quarta-feira, 3 de abril de 2024

Vitória avassaladora da oposição nas eleições da Turquia é o início do fim para Erdogan?

O presidente da TurquiaRecep Tayyip Erdogan, e o seu partido, o Justiça e Desenvolvimento (AK), foram surpreendidos pelo resultados das eleições municipais realizadas no domingo (31), quando o país foi às urnas em meio a uma profunda crise econômica.

O principal partido da oposição, o Partido Popular Republicano (CHP), obteve 37,8% dos votos em todo o país, segundo a agência Anadolu, enquanto o AK teve 35,5%.

O CHP derrotou o AK pela primeira vez em todo o país desde que Erdogan assumiu o poder há 21 anos.

Muitos especialistas classificaram estes resultados como a pior derrota já sofrida por Erdogan em sua carreira política.

Como isso aconteceu?

·        Problemas econômicos: hiperinflação e descontentamento

A profunda crise econômica da Turquia foi um fator-chave para explicar a derrota do partido governista.

Diferente de outros países da região, onde o aumento da inflação foi impulsionado a partir de 2022 pela guerra na Ucrânia, o início desse cenário na Turquia remonta a 2018. A inflação está acima dos 65% e a moeda nacional, a lira, perdeu mais de 80% do seu valor em cinco anos.

O governo de Erdogan é frequentemente acusado de estar alheio às reais dificuldades sofridas pela população.

“O AK demorou para reconhecer as consequências devastadoras da crise econômica”, avalia H. Bahadir Turk, professor de Ciência Política na Universidade de Haci Bayram Veli, na capital Ancara, à BBC.

Ele acrescenta que a vitória nas eleições presidenciais de 2023 tornou Erdogan e o seu partido “excessivamente otimistas quanto à resolução da crise”.

“Acredito que esse foi o maior erro que o partido AK e o Sr. Erdogan cometeram”, analisa.

O crescente custo de vida teve um lugar de destaque na campanha da oposição.

“Este país não merece a pobreza” tornou-se um dos principais slogans de Ekrem Imamoglu, o popular prefeito de Istambul que buscava a reeleição contra um candidato do AK.

Ele conseguiu garantir mais cinco anos no cargo após uma vitória decisiva no domingo.

Imamoglu, candidato do CHP, acusou Erdogan de “virar as regras da economia de cabeça para baixo”.

Em 2023, Erdogan havia conseguido conquistar um terceiro mandato com promessas de resgatar a economia. Mas no pleito municipal de 2024, dizem os especialistas, os eleitores quiseram enviar uma mensagem não a Erdogan diretamente, mas a todo seu partido.

“Os eleitores não abandonam facilmente um vínculo emocional com os seus líderes. Nas eleições locais, eles não tinham que votar no líder [Erdogan], mas sim no partido. E nelas, eles quiseram mandar uma mensagem para o partido AK”, diz à BBC Evren Balta, professora de Ciência Política na Universidade Ozyegin, em Istambul.

·        Acertos da oposição

O CHP, principal partido da oposição, manteve o poder nas maiores cidades da Turquia, incluindo Istambul, Ancara e Izmir, e conquistou o controle em várias outras, incluindo a quarta maior cidade do país, Bursa.

A sigla varreu a Turquia central, tradicionalmente conservadora, a ponto de muitos comentaristas falarem em uma “onda vermelha” — referindo-se à cor que simboliza o partido.

Estabelecido em 1923 pelo fundador da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturk, o CHP é um partido secularista e nacionalista. Sua base de apoio está na classe média urbana.

Desde o estabelecimento da república turca moderna, os conservadores e os muçulmanos devotos têm visto o CHP como uma ameaça aos seus valores.

O CHP, por sua vez, acusa frequentemente os grupos políticos conservadores, incluindo o AK, de imporem uma agenda islâmica.

A polarização entre religião e secularismo domina a política turca há décadas.

Mas, nos últimos anos, o CHP conseguiu ampliar seu eleitorado, incluindo perfis mais religiosos e conservadores — o que contribuiu para as vitórias no domingo.

“Desde 2017, após a tentativa de golpe de 2016 na Turquia, o CHP tem seguido uma estratégia política de reconciliação com os conservadores, pondo fim à polarização”, afirma Balta.

Em Istambul, o apoio da comunidade curda a Imamoglu também foi importante, apesar de haver candidatos do partido pró-curdo DEM nas urnas.

Para Balta, o eleitorado curdo votou estrategicamente.

“Por um lado, existe o partido AK, um candidato competitivo, que os chama de ‘grupo terrorista’. Por outro lado, há Imamoglu, do CHP, que trata os curdos como cidadãos iguais. Então, eles fizeram uma escolha racional ao votar em Imamoglu”, diz a professora.

E embora grande parte da mídia turca seja controlada por agências pró-governo, esse controle não é absoluto, ela acrescenta.

“O controle sobre os meios de comunicação ou sobre os partidos políticos na Turquia nunca foi como na Rússia e nunca será. Aqui, ainda há uma competição política considerável e uma oposição. Esses atores tiveram ferramentas e oportunidades para se comunicar com as pessoas", aponta a especialista.

·        Fim da linha para Erdogan?

Embora Erdogan e o AK tenham sofrido uma derrota importante no domingo, os analistas dizem que é muito cedo para falar que o poder do atual presidente está indo ladeira abaixo.

O mandato presidencial de Erdogan acaba em 2028. Semanas antes das eleições locais de 31 de março, ele disse que elas seriam suas últimas, referindo-se ao fim do mandato.

“Embora reconheça que estas eleições foram notáveis para a oposição, o Sr. Erdogan ainda domina a política turca e a sua influência ainda é significativa”, afirma o professor Turk.

“Não devemos esquecer que, para a maioria dos eleitores na Turquia, ele ainda é uma figura muito respeitada e amada, que dá o exemplo.”

Segundo o professor, o sucesso do AK dependia da harmonia entre “a autoridade carismática do Sr. Erdogan e o funcionamento burocrático do partido”.

“Penso que esta harmonia está gradualmente se deteriorando, e os resultados das eleições municipais são um indicador disso.”

O prefeito reeleito de Istambul é agora considerado um forte candidato à presidência, embora ainda não tenha anunciado oficialmente que irá concorrer.

Nas suas duas décadas de governo, a influência política de Erdogan ultrapassou as fronteiras da Turquia.

Ele se apresentou como líder na mediação entre a Rússia e a Ucrânia, negociando um importante acordo de exportação de grãos em 2022; aumentou as relações comerciais da Turquia com muitos países de África e da Ásia e tem sido uma figura de peso no Oriente Médio.

Mas sua projeção global também está em jogo.

“Imamoglu promete uma democracia funcional. Poderemos ver a oposição reforçar os seus laços financeiros, culturais e políticos com as potências globais”, aponta Balta.

Enquanto isso, Erdogan prometeu trabalhar arduamente para reconquistar o eleitorado. Ele assegurou que o 31 de março não foi "um fim, mas um ponto de virada" para seu grupo político.

 

Ø  'Chamem Trump de volta': a opinião de Viktor Orbán sobre como acabar com o conflito na Ucrânia

 

Recentemente, o premiê húngaro, Viktor Orbán, concedeu entrevista ao jornalista americano Tucker Carlson, aproveitando para emitir opiniões polêmicas acerca do conflito na Ucrânia. Para Orbán, a única forma de terminar com as hostilidades no Leste Europeu é o retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos.

No decurso da entrevista, Carlson também perguntou a Orbán o que ele faria se estivesse no comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A resposta quase que automática do líder húngaro foi "buscaria a paz imediatamente". Para ele, no entanto, apenas a volta de Trump à Casa Branca poderia colocar um fim ao conflito na Ucrânia.

"Essa é a única saída", afirmou Orbán. Isso porque, apesar das muitas críticas levantadas contra Trump em função de seu comportamento, ainda assim o republicano foi quem desempenhou uma das políticas externas menos beligerantes das últimas décadas em Washington. Trump, por exemplo, não iniciou nenhuma nova guerra durante sua administração e, mais do que isso, tratou de diminuir as tensões com dois adversários dos Estados Unidos, a Rússia de Putin e, em especial, a Coreia do Norte de Kim Jong-un.

Trump, aliás, foi o único primeiro presidente americano a pisar em solo norte-coreano em toda a história.

Orbán, no entanto, não se deteve nesses eventos. O premiê húngaro também elogiou a política de Trump para o Oriente Médio, por meio dos Acordos de Abraão. Tais acordos envolveram reuniões de alto nível patrocinadas por Washington entre Israel e Estados árabes mais amigáveis aos Estados Unidos, como Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, visando diminuir a pressão política na região. Com isso, Israel contou com maior margem de manobra para lidar com a ameaça de grupos como o Hamas (em Gaza) e o Hezbollah (no sul do Líbano).

Todavia, nem tudo são flores quando falamos da política externa de Trump para o Oriente Médio. Orbán esqueceu-se de mencionar que a mando do republicano os Estados Unidos lançaram dezenas de mísseis de cruzeiro do tipo Tomahawk contra a Síria em 2017, em uma retaliação pela suposta utilização por parte de Bashar al-Assad de agentes químicos contra sua própria população, algo que o governo sírio repetidamente negou. Em 2020, com aprovação de Trump, um ataque de drone eliminou o principal comandante militar iraniano, Qassem Soleimani, causando enorme comoção em Teerã e servindo para acirrar ainda mais os ânimos da liderança do Irã contra os Estados Unidos.

Seja como for, apesar dos referidos episódios, na opinião de Orbán, se Trump fosse o presidente americano no começo de 2022, a Rússia provavelmente não teria iniciado sua operação militar especial na Ucrânia. A tese é que Putin encontraria em Trump um líder (e não um fantoche como Biden) com quem poderia conversar de igual para igual e acertar suas diferenças políticas, inclusive no tocante à neutralidade ucraniana perante a OTAN. Na opinião de Orbán, portanto, Trump é o homem que poderia salvar o mundo ocidental da catástrofe que estamos testemunhando hoje na Ucrânia.

Para além disso, a tentativa do Ocidente de remover Putin da presidência russa também é enxergada por Orbán como uma loucura política. Durante a entrevista, o premiê húngaro rememorou o período em que a Rússia fora comandada por Boris Yeltsin, considerado por muitos um líder fraco e sem pulso firme na condução dos assuntos domésticos e externos do país. Na época, havia medo na Hungria e na Europa, segundo Orbán, a respeito do que poderia acontecer com a Rússia caso o país se desintegrasse, cenário esse plausível em meados dos anos 1990. A principal questão envolvia o receio de um (des)controle do arsenal nuclear russo em uma condição de anarquia política, situação essa que colocaria não somente a Rússia como toda a Europa em risco. Putin, contudo, representou uma liderança forte para o país, consolidando a integridade territorial da Rússia, controlando seu arsenal nuclear e ampliando o comando do Exército.

Putin está no poder desde o começo dos anos 2000, e hoje a Europa parece ter esquecido o quão perigosa é a ausência de uma liderança forte em Moscou. Seja como for, remover Putin e colocar em seu lugar um fantoche do Ocidente parece ser justamente o objetivo atual do Departamento de Estado americano. Orbán criticou duramente essa posição, por representar um erro do ponto de vista não somente estratégico, como geopolítico. Afinal, os formuladores de políticas em Washington estão sentados a milhares de quilômetros de distância da Europa, enquanto países como a Hungria e tantos outros no continente europeu são os primeiros a lidar com as consequências do antagonismo estadunidense à Rússia. A Ucrânia, nesse ínterim, se tornou um caso clássico nesse sentido. Como vizinha da Hungria, tudo o que ocorre na Ucrânia acaba afetando a população húngara de um modo ou de outro, lembrou Orbán.

A título de exemplo, um dos episódios trazidos à discussão pelo premiê húngaro foi a explosão da central nuclear de Chernobyl em 1986, que teve um impacto considerável nos países do entorno.

Quanto ao atual conflito na Ucrânia, por sua vez, Orbán menciona que, dado o desequilíbrio numérico entre os exércitos russo e ucraniano, o desgaste de Kiev tem sido notório nos últimos tempos, com centenas de milhares de soldados mortos desde o início das hostilidades em fevereiro de 2022. Entre esses mortos, há inclusive muitos de nacionalidade húngara. Conforme relatado por Orbán, uma minoria de cerca de 150 mil húngaros reside no território da Ucrânia. Logo, muitos deles são recrutados para o Exército ucraniano para morrerem no front, em nome dos objetivos políticos dos Estados Unidos de tentar derrotar a Rússia no campo de batalha. Em resumo, são soldados húngaros que perdem suas vidas por uma causa que não lhes diz respeito, e que só tem feito diminuir o tamanho da nação húngara, lembra Orbán. Contudo, ainda assim, tem-se veiculado a absurda ideia do envio de tropas oficiais de países da OTAN ao conflito, vide sugestão recente de Emmanuel Macron, presidente da França, algo que, no limite, colocaria o Ocidente em uma guerra — dessa vez direta — contra a Rússia. Será isso mesmo que os Estados Unidos querem? Para evitar tal cenário, adverte Viktor Orbán, o único caminho é a eleição de Trump para a presidência.

 

Fonte: BBC News em Istambul

 

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