Vitória de Trump traria novo olhar sobre
elo Brasil-China, diz ex-diplomata dos EUA
Uma eventual volta de
Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos deve trazer mais tarifas
comerciais, ênfase em combustíveis fósseis e maior escrutínio sobre elos entre
nações parceiras e países como a China, o que afetaria diretamente o Brasil.
Esta é a visão de
Ricardo Zúniga, 53, sócio-fundador da consultoria Dinâmica Américas e ex-membro
do Conselho de Segurança Nacional e do Departamento de Estado americano nos
governos Barack Obama (2009-2016), Donald Trump (2017-2021) e Joe Biden. Em
todos esses cargos, ele lidava com o Brasil.
Zúniga ainda foi o
responsável por liderar as ações do governo americano para reafirmar a
confiança de Washington no sistema eleitoral brasileiro, diante das ameaças
golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Os EUA entendiam
que, se Lula vencesse a eleição, talvez fosse um parceiro geopolítico mais
complicado [do que Bolsonaro]. Isso não foi um fator. Quando os EUA decidiram
dizer o que disseram, foi porque a democracia do Brasil era mais importante do
que quem está ocupando o Planalto."
LEIA A ENTREVISTA:
>>>> Quais
seriam as mudanças para o Brasil em um possível governo Trump?
*Ricardo Zúniga - Nos
14 anos em que trabalhei no governo americano lidando com o Brasil, nos
governos Obama, Trump e Biden, o impacto foi muito mais um reflexo das
políticas dos EUA em outros lugares. Num governo Trump, tarifas seriam um fator
importante. Ele tem defendido, na campanha, impor 10% sobre todas as
importações, algo que afetaria o Brasil. As sobretaxas são muito populares nos
EUA, e muitas das tarifas de Trump foram mantidas por Biden, como a sobre o aço
[Trump afirmou que taxaria em 100% carros fabricados no México por empresas
chinesas, em até 60% todos os produtos chineses e em 10% bens feitos em
qualquer lugar do mundo].
Outro tema que
afetaria o Brasil e as empresas brasileiras operando nos EUA é o chamado
desmantelamento do Estado administrativo, que será disruptivo. [Trump abraçou o
Projeto 2025 do instituto conservador Heritage Foundation, que prevê
transformar 50 mil cargos concursados em indicações políticas e ocupar com
pessoas alinhadas a ele todos os ministérios e agências reguladoras].
Em geopolítica, se
Trump cumprir suas ameaças em relação à Otan [deixar a aliança caso países
europeus não aumentem suas contribuições], isso vai afetar o Brasil. Se houver
ação militar russa adicional, isso pode ter um impacto nos preços dos
alimentos. Haveria também um maior risco de conflito com o Irã, importante
mercado para o Brasil, em um governo Trump.
>>> Em
relação à China, o que o sr. vislumbra com um eventual retorno de Trump?
*Ricardo Zúniga - A
competição com a China continuará em qualquer governo nos EUA. Em uma gestão
Trump, os relacionamentos bilaterais dos países com a China seriam muito mais
escrutinados. O que um país diz vai receber muito mais atenção, e a forma como os
países retratam os EUA e a China será mais examinada em Washington.
>>> O que
aconteceria com a ênfase que os EUA têm dado à energia sustentável? O país
abandonaria novamente o Acordo de Paris sobre o clima?
*Ricardo Zúniga - Um
governo Trump seria muito favorável a combustíveis fósseis. Seria contra as
negociações climáticas, e não tenho certeza sobre quem iria para a COP30, se é
que alguém iria. A maior questão é sobre os investimentos dos EUA em energia sustentável
sob a Lei de Redução da Inflação [IRA, na sigla em inglês]. A política
industrial veio para ficar sob qualquer governo, mas pode se afastar do
investimento na transição energética [previsto na legislação] e redirecionar
recursos para combustíveis fósseis e outros tipos de infraestrutura.
>>> E quanto
à política industrial para estimular a produção de semicondutores?
*Ricardo Zúniga -* Em
qualquer governo americano daqui por diante, vai se promover o desenvolvimento
dessa indústria. Ambas as gestões enfatizaram a produção doméstica e deram
menos destaque às cadeias de suprimentos do que seria necessário. E aqui a questão
dos minerais entra em jogo.
A ausência do Brasil
na IRA, quando se trata de minerais críticos [minérios essenciais para alta
tecnologia e segurança nacional, como lítio e níquel], é uma omissão gritante.
Talvez haja espaço para o Brasil negociar acesso. Há uma série de minerais críticos
necessários dos quais o Brasil é um grande produtor, como o nióbio. A IRA dá
acesso preferencial para esses minerais fazerem parte da cadeia de suprimentos
e prevê tarifas mais baixas ou isenção a componentes de produtos que são
fabricados nos EUA.
>>> No caso
da reeleição de Joe Biden, haverá mudanças ou apenas aprofundamento?
*Ricardo Zúniga -
Veremos uma continuação, um foco em aumentar a capacidade da indústria
doméstica, sendo a competição com a China ainda muito importante na abordagem
geopolítica. Haveria uma reafirmação de grandes investimentos em mitigação de
mudanças climáticas e energia renovável.
>>> O sr. e
sua equipe lideraram um esforço para apoiar a transição pacífica de poder no
Brasil em 2022 e 2023. Os EUA divulgaram uma declaração de confiança no sistema
eleitoral após Bolsonaro convocar a reunião com os embaixadores questionando as
urnas. Os EUA também enviaram o Conselheiro de Segurança Nacional, Jake
Sullivan, e o secretário de Defesa, Lloyd Austin, em 2021, para conversar com
Bolsonaro e comandantes militares. Por que viram necessidade de fazer isso?
*Ricardo Zúniga - A
democracia brasileira é realmente importante para os EUA. O Brasil mostra que
um país do sul pode ter um histórico de décadas de eleições livres e justas.
Isso importa porque a democracia está sob pressão globalmente. É importante mostrar
que a democracia não é algo exclusivo do mundo industrializado ou do Norte.
Não ter as
instituições funcionando na segunda maior democracia das Américas era um risco
muito significativo para os EUA. Os EUA foram totalmente neutros quanto ao
resultado da eleição. Não intervieram, simplesmente expressaram confiança de
que os brasileiros determinariam o resultado usando sistemas comprovados.
>>> Não é
comum os EUA fazerem gestos públicos em apoio ao sistema eleitoral de um país.
Havia um risco real?
*Ricardo Zúniga - Sim.
Estavam questionando um sistema eleitoral que nós sabíamos ser eficiente. A
única razão para isso é a vontade de mudar o resultado de uma votação livre e
justa. Os EUA tiveram sua própria experiência com isso [o ex-presidente Trump
contesta até hoje os resultados das eleições de 2020].
Trabalhamos bem com o
governo Bolsonaro na maior parte do tempo. Os EUA entendiam que, se Lula
vencesse a eleição, talvez fosse um parceiro geopolítico mais complicado. Isso
não foi um fator. Quando os EUA decidiram dizer o que disseram, foi porque a
democracia do Brasil era mais importante do que quem ocupa o Planalto. É
incomum, e normalmente não faríamos isso. Neste caso, não tínhamos escolha,
especialmente após a decisão do governo Bolsonaro de falar com o corpo
diplomático.
>>> Investidores
brasileiros que possuem negócios com os EUA deveriam estar preocupados com as
instituições americanas? Em novembro, há eleições presidenciais e, novamente,
existe o risco de o resultado ser questionado, como em 2020.
*Ricardo Zúniga -
Nossas instituições ainda são fortes. Elas têm sido testadas, mas não há risco
relacionado ao Estado de Direito para os investidores brasileiros. Não deveria
ser uma preocupação. Mas os empresários precisam se preparar e se proteger, porque
o resultado pode significar cenários geopolíticos muito diferentes para o
Brasil.
*RAIO X | RICARDO
ZÚNIGA, 53*
Foi responsável pela
América Latina no Conselho de Segurança Nacional dos EUA de 2012 a 2015.
Diplomata de carreira do Departamento de Estado por 30 anos, ocupou os cargos
de vice-secretário de Estado para Hemisfério Ocidental (até julho de 2023) e
foi cônsul geral dos EUA em São Paulo de 2015 a 2018. Nascido em Honduras, é
formado em Assuntos Latino-Americanos e Relações Internacionais pela
Universidade da Virgínia (EUA).
Ø
China busca amigo de Kissinger para
contornar 'guerra inevitável' com EUA
Na última semana,
quando dezenas de CEOs das maiores empresas ocidentais estavam presentes na
China para fóruns econômicos, o dirigente Xi Jinping e seu chanceler, Wang Yi,
deram mais atenção a um acadêmico americano: Graham Allison, 84.
O cientista político
de Harvard passou uma hora em conversa reservada com Wang e foi colocado em
destaque no encontro de Xi com os executivos, na quarta-feira (28) --foi para
ele que o líder chinês dirigiu parte do que falava, sorridente.
No relato da agência
estatal Xinhua, uma das questões discutidas foi que a "armadilha de
Tucídides não é inevitável". Allison cunhou a expressão num artigo
publicado no Financial Times em 2012 e a popularizou em seu livro "A
Caminho da Guerra", de 2017.
Para ele, quando uma
potência em ascensão ameaça uma potência hegemônica, na maioria das vezes o
resultado é a guerra. A ideia foi inspirada em uma análise do general e
historiador grego Tucídides sobre a Guerra de Troia: "Foi a ascensão de
Atenas e o medo que isso inspirou em Esparta que tornaram a guerra
inevitável". No livro, Allison revisa paralelos históricos para abordar se
um conflito entre China e Estados Unidos também é inevitável.
O que explica em parte
a atenção dos líderes chineses a Allison é o lançamento, realizado na última
sexta-feira (22), no think tank Centro para China e Globalização (CGC), de seu
novo livro "Escaping Thucydides' Trap" (escapando da armadilha de
Tucídides, ainda sem previsão de publicação no Brasil).
Falando longamente no
lançamento, no centro da capital, ele recorreu a palavras do próprio Xi. Citou
um encontro do líder com o senador americano Chuck Schumer, em outubro. Na
ocasião, o chinês havia dito que "a armadilha de Tucídides não é inevitável",
e que "a Terra é grande o bastante para acomodar a prosperidade tanto da
China quanto dos Estados Unidos", se os dois países forem
"responsáveis diante da história".
Na conversa com
Schumer, ressaltou Allison, Xi "adicionou uma nova ideia, uma frase que eu
nunca tinha visto ou ouvido: 'Eu estou em vocês, e vocês estão em mim'".
"Sério, o que isso significa?", o acadêmico tinha se questionado.
Xi respondeu a Allison
no encontro de quarta: "O que eu quis dizer com 'eu estou em você, e vocês
estão em mim' quanto à China e os EUA? [Que] é tudo uma questão de comunicação!
Por meio de intercâmbio, cooperação e, eventualmente, integração. O mesmo se
aplica a pensamentos. Divergências sempre existirão. O objetivo é buscar
unidade na diversidade e tolerar diferenças menores".
Para que essa
integração aconteça, prosseguiu o líder, "pessoas de todas as áreas da
vida de ambos os países devem se envolver em mais intercâmbio, comunicação e
cooperação, para construir consenso".
Allison replicou,
segundo relato da rede CCTV, ter sido "sempre um leitor sério [de Xi
Jinping], estudando seus pensamentos, discursos e entrevistas coletivas".
A liderança chinesa
busca em Allison, que foi subsecretário da Defesa no governo Bill Clinton,
parte da interlocução e do apoio que tinha no ex-secretário de Estado Henry
Kissinger, morto em novembro --quatro meses após ser recebido por Xi como um
"velho amigo do povo chinês". A aproximação dos dois países, a partir
dos anos 1970, é creditada ao diplomata americano.
Allison foi aluno,
amigo e por fim, nos últimos anos, o principal colaborador de Kissinger.
Escreveram para a Foreign Affairs, em outubro, o ensaio "O Caminho para o
Controle de Armas de Inteligência Artificial (IA)", com o subtítulo
"EUA e China precisam trabalhar juntos para evitar a catástrofe". Os
líderes das "duas superpotências de IA" deveriam abrir negociações
para criar uma agência internacional, na visão dos dois especialistas.
A extensa conversa de
Allison com Wang Yi, que acumula as funções de chanceler e diretor da comissão
do Partido Comunista Chinês que formula a política externa, parece ter sido
mais específica, prática. Segundo o acadêmico, foi "privada, franca e 'off-the-record'
[confidencial], sobre os caminhos que a China está seriamente buscando para
escapar da armadilha de Tucídides".
Nas intervenções
públicas desta semana, Allison foi mais genérico, dizendo estar
"encontrando muitos insights e pistas na filosofia chinesa, que tem
historicamente a capacidade de abraçar contradições e complexidades".
Segundo o americano,
essas características oferecem "o guia conceitual para uma relação que
está fadada a ser a rivalidade mais feroz de todos os tempos e,
simultaneamente, uma parceria densa, em que a sobrevivência dos rivais exige
cooperação".
Um desses
"insights" foi tirado de Sun Tzu, famoso autor de "A Arte da
Guerra", sobre Wu e Yue, dois inimigos mortais que estão num navio a
caminho da prisão. O navio afunda e eles acabam dividindo um bote largo, em que
são obrigados a coordenar remadas, um de cada lado, para chegar à praia.
"Para sobreviver, eles têm que cooperar", disse Allison no CCG.
Dias depois, na
quinta-feira (28), a história era ecoada pelo ex-secretário do Tesouro
americano Lawrence Summers, que foi colega de Allison no governo Clinton,
durante um fórum em Hong Kong. EUA e China, disse Summers, são como "dois
caras que não gostam um do outro, não se conhecem bem, e se veem num mar
turbulento num bote que requer dois remos".
Fonte: FolhaPress
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