Mario
Sabino: Não discuta - o pior da esquerda é menos ruim do que o pior da direita
Um
advogado e um historiador franceses publicaram, nessa quinta-feira, um artigo
no jornal Le Monde em que afirmam que o antissemitismo da esquerda é menos ruim
do que o de direita. O antissemitismo é um tema central da campanha para as
eleições legislativas antecipadas na França, o país que conta com a maior comunidade
judaica da Europa e onde os ataques antissemitas se multiplicaram desde o
ataque do Hamas, em 7 de outubro.
De
acordo com Arié Alimi e Vincent Lemire, “não há equivalência entre o
antissemitismo contextual, populista e eleitoreiro, utilizado por certos
membros de La France Insoumise (de extrema esquerda) e o antissemitismo
fundador, histórico e ontológico do Rassemblement National (de extrema
direita)”.
Troque
a palavra “antissemitismo” por “racismo contra negros” ou “homofobia” e a
aberração da tese ficará ainda mais estridente aos ouvidos amortecidos.
Não
há “antissemitismo contextual”, o ódio contra judeus independe de adjetivos, e
o seu uso para fazer populismo e obter votos (no caso, entre os numerosos
muçulmanos franceses) apenas faz do antissemita um cínico oportunista também.
A
esquerda francesa, assim como todas as outras, vinha manifestando
despudoradamente o seu antissemitismo, sempre sob o manto do “antissionismo”
pró-Palestina, até o presidente Emmanuel Macron dissolver a Assembleia Nacional
e convocar novas eleições. Agora, confrontada prematuramente com a sua posição
indigna, está fazendo o que sempre faz: relativiza os seus próprios defeitos.
O
Rassemblement National, por seu turno, renunciou ao seu antissemitismo
“fundador, histórico e ontológico” e tem sido forte apoiador de Israel e da
comunidade judaica na França desde muito antes da antecipação das eleições.
Tanto é que um grande número de judeus decepcionados com a esquerda cogita
votar no partido da extrema direita, apesar de ele ainda contar com membros
racistas.
O
dado que ultrapassa as fronteiras francesas e o âmbito do antissemitismo é
este: basta você ser de esquerda para que todos os seus pecados passados e
presentes tenham justificativa e sejam desculpados. Se você é de direita,
contudo, já está condenado de antemão ao inferno mesmo que o seu presente
virtuoso renegue o passado pecador.
O
caso brasileiro é visível até para as tias do zap por ser caricatural de tão
paroxístico: a Lula e aos lulistas perdoa-se tudo aquilo que se deve condenar a
Jair Bolsonaro e aos bolsonaristas. O primeiro é o bem; o segundo é o mal.
Existem
as fake news do bem e as fake news do mal; existem a corrupção do bem e a
corrupção do mal; existem o machismo do bem e o machismo do mal; existem a
ignorância do bem e a ignorância do mal, existem a depredação do bem e a
depredação do mal, inexiste golpe de esquerda e só existe o golpe de direita —
e, a partir deste momento, macaqueemos a gauche francesa, existem o
antissemitismo do bem e o antissemitismo do mal.
O
cerne do marketing da esquerda é simples: tudo nela só pode ser bom ou
desculpável porque a esquerda quer a redenção da humanidade. É assim desde o
pioneiro Jean-Jacques Rousseau, que entregou os cinco filhos à adoção e ainda
achava que se livrar da prole foi uma ótima ação.
Como
a direita não quer redimir a humanidade, mas privilegia o direito e o mérito
individuais, ela só pode ser associada aos baixos instintos e piores
sentimentos. É coisa de gente egoísta e impiedosa e, portanto, portadora de uma
culpa original.
Depois
de ler o artigo do advogado e do historiador franceses, recomendarei a judeus
vítimas de antissemitismo perguntar se o seu algoz é de esquerda ou de direita.
Se for de esquerda, eles devem aceitar o contexto e deixar para lá. Quem sabe
até agradecer quem os ofende, humilha e agride. Afinal de contas, é um bom
antissemita, não um mau antissemita de direita.
• Bolsonaro ainda é o melhor inimigo?
Por Moisés Mendes
Nunca
experimente a solidão de ficar sem um inimigo. Mas nunca perca a noção do
tamanho de quem deve enfrentar. São algumas das lições de manuais básicos de
guerra e sobrevivência em todas as selvas da vida, da política aos afetos. É
coisa de tutorial de um Pablo Marçal qualquer.
Pois
um dos dilemas das esquerdas brasileiras hoje é saber se já pode trocar de
inimigo, enquanto não sabe direito o tamanho do inimigo antigo e talvez
superado. Desde que não percam o direito de ter um inimigo forte e que mantenha
as esquerdas acordadas.
Continuamos
sob tempestade intensa e ninguém se arrisca a calcular o tamanho de Bolsonaro
hoje. Vale a pena trocá-lo já, em sonhos, pesadelos e devaneios, por Tarcísio
de Freitas ou outro genérico?
Que
Bolsonaro é esse apresentado por Valdemar Costa Neto como chefe eterno da
facção, porque com ele foram feitos os melhores negócios e por causa dele o PL
se expandiu no Congresso?
Que
desenvoltura é essa de Bolsonaro, ao reaparecer esses dias em propaganda na TV
ainda como líder da direita, para dizer que com ele o Brasil será grande?
Por
que não se confirmaram as melhores expectativas de que Bolsonaro estaria morto
e cremado um ano depois do fracasso na eleição e no golpe?
São
perguntas de uma singeleza inquietante. Que se juntam aos últimos movimentos da
reafirmação de que Bolsonaro vive e manda. Como na escolha do coronel da Rota
Ricardo Mello Araújo para vice de Ricardo Nunes em São Paulo.
Uma
decisão imposta por Bolsonaro, contra tudo e contra todos, para que fique claro
que ele é o chefe e para que Tarcísio, ainda vacilante, continue no cabresto.
O
governador disse, na aglomeração promovida por Silas Malafaia em São Paulo, em
25 de fevereiro, que não era ninguém antes de Bolsonaro. Valdemar afirma na
propaganda do partido na TV que “quem tem voto é ele”, Bolsonaro. O PL grandão
existe por causa de Bolsonaro.
Observadores
de detalhes devem ter notado que, naquele dia 25 de fevereiro na Paulista,
Tarcísio vestia uma camiseta com amarelo desbotado, que contrastava com o
amarelo vibrante do resto da turma em cima do caminhão.
Faltava
convicção no amarelo de Tarcísio. Mas esse bolsonarista menos intenso só irá
adiante se Bolsonaro quiser, já avisa Valdemar. E desde que consiga calibrar
seu ímpeto de avançar antes do tempo, completa Silas Malafaia.
E o
que Lula, o PT, as esquerdas e a luta antifascismo podem querer? Que Bolsonaro
continue vivo, mesmo que inelegível, até as vésperas da eleição de 2026? Que se
atravanque por muito tempo no caminho de Tarcísio, Zema, Caiado, Ratinho e
Michelle? Que provoque divisões e sequelas irreversíveis entre aliados?
Quem
é o inimigo que as esquerdas gostariam de ter hoje, já definido como adversário
de 2026, mesmo que, como diria Garrincha, não seja possível combinar com os
russos?
O
certo é que Bolsonaro está vivo. Todo o seu entorno de quatro anos de poder
continua impune. Vive, ainda gorda e corada, toda a estrutura civil fascista
que o sustentou, incluindo os financiadores das milícias digitais. Todos
impunes, enquanto manadas de manés já foram condenadas pelo STF.
Um
bolsonarismo falsamente encabulado, mesmo que com um amarelo esmaecido, irá
herdar toda a estrutura ainda intacta dessa extrema direita ainda inalcançada
pelo sistema de Justiça.
E
pode herdar o que Bolsonaro não teve: o suporte explícito e descarado de Globo,
Folha e Estadão. Porque é o sonho desse trio – uma aliança com os herdeiros do
espólio de Bolsonaro, para que finalmente, convencida de que não há saída ao
centro, a grande mídia se livre de Lula.
Com
Michelle, essa é uma missão impossível. Mas não com Tarcísio e com os outros,
Zema, Caiado e Ratinho, que ainda jogam na segunda divisão da direita. É o
quadro hoje, mesmo que essa seja uma simplificação.
Não
há como imaginar como razoável que o próprio TSE com novos integrantes possa
tirar a coleira que pôs em Bolsonaro ao torná-lo inelegível. Mas a coleira pode
continuar frouxa, como quer a direita e como também deseja boa parte das
esquerdas.
• Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes
se acocoram ante Bolsonaro. Por Ricardo Noblat
Se
dependesse do MDB, partido de Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo e candidato
à reeleição, o vice na chapa de Nunes seria outro, e não o que foi anunciado.
Como seria outro se dependesse do PP, do PSD, do União Brasil, do Republicanos
do governador Tarcísio de Freitas e do PL de Valdemar Costa Neto.
Mas
Bolsonaro bateu o pé e disse que o vice seria Ricardo Augusto Nascimento de
Mello Araújo (PL), ex-coronel da Polícia Militar paulista e ex-presidente da
Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), um
bolsonarista raiz nunca testado nas urnas. E assim será para desgosto geral.
O
vice de Nunes já manifestou apoio nas redes sociais ao impeachment de ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles Alexandre de Moraes, de quem
Tarcísio se tornou amigo. Levantou suspeitas sobre as urnas eletrônicas e
discursou contra a política de isolamento social em meio à pandemia da
Covid-19.
À
época em que comandou as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, batalhão de elite
da Polícia Militar, o vice de Nunes defendeu que a abordagem policial deve
levar em conta as diferenças entre moradores de bairros de elite e moradores de
bairros da periferia da cidade, e quis extinguir a Ouvidoria da polícia.
Quando
ocupava o cargo de presidente da Ceagesp, indicado por Bolsonaro, o vice de
Nunes convidou veteranos da PM para um evento político, e disse em vídeo: “Não
podemos permitir que o comunismo assuma nosso país”. A Corregedoria da PM
instaurou um inquérito para apurar a conduta dele. Deu em nada.
A
Ceagesp foi militarizada enquanto o vice de Nunes a presidiu. Ele nomeou 22
policiais militares para cargos comissionados. Não bastasse, alugou uma sala na
sede da Ceagesp, na zona Oeste da cidade, para a instalação de um clube de tiro
da empresa Seven Shooting Academia de Tiros e Comércio de Importação Ltda.
Espertamente,
Nunes deixou para Tarcísio a tarefa de anunciar o nome do seu vice, e assim o
governador o fez sem nenhum entusiasmo:
“É
um nome que agrega muita qualidade. Tem uma trajetória ilibada na Polícia
Militar, foi testado como gestor no Ceagesp e se saiu muito bem. Agrega, soma,
e a gente está confortável com essa indicação”.
Na
sua vez de falar, Nunes justificou-se:
“O
Tarcísio passou a defender [o nome do ex-coronel] ,depois veio o Apoio do PP,
do Republicanos, e fico satisfeito que foi uma decisão vinda do melhor ato da
democracia, que é o diálogo. Já vou começar a procurá-lo para ajudar no plano
de governo. Corajoso, determinado, ele não aceita questões de corrupção e crime
organizado e estamos aí para enfrentar essas questões”.
O
vereador Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal de São
Paulo, não disfarçou sua contrariedade com a escolha do ex-coronel:
“Temos
que reconhecer que não há nenhuma experiência do vice na questão do teste de
urnas. Cabe a ele agora fazer um grande trabalho e demonstrar que é merecedor
do cargo de vice, fazer jus a isso. Vamos observar o que acontece daqui para
frente”.
Felizes,
felizes de verdade com o anúncio do vice de Nunes, ficaram os principais
adversários do prefeito. Guilherme Boulos (PSOL) correu a postar nas redes
sociais:
“A
escolha do Coronel Mello Araújo para vice de Ricardo Nunes deixa claro que é
Bolsonaro quem vai mandar na cidade caso o prefeito se reeleja. O nome do
policial foi enfiado goela abaixo de Nunes e seus aliados e é assim que vai ser
nos próximos quatro anos se deixarmos São Paulo se transformar numa filial da
milícia.”
Tabata
Amaral (PSB) declarou:
“Se
o prefeito Ricardo Nunes resistiu ao nome do Ricardo Mello Araújo é porque não
o queria como seu vice. Se foi forçado a aceitá-lo, é porque quem manda na sua
candidatura é o Bolsonaro”.
A
capital de São Paulo não é uma cidade bolsonarista. Em 2022, para presidente,
deu a Lula 53,54% dos votos. E para governador, a Fernando Haddad (PT) 54,41%.
Pesquisa Datafolha divulgada em 30 de maio último mostrou que Bolsonaro é um
padrinho rejeitado por 61% dos eleitores da capital, contra 45% de Lula.
Fonte:
Metrópoles/Brasil 247
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