Eleições
no México: Duas candidatas lideram a disputa, evidenciado a crescente
influência feminina
Nas veias pulsantes da América Latina, o México se encaminha
para um processo eleitoral que promete não apenas decidir o futuro imediato do
país, mas também reverberações por todo o continente. Este momento marcado pela
eleição presidencial, de centenas de deputados e milhares de políticos
regionais, é um convite à reflexão sobre temas críticos como
representatividade, violência política e a emergente força feminina na esfera
política.
Este cenário, marcado tanto por esperanças de avanço quanto por
um legado de frustrações com o governo de Andrés Manuel López Obrador, reflete
a complexidade da dinâmica política mexicana e sua interconexão com questões
mais amplas da sociedade latino-americana.
A atual administração enfrenta críticas relacionadas a questões
de autonomia nacional, migração e segurança, apontando para a necessidade de
uma “esperança crítica” por parte do eleitorado. As candidaturas de Cláudia
Sheinbaum e Xóchitl Gálvez, representando respectivamente a continuidade e a
oposição ao governo atual, simbolizam as diferentes visões de futuro para o
México e trazem ao debate temas como progressismo, paridade de gênero,
segurança pública, respeito aos territórios ancestrais e combate à corrupção.
Com duas candidatas mulheres liderando a disputa e evidenciando
a crescente influência feminina na política mexicana, essa eleição não apenas
destaca a importância da representatividade de gênero, mas também garante que,
independentemente do resultado, a próxima liderança do México será feminina.
No contexto de desafios compartilhados como instabilidade
política, violência e desigualdades sociais, o pleito mexicano destaca-se como
uma oportunidade para reforçar os laços de solidariedade, cooperação e
aspirações comuns entre os Estados da região. A ascensão de lideranças
progressistas, capazes de abordar questões de gênero, direitos humanos e
justiça social, poderia representar um passo significativo em direção a uma
América Latina mais integrada e conectada com os valores históricos de seus
povos, onde cada país pode contribuir e se beneficiar de uma visão coletiva de
progresso e solidariedade.
No panorama latino-americano recente, observamos triunfos
marcantes de iniciativas progressistas, que trouxeram novas esperanças a países
como Colômbia, Chile, Honduras e Guatemala. Paralelamente, experiências como a
de Nayib Bukele em El Salvador, Daniel Noboa no Equador e Javier Milei na
Argentina têm gerado consideráveis preocupações.
·
O cenário mexicano recente
A estrutura política mexicana, desde a eleição de Lázaro
Cárdenas, em 1934, é notavelmente delineada por períodos conhecidos como
“sexênios”, que vetam a reeleição. Esse arranjo é peculiar, especialmente
considerando a turbulência política frequentemente observada em outras nações
latino-americanas, marcadas por golpes de Estado e interrupções governamentais.
Desde a década de 1940, a política mexicana foi dominada pela atuação de
partidos tradicionais, notavelmente o PRI (Partido Revolucionário Institucional)
e o PAN (Partido de Ação Nacional), acompanhados de outros agrupamentos que
aderiram à esfera da política convencional.
Recentemente, após um período desafiador sob a administração de
Enrique Peña Nieto, Andrés Manuel López Obrador, representando o Movimento de
Regeneração Nacional (MORENA), assumiu a presidência com uma plataforma de
mudança esperançosa, gerando expectativas de uma transformação substancial na
política mexicana.
Entretanto, o governo de López Obrador enfrentou e continua
enfrentando críticas, sobretudo pela expectativa de uma postura mais autônoma
em relação aos Estados Unidos e uma defesa mais assertiva dos direitos dos
mexicanos e latino-americanos, especialmente no que tange às questões
migratórias. Além disso, a falta de ações eficazes contra a violência e a
chocante normalização dos feminicídios, fenômeno este não exclusivo do México,
mas igualmente perturbador no Brasil, ressalta a urgência de endereçar essas
questões. Casos notórios de violência contra mulheres, como o de Ciudad Juárez,
e o persistente problema dos desaparecimentos forçados não encontraram solução
sob a atual administração, evidenciando a necessidade de mudanças profundas.
Cláudia Sheinbaum foi Secretária do Meio Ambiente durante a
administração de Andrés Manuel López Obrador como chefe de governo do Distrito
Federal (região administrativa da Cidade do México), de 2000 a 2006. Entre 2018
e o final de 2023, ela foi a própria chefe de governo do Distrito Federal,
coincidindo com o período de AMLO na presidência. Possuindo uma formação
acadêmica robusta e uma extensa trajetória no âmbito político, Cláudia
Sheinbaum simboliza a perpetuação da “Quarta Transformação”, uma visão de mudança
proposta para o México, mesmo diante das críticas enfrentadas durante sua
administração.
Sob seu governo, a Cidade do México viu o agravamento de
questões críticas, como o aumento dos feminicídios e desafios persistentes
relacionados à segurança pública. Além disso, questões vinculadas à
infraestrutura e ao sistema de transporte emergiram como pontos de preocupação
significativos. A gestão da pandemia de COVID-19, em particular, destacou-se
como um período de testes intensos, marcado por decisões cruciais na saúde
pública e na resposta a uma crise sanitária global sem precedentes. Esses aspectos
refletem o complexo panorama de desafios que Cláudia Sheinbaum enfrentou,
ilustrando os obstáculos intrínsecos à liderança de uma das maiores metrópoles
do mundo. Sua coalizão inclui o MORENA, o Partido Verde e o Partido do Trabalho
(PT), refletindo uma mescla de experiência e grupos de esquerda tradicionais.
Do lado oposto, Xóchitl Gálvez é uma figura política associada
ao PAN, embora sua trajetória mostre uma abordagem flexível e independente
dentro do espectro político. Durante o governo de Vicente Fox, que foi
presidente do México de 2000 a 2006, Xóchitl Gálvez desempenhou um papel
significativo como Diretora Geral da Comissão Nacional para o Desenvolvimento
dos Povos Indígenas. Caracterizada por um perfil empresarial com ênfase na
sustentabilidade, ela se posiciona como uma alternativa no espectro político,
recebendo apoio de uma coalizão que une os tradicionais PRI e PAN ao Partido da
Revolução Democrática (PRD).
Este último, anteriormente visto como uma força moderada e
institucionalista de esquerda, no contexto atual se inclina mais explicitamente
para a direita tradicional. Em sua campanha, tenta se distanciar de figuras
políticas tradicionais e marca um discurso explicitamente neoliberal e com
enfoque em parcerias com grandes corporações e mercados.
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Elementos culturais da política
Com efeito, a história e a cultura do México têm muito a
ensinar-nos, especialmente quando mergulhamos fundo em seu estudo. Como
brasileiro que nutre uma profunda admiração pelo México – país onde residi
entre 2012 e 2013 por um ano e meio –, percebo a riqueza dessa relação
bilateral, especialmente agora que celebramos o ano de parceria e amizade entre
Brasil e México, com diversos eventos promovidos pelas respectivas embaixadas.
Entender o México não apenas como uma nação, mas como um farol
para a América Latina, é essencial. A sua posição geográfica, partilhando
fronteiras com os Estados Unidos, coloca-o em uma situação única, enfrentando
desafios particulares que se diferenciam dos outros países latino-americanos,
incluindo questões como corrupção, narcotráfico e crime organizado. Estes são
aspectos de um legado que ainda persiste, evidenciado pelo problema recorrente
dos sequestros e desaparecimentos forçados, uma questão que permanece
dolorosamente relevante.
Recentemente, um evento ilustrou essa realidade: durante um
concerto na praça central da Cidade do México, a renomada cantora Julieta
Venegas interrompeu sua apresentação para protestar pelos desaparecidos,
reiterando o clamor popular “Vivos os levaram, vivos os queremos”. Esse ato
destaca a urgência de nos aprofundarmos em questões sociais mexicanas que
transcendem a esfera eleitoral. Plataformas como Desinformémonos e jornalistas
como Carmen Aristegui têm sido fundamentais para nos aproximar e compreender as
dinâmicas sociais atuais do México, incluindo o machismo estrutural, que embora
compartilhe características com outras formas de patriarcado, possui
peculiaridades locais, como o “caciquismo”, uma variante do coronelismo que
permeia tanto o ambiente político quanto acadêmico.
Essa liderança tradicional, exercida pelos “caciques”, revela a
profundidade dos costumes e normas sociais que moldam o país. Morando no
México, foi possível observar inúmeros exemplos dessa dinâmica, que também se
manifesta na cultura popular, através da figura do “macho mexicano”, um
estereótipo promovido até mesmo pelas telenovelas e músicas. Essa
representação, anteriormente aceita quase como parte do folclore nacional, hoje
enfrenta críticas severas, à medida que a sociedade reconhece sua conexão intrínseca
com a violência de gênero. Este panorama nos desafia a repensar e dialogar
sobre as raízes culturais e a necessidade de evolução social, refletindo sobre
como estas questões moldam a identidade mexicana no contexto contemporâneo.
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Paridade de gênero e cargos políticos
Abordar a questão da representatividade feminina na política é
fundamental, especialmente ao observarmos o crescente número de mulheres
ocupando cargos políticos no México. Reformas legislativas contínuas desde
2018, no marco de décadas de mobilizações sociais e feministas, contribuíram
para fortalecer a presença e a influência das mulheres na arena política
mexicana.
A reforma eleitoral de 2008 estabeleceu cotas de gênero,
exigindo que os partidos políticos assegurassem que pelo menos 40% dos
candidatos a cargos eletivos fossem mulheres. Este foi um passo inicial
importante na direção de uma representação política mais equitativa. Em 2014,
novas reformas político-eleitorais fortaleceram as exigências de cotas,
convertendo-as em mecanismos mais rigorosos para a paridade de gênero nas
candidaturas.
Essas mudanças foram solidificadas no artigo 41 da Constituição
Mexicana, que passou a requerer que os partidos políticos garantissem paridade
de gênero nas listas de candidatos para o Congresso. A Lei Geral de
Instituições e Procedimentos Eleitorais (LEGIPE), por meio da Lei Número 422
publicada em maio de 2014, detalhou a implantação dessas medidas, orientando
como os partidos deveriam atender a essa exigência.
Um marco ainda mais significativo foi alcançado com as reformas
legais de 2019, que modificaram 10 leis diferentes, incluindo a Constituição
Mexicana e a Lei Geral de Instituições e Procedimentos Eleitorais. Essas
reformas instituíram a obrigatoriedade da paridade de gênero de maneira
transversal, ampliando a exigência de 50% de representação feminina não apenas
para as candidaturas, mas também para a composição dos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário em todos os níveis de governo – federal, estadual e
municipal.
Essas etapas legislativas são fundamentais na política mexicana
e posicionam o país como um dos líderes mundiais em paridade de gênero no
âmbito político. Desde a noção de cotas mínimas até a atual paridade, um longo
caminho tem sido percorrido. Esta realidade contrasta profundamente com a
situação brasileira, onde estamos atrasados em pelo menos 200 anos com o
predomínio quase absoluto de homens em grandes casas como a Câmara de Deputados
e o Senado Federal, que, não por coincidência, têm assumido um perfil e pautas
de extrema direita. Vale lembrar, inclusive, das recentes (e frustradas)
campanhas para a nomeação de uma ministra negra para as vagas recentes abertas
no Supremo Tribunal Federal, onde a presença feminina, em vez aumentar,
diminuiu.
Nesse contexto, o avanço do México em relação à paridade de
gênero no governo e nas instituições destaca-se como um exemplo inspirador e um
modelo a ser seguido, demonstrando o impacto positivo de políticas assertivas
de igualdade de gênero na composição e no funcionamento das esferas de poder.
Estamos diante de uma discussão crucial sobre
representatividade, no entanto, a persistência da violência política contra
mulheres no cenário político não pode ser ignorada. Quando abordamos a paridade
de gênero, é essencial reconhecer que esta não deve se restringir a uma
formalidade. É preciso questionar as condições efetivas que permitem às
mulheres ascender a cargos políticos. Importante salientar que, na América
Latina, as mulheres já desempenham papéis de liderança em comunidades e
famílias, mas enfrentam barreiras significativas no âmbito da política formal,
muitas vezes sendo marginalizadas por mecanismos de violência e opressão
patriarcal.
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Histórico de violência política
A violência, especialmente em contextos eleitorais, tem se
mostrado alarmante. Nos últimos anos, observou-se um número assustador de
candidatos assassinados durante campanhas eleitorais no México, incluindo
mulheres, com o narcotráfico e o crime organizado desempenhando um papel
central nessas agressões. A violência política se tornou uma ferramenta de
intimidação e controle, refletindo a profunda interconexão entre o estado e os
cartéis criminosos. Este cenário não se alterou significativamente com a mudança
de administração para um presidente não tradicional, como López Obrador,
indicando que a violência política está enraizada nas estruturas do país.
A audácia com que os cartéis atuam, desde sequestros até a
exigência de posições políticas e pagamento de “pedágios”, ilustra o grave
desafio enfrentado pela sociedade mexicana. Esta realidade alcança até mesmo
comunidades indígenas, que, desconfiando das autoridades oficiais devido a
essas intrincadas relações, têm formado suas próprias forças de segurança
comunitárias. Tal situação destaca a necessidade urgente de abordar tanto a
violência política quanto o narcotráfico como obstáculos fundamentais à igualdade
de gênero e à democracia no México, exigindo soluções que vão além de políticas
formais de paridade e adentram o âmbito da segurança, justiça e direitos
humanos.
Refletindo sobre o histórico de violência associado às eleições
no México, e considerando a magnitude da próxima eleição – que não somente
decidirá a presidência mas também elegerá 628 deputados e milhares de políticos
para cargos regionais -, a segurança do processo eleitoral emerge como uma
preocupação central. Recentemente, Cláudia Sheinbaum criticou declarações do
presidente da Espanha sobre a violência eleitoral, propondo uma visão mais
otimista ao descrever as eleições como uma “festa da democracia”. Embora seja
prematuro realizar análises detalhadas, a presença de Cláudia Sheinbaum e de
Xochitl Gálvez na disputa sugere a possibilidade de uma renovação no cenário
político-eleitoral mexicano, o que poderia representar uma mudança
significativa e apoiar processos em curso em outros países, incluindo o Brasil.
Entretanto, a violência política no México, uma realidade que
precede até mesmo a Revolução Mexicana, com várias figuras políticas
importantes sendo assassinadas ao longo da história, é um fenômeno que não se
limita a este país, estendendo-se por toda a América Latina, como evidenciado
por recentes eventos de violência no Equador, Haiti e El Salvador.
Neste contexto, as propostas de Cláudia Sheinbaum, focadas em
bandeiras progressistas e transformação social, contrastam com a abordagem de
sua adversária, que prioriza a segurança pública e uma postura mais
conservadora, inclinando-se para o fortalecimento das forças de segurança e uma
política de tolerância zero contra o crime.
À medida que as eleições de 2 de junho se aproximam, essas
questões de violência e as respostas políticas a ela se tornam ainda mais
pertinentes. Ainda há tempo para o desenvolvimento do processo eleitoral, e é
provável que o debate sobre segurança e a violência política continue a ser um
tema recorrente de discussão.
Este panorama é inserido em um contexto latino-americano
turbulento, com recentes eventos no Peru e no Equador, as frustrações ao
movimento constituinte no Chile e o contínuo desafio enfrentado pelo governo de
Gustavo Petro na Colômbia. A importância de apoiar uma candidatura progressista
no México, portanto, transcende as fronteiras nacionais, inserindo-se na luta
por avanços sociais, políticos e econômicos em toda a América Latina.
A maneira como os governos dos países vizinhos se posicionam e
atuam tem implicações diretas uns sobre os outros, ressaltando a interconexão
de nossos desafios e sucessos, tanto no cenário regional quanto global. É
fundamental entender e navegar pelas complexidades do momento atual,
reconhecendo que o futuro de um país influencia e é influenciado pelo contexto
continental e mundial.
Fonte: Por Julio da Silveira Moreira, em A Terra é Redonda
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