Por dentro
do 'looksmaxxing', a moda online que propaga perigosa visão sobre beleza masculina
"Acredito em
cuidar de mim mesmo, com alimentação equilibrada e uma rigorosa rotina de
exercícios", afirma o personagem Patrick Bateman no filme Psicopata
Americano (2000).
O filme é uma
adaptação do romance do escritor americano Bret Easton Ellis, publicado em
1991. Interpretado pelo ator Christian Bale, Bateman é um banqueiro de
investimentos que também é um assassino em série.
Psicopata Americano é
uma sátira do estilo de vida yuppie de Nova York, nos Estados Unidos, nos anos
1980. Ele retrata uma sociedade dominada pelo hedonismo, materialismo e
narcisismo, segundo o autor do romance.
"É estranho que o
personagem tenha sido cooptado pela cultura de forma totalmente diferente em
1991", declarou Ellis à revista Publishers Weekly, na ocasião do 20º
aniversário do romance. "Patrick Bateman parece incorporar algo sobre a
masculinidade que estava florescendo em algum momento entre o final dos anos
1980 e o início da década de 1990."
O filme apresenta a
detalhada rotina matinal do seu personagem principal. Retirada
A cena apresenta o
duvidoso narrador colocando uma máscara gelada no rosto e fazendo mil
abdominais. Ela já teve 17 milhões de visualizações no YouTube e foi copiada em
diversos vídeos curtos com a hashtag #GetReadyWithMe ("apronte-se
comigo", em português).
O filme já gerou
inúmeros debates online. O público se divide entre homens jovens que apreciam a
paródia e outros que acreditam decididamente que aquilo é sério.
Neste último grupo,
reside a comunidade online chamada looksmaxxing.
A comunidade se
originou nos fóruns incel (celibatários involuntários) e defende a
"maximização" da aparência das pessoas.
O objetivo do
looksmaxxing é se tornar a pessoa mais atraente possível, segundo um conjunto
de critérios estabelecidos. São particularmente importantes a mandíbula, os
olhos e o físico (como os olhos "de caça", em leve ângulo para cima
em direção às têmporas – em inclinação cantal positiva).
Esta tendência existe
há pelo menos uma década, mas se popularizou recentemente e foi redefinida no
TikTok. É na plataforma de vídeos que o looksmaxxing atinge um grupo
demográfico cada vez maior de meninos adolescentes predispostos pelo algoritmo
à subcultura da "machosfera".
Criada em oposição ao
feminismo, a machosfera é definida como uma rede de websites e comunidades
online que divulgam a masculinidade e a misoginia.
O looksmaxxing atribui
"notas" a aspectos da aparência masculina, concentrados
principalmente na mandíbula, nos músculos e na pele.
Seus praticantes – os
looksmaxxers – tentam aumentar suas notas com práticas leves conhecidas como
softmaxxing (usando, por exemplo, o método tradicional chinês gua sha,
queimando mais calorias do que consomem ou com hidratação) e outras mais
fortes, que formam o hardmaxxing (como o uso de esteroides, transplantes de
cabelo ou cirurgias cosméticas).
"Realmente, é
impressionante", afirma Stuart Murray, diretor do Programa de Distúrbios
Alimentares da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. "O
conteúdo disponível no TikTok não é baseado em evidências, mas é relatado como ciência."
• Reconstrução total
Kareem Shami é, ao
mesmo tempo, vítima e líder da tendência looksmaxxing.
Com 25 anos de idade,
Shami tem 1,5 milhão de seguidores no TikTok. Ele assistiu ao filme Psicopata
Americano aos 18 anos, pouco antes da sua "transformação" – uma parte
fundamental do looksmaxxing no TikTok.
"Havia algo ali
que eu não tinha, que era o autocuidado", contou Shami à BBC.
"Eu gostei do
filme, não porque poderia me identificar com um psicopata", esclarece ele.
"Eu não gostava das coisas que ele fazia."
Em 2012, Shami e sua
família fugiram da guerra civil na Síria. Ele conta que, na sua nova escola no
Líbano, costumava sofrer bullying dos colegas devido à sua aparência.
Aos 18 anos, Shami
passou por uma transformação completa, com exercícios, tratamento da acne, um
novo corte de cabelo e, é claro, mewing – uma técnica que consiste em encostar
a língua da pessoa no céu da boca, na esperança de alinhar a mandíbula.
O nome da técnica vem
do controverso ortodontista britânico John Mew. Ele desenvolveu uma prática
chamada "ortotropia" e é retratado no documentário Open Wide, da
Netflix.
A Associação Americana
de Ortodontistas declarou em janeiro que "as evidências científicas que
sustentam as afirmações de modelagem da mandíbula por mewing são esguias como
fio dental".
Shami se mudou para os
Estados Unidos, para cursar a Universidade da Califórnia em San Diego. Ele
então começou a postar conteúdo sobre looksmaxxing no TikTok, na categoria de
vídeos chamada "glow up".
Nas redes sociais,
"glow up" é uma referência a transformações convencionais, que
tipicamente incluem uma reconstrução significativa da aparência.
Existem comunidades
online que oferecem espaços para compartilhar o "progresso" das
pessoas, seja com relação ao combate à acne, perda de peso, aumento muscular ou
simplesmente passar pela puberdade.
"Quando era jovem
na Síria, perdi o controle", conta Shami. "Vivo a vida com a ideia de
que luto pela estabilidade."
A imensa maioria dos
seus seguidores no TikTok é composta por homens, com idades entre 17 e 23 anos,
segundo ele.
Shami mantém um curso
online que oferece lições sobre como "dominar a arte da estética
facial". Neste curso e em looksmaxxing em geral, existe a ênfase nos
números.
Em certos fóruns, os
usuários enviam selfies e recebem notas das pessoas, que avaliam sua aparência
com base em uma determinada escala.
Murray afirma que a
rigidez dos números, muitas vezes, é uma característica das comunidades de
distúrbios alimentares. Ele é especialista na pesquisa das particularidades dos
distúrbios alimentares masculinos.
Murray explica que a
dismorfia muscular é um distúrbio alimentar que costuma ser menosprezado e
descartado pelos profissionais médicos.
Os distúrbios
alimentares em homens, orientados à formação de músculos, existem há décadas.
Eles se originaram na era de Arnold Schwarzenegger, nos anos 1980, e foram
impulsionados pelos meios de comunicação, que apresentavam a formação de
músculos como algo desejável, que pode ser atingido com restrições alimentares
e uso de esteroides.
Mas a flutuação
constante da composição do corpo pode ser prejudicial, seja na fase de cutting
ou de bulking (termos aplicados originalmente à musculação, que significam,
respectivamente, as fases de dieta e de ganho de massa muscular).
Jovens vulneráveis que
crescem com as redes sociais são especialmente susceptíveis à
auto-objetificação e à obsessão pela aparência.
Esta forma de pensar,
por si só, já é prejudicial. Ela incentiva a internalização de ideais de beleza
inatingíveis, que podem gerar insatisfação com o peso e o formato do corpo.
O fisiculturista e
youtuber Aziz Sergeyevich Shavershian ("Zyzz") é uma referência comum
na comunidade looksmaxxing. Ele defendia o crescimento muscular e seus
seguidores eram chamados de "a equipe da estética".
Shavershian morreu de
ataque cardíaco aos 22 anos de idade em 2011. Um exame post mortem revelou uma
condição não diagnosticada no coração, que desencadeou a parada cardíaca,
segundo sua mãe.
As inspirações visuais
para os looksmaxxers incluem modelos homens, como Jordan Barrett, Sean O'Pry e
Francisco Lachowsky. Criadores de conteúdo repetem suas poses ou fazem
caricaturas dos modelos (e de Patrick Bateman), sorrindo com os olhos e fazendo
beicinho como Ben Stiller no filme Zoolander (2001). É a chamada "cara de
sigma", uma parte da tendência dos "homens sigma".
Mas Shami nunca foi
bem recebido na comunidade looksmaxxing original.
Perto do início da
idade adulta, sua popularidade "explodiu" nas redes sociais. Isso
aconteceu quando usuários postaram suas fotos, de antes e depois da
transformação, no que ele chama de fórum de looksmaxxing "tóxico, de
pílula preta".
A "pílula" é
uma referência online à pílula vermelha do filme Matrix (1999). Nele, o
personagem Neo recebe uma escolha: observar o mundo como ele
"realmente" é, tomando a pílula vermelha, ou permanecer ignorante,
tomando a pílula azul.
A pílula vermelha
representa o despertar, que costuma orientar os usuários online de encontro às
teorias da conspiração ou a identidades políticas extremistas.
Já a pílula preta
representa uma crença derrotista de que o sistema já foi longe demais e não
pode ser modificado.
"Eu não conhecia
o termo looksmaxxing até que fui postado nos seus fóruns, com usuários lançando
ódio contra mim e perguntando se eu havia passado por cirurgia na minha
transformação", conta Shami. "Algumas pessoas me odiavam porque eu
estava divulgando como as pessoas podem se melhorar."
Para os críticos que
acusam o looksmaxxing de perpetuar expectativas físicas irreais, incentivando
distúrbios alimentares entre meninos adolescentes, Shami se defende.
Ele argumenta que, se
os adultos realmente se preocupassem com expectativas irreais online, eles
deveriam incluir a indústria de cosméticos, que vem abordando mulheres e
meninas nas redes sociais há anos.
Mas é claro que
criticar o looksmaxxing não é o mesmo que ignorar as questões da indústria de
cosméticos.
Os "guias de
melhoramento" online podem ser úteis (como dicas básicas de higiene) ou
prejudiciais (divulgando racismo, sexismo e dismorfia corporal). Para navegar
nesse continuum, Murray recomenda que os pais analisem o conteúdo com seus
filhos.
Mas ele destaca que a
auto-objetificação promovida pelo looksmaxxing é inerentemente perigosa, por
incentivar os jovens a se avaliarem com base no peso ou na atratividade
percebida. E a formação de músculos e o excesso de exercícios podem ocultar
distúrbios alimentares em homens jovens.
O tratamento de
distúrbios alimentares inclui terapia, supervisão médica e medicações. Tanto
para homens quanto para mulheres, o tratamento dos pacientes que sofrem de
distúrbios alimentares deve se concentrar na "geração da restauração do
peso", segundo Murray.
"Para homens e
meninos, existem dificuldades adicionais no tratamento, com a construção da
masculinidade", segundo ele.
Murray alerta que, por
trás desse aparente autoaprimoramento do looksmaxxing, existe uma mensagem
central que pode gerar danos psicológicos.
"Se cairmos na
armadilha da insatisfação e da baixa autoestima e você se resumir a um número,
a um tom de pele ou a uma inclinação angular do rosto, ela reduz o seu valor
como pessoa. Queremos que os homens se concentrem em formas mais sustentáveis de
gerar autoestima e identidade."
Fonte: BBC Culture
Nenhum comentário:
Postar um comentário