terça-feira, 2 de abril de 2024

Ricardo Nêggo Tom: Jesus Cristo - um sem-terra como líder de um cristianismo latifundiário

Desde a Grande Revolta Judaica, ou, a Primeira Guerra Judaico-Romana, ocorrida entre os anos 66 e 73 D.C, que foi a primeira rebelião da população da Judéia contra a dominação romana, o Império Romano começou a se articular politicamente para tentar conter a revolta dos Judeus que não aceitavam, entre outras coisas, ter que prestar culto aos deuses de Roma e pagar impostos ao seu governo. Anos mais tarde, após o Império Romano já ter expandido ainda mais o seu território de domínio, surge a figura de Constantino, a quem podemos chamar de o verdadeiro deus do cristianismo sistêmico em vigor nos dias de hoje. Até então perseguida e proibida por Roma, a fé cristã primitiva, baseada nos ensinamentos de Cristo, ganhava um importante e oportunista aliado.

Na véspera da batalha na ponte Mílvia, Constantino, o grande, um dos tetrarcas do Império Romano, teria sonhado ou tido uma visão com as iniciais do nome de Cristo, que deveriam ser grafadas no escudo dos soldados do seu exército, o que lhe garantiria a vitória na batalha contra o também Imperador romano Maxêncio, conhecido como “O usurpador”.  Seguindo o que havia sido recomendado em sonho, Constantino venceu a batalha, levou Maxêncio à morte por afogamento no rio Tibre e extinguiu o regime tetrarca, tornando-se o único governante do Império Romano. Grato à ajuda que teria recebido do deus dos cristãos, ele declara o fim da perseguição aos seguidores de Cristo, dando início a um político e conveniente processo de cristianização do Império Romano, o que foi oficializado anos mais tarde pelo Imperador Teodósio, que reconheceu o cristianismo como religião oficial de Roma.

Jesus Cristo, a essa altura dos fatos, já era apenas um detalhe para o cristianismo romano. Tanto, que uma das primeiras iniciativas de personalização da religião foi retratá-lo à imagem e semelhança de Roma. Branco, loiro e de olhos azuis, uma farsa que a Igreja Católica cuida de manter verídica até os dias atuais. Aliás, há historiadores que defendem a tese de que a romanização do cristianismo visava conter a revolta de judeus e palestinos contra os cidadãos romanos, utilizando a figura conciliadora e legalista do Cristo que um dia ensinou aos judeus que eles deveriam dar à César o que é de César, ou seja, pagar tributos à Roma sem reclamar. Sem contar que Jesus teria nascido em Belém, cidade Palestina próxima a Jerusalém, região que era governada por Roma, o que poderia sugerir uma rendição à fé daquele povo, o reconhecimento da divindade de Jesus e um pedido de desculpas pela crucificação do maior profeta daquela terra.

Assim sendo, o caráter divino de Jesus no cristianismo romano deu lugar a um título que era concedido a alguém tido como superior dos superiores politicamente. Um Imperador. E ele passou a ser chamado de “rei dos reis”, o mesmo título que já havia sido ostentado por Nabucodonosor II, Imperador da Babilônia, e também por outros Imperadores na Assíria e na Etiópia séculos antes de Cristo. Vale lembrar que na Roma antiga o Imperador também era cultuado como uma divindade, o que não mudou com a entronização de Jesus Cristo ao panteão romano. Uma prova da conveniente e restrita aceitação do cristianismo como religião oficial do Estado. Os “Césares”, os Imperadores, e os “Augustos”, os “veneráveis” e “majestosos”, se mantinham no mesmo patamar que Jesus Cristo, ainda que de forma subliminar. Eles detinham o verdadeiro poder sobre o latifúndio, mas passaram a utilizar o Deus cristão como laranja para justificar suas ações de governo.

Quando o MTST posta uma foto de Jesus sendo crucificado e ironiza com a frase “bandido bom é bandido morto”, numa clara alusão a extrema-direita que professa o mesmo cristianismo político de Constantino, os bolsonaristas se arvoram em produzir o cancelamento da candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo e a ratificar a narrativa de demonização da esquerda como inimiga da fé cristã. Em que pese a postagem ter sido pouco inteligente, dada as atuais circunstâncias político-religiosas que atravessam a democracia brasileira, a reação dos opositores evidencia o mau-caratismo e a desonestidade intelectual que os caracterizam. Jesus foi julgado como um bandido pelo mesmo Império Romano que três séculos depois o adotava como sua principal divindade. Recebeu a pena máxima que era imposta aos condenados - a morte na cruz – exatamente por ter denunciado a hipocrisia dos “bolsonaristas” de seu tempo.

Jesus era um sem-terra, um homem do povo cuja ideologia social e política incomodava aos poderosos. Propunha a partilha do pão, mandava os ricos doarem tudo o que tinham para os mais pobres, esteve ao lado das minorias e o seu conceito de “salvador da humanidade” é uma metáfora que define a sua elevada proposta de mudança das relações sociais no mundo. Uma proposta de um mundo justo, fraterno, pacífico e igualitário, algo que jamais seria atingido através da dominação de um povo sobre o outro. A proposta de um Deus que ama a todos sem distinção e lhes deseja uma vida plena e abundante, diferente de uma realidade religiosa onde o deus é criado à imagem e semelhança daqueles que detêm o poder e apresentado como o salvador daqueles que são oprimidos por esse poder. Jesus ameaçou a autoridade religiosa do seu tempo e desafiou a fé das pessoas que acreditavam que seus algozes poderiam conduzi-las a uma vida eterna na presença de Deus. Se voltasse nos dias de hoje, seria morto por Malafaia, Macedo e companhia, por desautorizá-los diante das ovelhas que cegamente são conduzidas por esses falsos pastores.

O cristianismo latifundiário tem um líder sem-terra, mas odeia os movimentos sociais que defendem os mesmos princípios que Jesus defendeu e faz de tudo para crucificá-los e apresentá-los à sociedade como inimigos da fé cristã. Talvez seja mesmo, quando falamos de um cristianismo asqueroso e nauseante, que tenta violentar liberdades individuais e avanços coletivos, a pretexto da defesa da palavra e da moral do seu deus. O deus de Constantino, Teodósio, Hitler, Malafaia, Flordelis, Bolsonaro e de todos os ditos cristãos que se dizem seguidores de um “rei dos reis” que nunca teve majestade, mas que conseguiu reinar sobre todos os outros com humildade, simplicidade, respeito e amor ao próximo. Um filho de Deus, assim como todos aqueles que promovem a paz, a equidade e a justiça social. Boa Páscoa!

 

       60 anos do golpe de 64, 60 sem reforma agrária, 60 anos sem estabilidade econômica e social. Tragédia ainda viva. Por César Fonseca

 

Depois de 60 anos do golpe militar de 1964, os capitalistas tupiniquins, aliados aos sócios internacionais, orientados pelos Estados Unidos, fracassaram em implantar o capitalismo no Brasil à moda ocidental desenvolvida; de fato, o fenômeno se estende à América Latina, no cenário da guerra fria entre EUA e União Soviética. Os americanos, ancorados, ideologicamente, na Doutrina Monroes, para quem a América é dos americanos, financiaram a militarização política latino-americana, para defender o sistema capitalista da ameaça comunista, sustentada na ideologia marxista-leninista, exposta na experiência revolucionária cubana.

O fracasso, essencialmente, decorreu da impossibilidade de implantação na América Latina, especialmente, no Brasil, no modo de produção capitalista, porque as lideranças políticas tupiniquins jamais fizeram o dever de casa de implantar o capitalismo conforme lição de casa desenvolvida nos países capitalistas desenvolvidos.

Desenvolveu-se, na periferia capitalista, apenas, arremedo de capitalismo, totalmente, dependente do capitalismo cêntrico, dada insuficiência de estrutura periférica para distribuição da renda nacional, excessivamente concentrada nas mãos do capital externo.

REFORMA AGRÁRIA E INDUSTRIALIZAÇÃO

A divisão da propriedade rural, conforme o manual do capital, é o primeiro passo para formação do mercado de consumo de massas; sem ele, o mercado interno não cresce, suficientemente, para consumir a oferta de mercadorias em quantidade superior à demanda por falta de poder de compra social.

E, principalmente, sem democratização do acesso à terra por meio da reforma agrária, atributo essencialmente capitalista para ampliar a renda nacional, não é possível a industrialização.

Os trabalhistas, no Brasil, com Jango Goulart, em 1964 ousaram defender e implementar a reforma agrária, para seguir o manual clássico do capitalismo, mas foram barrados nessa empreitada pela união dos latifundiários com os militares, apoiados pelos Estados Unidos.

A lição da história é expressiva: a Inglaterra iniciou sua revolução industrial pela reforma agrária.

A população agrária, ligada, primeiro, pelo meio ferroviário, depois, rodoviário e hidroviário, multiplicou a mobilidade social devido às trocas de mercadorias.

CAPITALISMO BRASILEIRO: OBRA INCONCLUSA

No Brasil, a classe empresarial, herdeira do latifúndio nordestino fincado em capitanias hereditárias que depois seriam loteadas politicamente pelo poder central, não fez o dever histórico do capitalismo anglo-saxão.

Sustentou-se, basicamente, na acumulação de capital rural da propriedade extensiva e concentrada, voltada para exportação de matérias primas baratas para comprar importações industrializadas caras do capitalismo cêntrico, sofrendo, consequentemente, deterioração permanente nos termos de trocas e crises cambiais intermitentes.

Nesse cenário do latifúndio extensivo, sobreacumulador de capital, só se dá bem uma parcela minoritária da população, que absorve toda a renda mediante superestrutura jurídica e política neocolonial e escravocrata.

GOLPE ANTI-REFORMA AGRÁRIA

Expulsou os homens do campo para as cidades.

Entupiu as cidades de habitantes que virariam operários assalariados, consumidores do produto industrial, para gerar lucro ao capital.

Com o produto industrial de valor agregado, os ingleses venderam caro para comprar matéria prima barata, na periferia capitalista, e elevar a lucratividade imperialista da libra esterlina nas trocas internacionais.

Seguiram as lições de Adam Smith.

Nos Estados Unidos, idem, sem a reforma agrária, mediante grandes desapropriações de terras ao longo das ferrovias, financiadas pelo capital inglês, que cortam o território continental, não formariam cidades ao longo do percurso.

O golpe de 1964 buscou um só objetivo: inviabilizar a reforma agrária do ex-presidente Jango Goulart, no contexto das suas reformas de base: reforma financeira, administrativa, para controlar a dependência de capitais, destituídos de controles etc.

A classe latifundiária ociosa exportadora, maioria no Congresso, aliou-se com o governo americano e exterminou a experiência janguista, no nascedouro, por meio dos militares, sempre a serviço do capital agrário exportador.

O projeto de JK, para disputar a eleição de 1965, que os militares golpistas cancelaram, tinha por meta a reforma agrária capitalista no molde anglo-americano.

A classe militar barrou.

Por meio dela, JK, que prometeu 50 em 5, visou, em primeiro lugar, o transporte rodoviário.

As indústrias de automóveis e caminhões, que, no capitalismo cêntrico, enfrentavam excesso de ociosidade industrial, queda da taxa de lucro, bancarrotas, como rescaldo da violenta crise de 1929, vieram correndo para se instalarem no Brasil, país continental rasgado de norte a sul por JK.

Adiantou-se o projeto de Juscelino na vertente do transporte rodoviário, mas faltava o consumidor que somente seria criado pela reforma agrária, com democratização e acesso à propriedade rural.

FRACASSO POLÍTICO MILITAR

Os militares, no poder, tiveram força para reprimir politicamente os adversários, mas não conseguiram, politicamente, fazer reforma agrária, para estabilizar econômica, política e financeiramente, o país, conforme modo de produção capitalista burguês, como nos países capitalistas desenvolvidos, de modo a conquistar efetiva soberania nacional.

Permaneceu o capitalismo de pé quebrado.

No poder, os militares foram conduzidos pelo capital agrário, não conseguiram comandá-lo nem dobrá-lo para sair da sua condição histórico-econômica reacionária colonizada pelas potências externas.

Viraram instrumentos das potências e de suas políticas neoliberais, enquanto, internamente, perdia apoio da sociedade civil, contrária à ditadura e sequestro brutal da democracia, no facilitário da repressão política.

Não conseguiram, portanto, depois de darem o golpe de 64, fazer o dever de casa que os trabalhistas, desde Getúlio Vargas, vinham fazendo, após revolução de 1930, para modernizar as estruturas produtivas nacionais, dominadas pelo modelo neocolonial do século 19, do tempo do Império, herdado pela República Velha.

A reforma agrária, que era fundamental como passo decisivo para completar reformas progressistas adiantadas por Vargas, alvo preferencial de Jango Goulart, naufragou.

Geisel criou, ex-getulista, militante varguista na Revolução de 1930, chegou a criar a Embrapa, para modernizar a agricultura brasileira, mas não teve força para democratizar a produção pela divisão territorial da propriedade no Brasil excessivamente concentrada.

Perdeu a luta para a parceira latifúndio-imperialismo americano, contrário à industrialização brasileira, desde sempre, com amplo apoio da mídia conservadora pró-Washington.

NEOLIBERALISMO BARRA REFORMA AGRÁRIA

Depois da ditadura (1964-1984), o neoliberalismo financeiro de Tio Sam, que nos anos 1970, descolou do padrão ouro e deixou o dólar flutuar, tudo ficou mais difícil, a partir da Nova República neoliberal pró-Washington, radicalmente anti-Getúlio.

Emergiria, com a Nova República(1985-2023), sob Consenso de Washington, a montagem do capitalismo financeiro especulativo, cuja palavra de ordem é o liberou geral da circulação de capitais e remoção dos entraves nacionalistas internos à essa livre circulação capitalista, tudo sob comando da regra neoliberal, pautada no tripé econômico(metas inflacionárias, câmbio flutuante, superávit primário); ou seja estratégia econômica com reforço ideológico antinacionalista para dificultar cada vez mais a industrialização e soberania nacional.

Dessa forma, o capitalismo brasileiro, que não cuidou da reforma agrária, da reforma financeira, da reforma educacional – para formar mão de obra de qualidade para valorizar o produto industrial nacional – não prosperou, sustentavelmente, por falta de distribuição equitativa da renda nacional.

A super concentração da renda que produz a super desigualdade social acelerada pelo modelo neoliberal, de financeirização econômica especulativa, que só favorece a Faria Lima, não deixa a industrialização lulista deslanchar.

Desse modo, então, fica comprometida a construção da estabilidade social soberana.

Por isso, o golpe de 1964 segue sempre sendo uma ameaça permanente, diária, ininterrupta, porque as contradições do país capitalista que fracassou na implementação da reforma agrária sempre explodirão quando as circunstâncias geradas pela luta de classe explodem em perigo de guerra civil.

1964, portanto, está vivo porque suas causas não foram ainda removidas.

 

       Na Páscoa, Jesus alterou a lógica e deu voz às mulheres. Por Florestan Fernandes Jr

 

Neste domingo (31/03), os cristãos celebraram o dia em que três mulheres foram ao túmulo onde Jesus havia sido enterrado, para ali cumprir a tradição das cerimônias fúnebres (que não haviam feito pq Jesus foi morto na sexta-feira). Elas iam conversando entre si e se perguntando como fariam pra tirar a pedra (os túmulos eram vedados com uma pedra imensa).

O túmulo era vigiado dia e noite por soldados romanos, pois havia a profecia da ressurreição e as autoridades daquele tempo temiam que algum dos seguidores de Jesus roubasse o túmulo pra simular a ressurreição.

O fato é que elas chegaram lá e viram a pedra removida e o túmulo vazio.

Dois homens com roupas reluzentes questionaram as mulheres, perguntando o motivo delas estarem procurando entre os mortos, aquele que estava vivo. "Jesus não está mais aqui, ele ressuscitou", disseram. Os homens lembraram às mulheres o que Jesus disse quando estava entre os mortais, que seria necessário que ele fosse entregue nas mãos dos pecadores e morresse crucificado, para então ressuscitar no terceiro dia.

Jesus escolheu dar a notícia de sua ressurreição para mulheres. Na cultura da época, o testemunho de uma mulher não tinha valor. E Jesus escolheu mulheres. Ele alterou a lógica daquele tempo. Deu voz aos excluídos (as mulheres). Sabem qual foi a reação dos discípulos, segundo a Bíblia?

Os homens não acreditaram nelas, as palavras daquelas mulheres lhes pareciam um delírio.

Contudo, Pedro levantou-se e saiu correndo até o sepulcro. Ao chegar, abaixando-se, viu as faixas de linho e mais nada; então afastou-se e voltou perplexo com o que acontecera.

Foi também pra as mulheres que Cristo apareceu primeiro, após a ressurreição. Elas, que não arredaram o pé de perto dele durante o martírio e o sepultamento, quando os homens se esconderam apavorados (menos João, que estava perto quando Jesus foi crucificado, e morto).

Foram as mulheres as portadoras da notícia que dividiu a história do ocidente. Sem ressurreição não haveria cristianismo. Não haveria antes e depois de Cristo.

É nesse Deus que se fez homem e morreu na cruz, por amor à humanidade que o cristianismo deve se firmar. Os homens que se dizem líderes religiosos, em sua maioria pervertem a essência do cristianismo, que é amor e cuidado de pessoas.

 

Fonte: Brasil 247

 

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