx foi há muito
liquidado em nível teórico e prático", comentou o presidente da Sociedade
Hayek, que também criticou "o niilismo igualitário, as fantasias das
políticas identitárias, os equivocados caminhos pós-coloniais e o feminismo
radical", entre outros.
Entre
os presentes no evento estava o polêmico ex-chefe dos serviços secretos
alemães, Hans-Georg Maaßen, conhecido por espalhar teorias conspiratórias e por
suas ligações com diversas personalidades da ultradireita, e a deputada Beatrix
von Storch, da ala ultracristã da AfD, que em 2021 provocou
controvérsia ao se encontrar com o então presidente Jair Bolsonaro e
outras figuras da extrema direita brasileira em Brasília.
Von
Storch registrou uma foto da cerimônia em Hamburgo e publico uma mensagem na
rede X. "As reformas econômicas de Milei podem não só salvar a Argentina,
mas mudar o mundo. Os socialistas estão se manifestando lá fora. O medo está em
seus rostos. Liberdade em vez de socialismo. Viva la libertad, carajo",
escreveu, citando um dos bordões de Milei.
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"Mês anti-Milei"
Paralelamente
aos protestos em frente ao hotel onde Milei recebeu a homenagem, outras cerca
de 400 pessoas, segundo a emissora regional NDR, marcharam para pedir a
anulação da entrega da medalha, empunhando cartazes onde se liam mensagens como
"Milei não é liberdade, é fascismo" e "A Argentina não está à
venda".
A
convocação fez parte do chamado "mês anti-Milei", uma série de
eventos convocados em vários pontos da Alemanha por uma plataforma de
organizações argentinas e alemãs.
A
agenda de protestos contra o presidente argentino termina neste sábado em
Berlim com um "festival da democracia" que inclui aulas de tango e
música ao vivo.
Enquanto
isso, as manchetes dos principais jornais alemães descreveram neste sábado a
visita de Milei como a de um "convidado difícil".
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Visita reduzida
Depois
de receber a Medalha Hayek em Hamburgo, Milei viajará para Berlim, onde se
reunirá no domingo com o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, no que foi
descrito pelas autoridades como uma "breve visita de trabalho" que
acabará sendo mais curta do que o esperado inicialmente.
Originalmente,
o argentino seria recebido com honras militares e deveria participar de uma
coletiva de imprensa conjunta com Scholz. Mas os planos foram modificados na
última hora, segundo o governo alemão, devido à recusa do presidente argentino
em falar com os jornalistas.
"No
final é uma visita de trabalho muito breve, por vontade do presidente
argentino", explicou na sexta-feira o porta-voz do governo alemão, Steffen
Hebestreit, que frisou que houve uma "recusa clara" de Milei em
participar de uma coletiva de imprensa. Segundo Hebestreit, o chanceler Scholz
"se reúne com muitos chefes de Estado e de governo (...), ele é mais
próximo de alguns do que de outros (...). Ele também conversa com parceiros
difíceis".
No
entanto, os meios de comunicação alemães também especularam que o encurtamento
da visita pode estar relacionado com os comentários do porta-voz do governo
alemão que nesta semana descreveu declarações agressivas de Milei contra
primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, como "de mau gosto". Em
maio, durante viagem a Madri para participar de uma convenção do partido
espanhol de ultradireita Vox, Milei se referiu à esposa do premiê espanhol,
Begoña Gómez, como uma "mulher corrupta", gerando tensão diplomática
entre a Espanha e a Argentina.
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Como a crise da
economia argentina respinga no Brasil
Em
um momento de relações turbulentas entre os dois países, políticas de controle
inflacionário adotadas pelo governo do presidente argentino Javier
Milei têm impactado negativamente o Brasil.
A
recessão no vizinho é uma das principais responsáveis por uma queda até maio
deste ano de mais de 30% nas exportações brasileiras à Argentina,
tradicionalmente terceiro maior comprador do Brasil – posto que o país hoje
ameaça perder para a Holanda.
A
participação argentina nos envios brasileiros chegou a um de seus níveis
mais baixos: em janeiro, foi de 2,8%, o pior patamar da série histórica; em
maio, de 3,6%.
Em
visita à Argentina em abril, a secretária de Comércio Exterior, Tatiana
Prazeres, viu como "natural" a queda dos fluxos diante do quadro
de recessão no país vizinho, mas apontou que o tema é uma preocupação em
Brasília.
Em
seu relatório mais recente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) piorou sua
previsão de crescimento para a Argentina, estimando uma contração de 3,5% em
2024, e alertou para o risco de que a recessão se prolongue. Em abril, a
expectativa era de uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,75%.
O
pesquisador associado do FGV IBRE Fabio Giambiagi aponta que a economia
argentina vem de "crise de longa data", o que ocorre tanto por
dinâmicas do governo anterior de Alberto Fernández, como pelas medidas da
administração de Milei.
O
choque das ações do atual governante visando conter a inflação disparada no país teve
um forte impacto na demanda local. "A principal preocupação dos últimos
anos vem deixando de ser a inflação e passando a ser o desemprego”, aponta Giambiagi.
Sócio
da consultoria BMJ, Welber Barral lembra que a queda na atividade do país foi
muito abrupta nos últimos meses, e afirma que o cenário de menor crescimento
pode durar até mesmo anos.
Já
Giambiagi ressalta que há importantes divergências sobre as perspectivas para o
país nos próximos trimestres: alguns analistas projetam uma retomada da
economia em "V”, com forte avanço após o tombo atual; por outro lado,
setores menos otimistas sugerem um gráfico em "L”, com persistência do
nível recessivo após a queda atual.
Independente
da projeção, o mau desempenho da economia argentina é sentido no Brasil.
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Setor automotivo é o mais afetado
Segundo
Giambiagi, o impacto em alguns setores é de níveis pandêmicos. Ele destaca os
sete meses seguidos que o país registra de redução na atividade econômica, o
que contribuiu para uma queda na produção industrial de 20% na comparação de
março de 2024 com o mesmo mês do ano anterior.
Os
números afetam especialmente o setor automotivo. Pela grande ligação com o
Brasil, seja em peças utilizadas na fabricação local quanto na compra de
veículos prontos, é a principal preocupação dos exportadores brasileiros com o
cenário no país.
Segundo
Barral, historicamente, cerca de 40% do comércio bilateral entre os vizinhos
está ligado aos automóveis, especialmente pelas fábricas dos dois lados da
fronteira. Dados de comércio exterior do governo brasileiro mostram
que, até maio deste ano, a queda nos envios de veículos automóveis de
passageiros foi de 18% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já as
partes e acessórios de automotivos tiveram redução de 23%.
O
mau desempenho foi corroborado pela Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores (Anfavea), que afirma que as exportações brasileiras têm
enfrentado dificuldades diante do desaquecimento das economias vizinhas.
Barral
lembra ainda que a Argentina é o principal importador brasileiro de
produtos manufaturados no geral, o que impacta também outras indústrias,
com destaque para as ligadas ao agronegócio.
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"Fadados à interdependência”
Visando
multiplicar os mercados a que o Brasil tem acesso, recentemente o presidente da
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Jorge
Viana, chegou a dizer que a Argentina "deveria se cuidar" para não
perder o posto de principal parceiro do país na América do Sul – embora o
grau de integração já existente das economias e os benefícios comerciais do
Mercosul (bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela)
dificultem uma eventual substituição.
Por
causa do Mercosul, produtos brasileiros estão isentos de uma série de tarifas
na Argentina. Além disso, Giambiagi lembra que há grande "integração
entre as plantas industriais, o que não se muda da noite para o dia”.
Há
ainda o importante componente geográfico, que barateia os fretes brasileiros ao
vizinho e dispensa novas infraestruturas de escoamento, que seriam
necessárias em caso de mudanças na orientação das exportações.
Neste
contexto, Giambiagi lamenta o esfriamento das relações diplomáticas nos últimos
anos, já que os dois países estão "fadados à interdependência”.
Esse
esfriamento antecede a própria chegada de Milei e de Luiz Inácio Lula da
Silva ao poder. Embora um não nutra entusiasmo pelo outro – a dupla, por exemplo, não se
encontrou durante viagem à Itália na
semana passada para participar da cúpula do G7 –, os canais
entre Buenos Aires e Brasília já estavam abalados desde os
governos de seus antecessores, Fernández e Jair Bolsonaro.
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Expectativa é de menos entraves e maior disponibilidade de moeda
estrangeira
Especialistas
convergem na visão de que o último ano foi atípico para a Argentina, e é
responsável por parte dos problemas atuais. O país enfrentou sua seca mais
grave em 100 anos, o que teve impacto desastroso na agricultura, reduzindo
substancialmente a entrada de divisas estrangeiras no país. Com falta de
dólares, importadores enfrentaram limitações para realizar pagamentos.
Giambiagi
destaca a intensidade da crise que o país viveu nesse contexto, que inclui
dificuldades com o câmbio que o Brasil não enfrenta desde os anos 80. O governo
local criou uma série de divisas específicas para tentar contornar a situação,
como o chamado "dólar agro", que visava benefícios cambiais para o
setor.
Barral
aponta que, até o momento, ainda existe dificuldade para a execução de
pagamentos que necessitem de moeda estrangeira, mas há expectativa de que o
tema seja amenizado nos próximos meses com uma maior normalidade na economia
local. Diante da escassez de divisas, o governo de Fernández havia criado uma
série de licenças que atrapalharam as exportações brasileiras ao longo de 2023,
mas que, segundo Barral, têm sido extintas nos últimos meses.
Fonte:
Deutsche Welle
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