terça-feira, 2 de abril de 2024

Chapada Diamantina é berço de produtos especiais

Mundialmente conhecida por seus muitos encantos naturais, a Chapada Diamantina, situada no coração da Bahia, possui 38 mil quilômetros quadrados de natureza exuberante com majestosas montanhas, serras, vales, cânions, cachoeiras, cavernas, nascentes de rios, flores e trilhas que atraem os amantes da natureza de toda parte. Além de ser rica em cultura, história e tradições locais, é também um berço de produtos de alta qualidade, como cafés especiais, frutas vermelhas, vinhos e queijos artesanais.

Essa diversidade oferece um leque de oportunidades para os pequenos negócios locais e para os grandes empresários investirem no turismo de experiências na região. Foi o que aconteceu com o gaúcho Jair Galera, que comprou um sítio em Mucugê após ser demitido, há sete anos, com a ideia de plantar flores. Acabou produzindo morangos porque era o que estava em alta na região.

Após a primeira colheita ele abriu uma lojinha para vender a produção de morangos in natura e congelados dentro de sua casa, acrescentando depois os licores e as geleias.

Daí ele percebeu que as pessoas iam comprar morango, mas também queriam conhecer um pé de morango e saber como é que os frutos são produzidos. “Foi assim que a gente começou devagarzinho abrindo o sítio para este tipo de turismo, e viu a necessidade de plantar outras frutas para agregar mais valor à visitação turística”, contou.

Ele possui 20 mil plantas de morangos, o que gera cerca de 40 toneladas de por ano da fruta em alta qualidade, e também uma pequena produção de dois mil quilos por ano de amora, e uma menor de pitaia e mirtilo. “Eu nunca havia pensado em fazer isso na vida, mas é muito gratificante ver o turista sair encantado e contente de ver de perto as minhas plantações e o respeito que a gente tem com a natureza”, comentou o produtor, que vende suas frutas vermelhas para vários restaurantes de comida natural em Salvador, que as incluem em sucos, drinks e sobremesas.

Outro empresário que decidiu investir na Chapada Diamantina é o João Cerqueira, que possui uma fazenda de plantas e ervas aromáticas e medicinais para produzir óleos essenciais 100% puros no município de Morro do Chapéu, a Akã Óleos Essenciais. João conta que ele e a esposa Ana Cleude decidiram se mudar para o interior quando se aposentaram, há sete anos, mas não queriam ficar parados.

Adquiriram uma fazenda com a ideia de fazer um lavandário, inspirados em uma belíssima plantação de lavandas que visitaram na Europa. Descobriram que eram plantas que gostam de um clima mais frio e alta altitude, e decidiram cultivá-las em Morro do Chapéu. De 2017 a 2021 foi apenas o plantio, totalmente orgânico. Elas se adaptaram e floresceram.

Com o incentivo das filhas e de amigos, começaram a cultivar outras plantas aromáticas, como o alecrim, o capim limão, o patchouli, a hortelã pimenta, o manjericão, erva doce, verbena e várias outras plantas nativas da região que produzem óleos essenciais exclusivos da Akã, como a jurema branca e a arruda-da-serra.

Eles tiveram que estudar muito, plantar, produzir as próprias sementes e mudas e reproduzir as plantas para, só depois de um ano e meio, começarem a produzir óleos essenciais em uma quantidade que justificasse o comércio.

“Com o tempo, fomos aumentando o nosso portfolio e a capacidade produtiva da fábrica, que é totalmente orgânica e certificada pela IBD. A fazenda produz óleos essenciais desde o ano de 2021 e conta hoje com 18 plantas aromáticas na prateleira”, contou o fazendeiro.

Agora, por convite e incentivo do Sebrae, eles estão adaptando o formato do lavandário para abrir para visitação turística. Cultivam em plantações maiores e de uma forma mais espaçada para receber os visitantes, que querem passear dentro das plantações e tirar fotos.

“Está sendo uma nova experiência muito agradável. Nós nunca pensamos em atuar na área de turismo, mas começamos a conhecer esse universo através de simpósios, congressos e treinamentos promovidos pelo Sebrae e, para a nossa sorte, estamos gostando muito”, declarou.

Eles comercializam o vidrinho de 10 mililitros de óleo essencial 100% puro da planta para lojas de produtos naturais, farmácias e para o uso da aromaterapia. A fazenda Akã produz conforme a demanda, mas tem uma capacidade instalada de 15 quilos de óleo essencial por dia, o que dá 1.500 frasquinhos de 10 ml por dia. “

O casal tem recebido a maior parte dos visitantes para conhecer o lavandário, passear por ele, circular por entre as plantações, curtir o lindo visual e até fazer um álbum de casamento na fazenda de 18 hectares com 18 tipos de plantas.

A visita guiada pela fazenda inclui o passeio por todas as plantas aromáticas, podendo cheirar e macerar as folhas para sentir os aromas, fazer fotos e conhecer também o laboratório, a caldeira e os equipamentos que são usados, com explicação de todo o método utilizado para a produção, separação e envase, a lojinha e o que mais a curiosidade do visitante pedir. São duas horas de passeio, sempre muito elogiado, segundo Cerqueira. “A opinião do turista pesa muito em nossas decisões e quem vem diz sempre que valeu muito a pena”.

Outro investidor no turismo sensorial foi o produtor rural Uvilson Santos, que começou, de forma pioneira na Chapada Diamantina, a plantar amoras pretas, a partir de uma palestra do Sebrae que muito o interessou.

Antes ele cultivava apenas morangos e conta que, no mês seguinte, ele começou o plantio com as primeiras 50 mudas das amoras vindas do Rio Grande do Sul, quando ninguém ainda cultivava esse fruto na região.

“Fiz capacitação para entender o processo de produção de amora preta, que é de clima temperado e sazonal, para cultivá-la em regiões não convencionais e fazer a propagação da espécie. Foi uma felicidade conhecer a amora preta, que é uma fruta elitizada, gourmet, de alto valor agregado”, explicou.

“Fazemos colheitas seletivas e diárias ou em dias alternados, de janeiro a janeiro, com uma produção de dez toneladas de amora preta por ano”, comemorou.

Para ele, não foi nada fácil, mas depois da excelente adaptação à região, ele foi buscar mais informações e acabou conhecendo a cultura da framboesa e do mirtilo. Hoje ele produz as quatro frutas vermelhas com certificação orgânica, em dois hectares de terra, sendo a maior área reservada às amoras pretas.

“Nós somos pioneiros no Nordeste na produção de amora e framboesa, e fomos nós que trouxemos essa adaptação para a região. Hoje somos autoridades no assunto”, explicou ele, que vende morangos, framboesas, mirtilos e amoras pretas na loja Casa das Frutas Vermelhas no seu Sítio das Frutas Vermelhas, em Mucugê, e outra loja no centro da cidade, tanto in natura como congeladas, além de geleias, licores e as frutas desidratadas. Vende também para restaurantes em Salvador e no atacado e também consultorias completas para quem quiser empreender no ramo.

·        Experiência sensorial

O sítio, que fica a um quilômetro da trilha que leva ao Vale do Pati, foi incluído na rota das frutas vermelhas, que será lançada para o mercado de turismo nesse ano pelo Sebrae. Devido à alta procura, ele fez capacitações para bem atender o turista. “Colocamos o sítio aberto à visitação que, além dos pomares, tem uma vista deslumbrante do paredão da encosta de Mucugê. Agora a gente oferece uma experiência sensorial ao visitante, que tem aparecido a cada dia mais”.

“A gente recebe muito reconhecimento pelo trabalho e fica lisonjeado. E esse novo nicho de turismo é ideal para quem não tem condições físicas para subir e aguentar as trilhas”, disse ele.

“Essa cultura recente da Chapada Diamantina, de atrair um novo perfil de visitante para vivenciar novas experiências, tem incrementado o fluxo turístico para a região, fazendo com que as pessoas fiquem mais tempo no destino”, afirmou o secretário estadual de Turismo, Maurício Bacellar.

A secretaria oferece diversos cursos para qualificar a mão de obra envolvida nos serviços turísticos, além de promover o destino e fornecer informações para a atração de investimentos privados

Para ele, a maior prova do crescimento do turismo na região é o aumento de equipamentos turísticos cada vez mais qualificados e até milionários, como é o caso das vinícolas, que estão elevando o destino.

 

Ø  Aliar expansão econômica e preservação ambiental é o principal desafio

 

A preservação e a conservação dos recursos naturais que fazem da Chapada Diamantina um dos atrativos preferidos do ecoturismo no Brasil, mobiliza grupos de moradores, empreendimentos privados e órgãos públicos na região. Parques, reservas e APPs têm a missão de manter preservadas as áreas nativas e, independente do modelo, todos devem somar para o aumento da conscientização de moradores e visitantes.

Com 23 anos de atuação organizada como Associação dos Condutores de Visitantes do Vale do Capão (ACV VC), o grupo formado por moradores/guias já atuava na região antes disso, principalmente em questões relacionadas com queimadas e destinação do lixo. Atualmente eles têm uma brigada voluntária de combate aos incêndios florestais, estruturada e com formação específica dos membros através de iniciativa própria.

De acordo com o presidente, Dillei Rocha, os componentes do grupo também agem junto da comunidade na promoção de uma consciência ambiental, com palestras para grupos específicos e nas escolas, além de procurar pessoas perdidas e resgatar acidentados nas trilhas. Ele citou como maior dificuldade a falta de maior presença do poder público municipal em apoio às ações do grupo na área de conscientização, bem como na fiscalização.

Neste aspecto, Rocha afirmou que existe uma lei municipal estabelecendo que o serviço de guia seja executado apenas por pessoas que passaram por capacitação e tenham autorização. “Mas não é fiscalizado e com isso temos atuação de guias piratas”, afirmou, pontuando que este trabalho é muito sério. Ele se disse preocupado com o futuro do vale e cobrou a execução de um plano ambiental abrangente para o município.

A preocupação do representante da ACV VC tem fundamento, considerando que uma pesquisa de satisfação realizada no ano passado pela startup Janoo, apontou que o item mais comentado pelos turistas tem relação aos guias/condutores, alcançando 25,92% das manifestações. “Os comentários demonstram a importância deste serviço na qualidade da experiência do visitante e que esse é um aspecto essencial para ser acompanhado pelos gestores públicos e das unidades de conservação”, segundo Tássia Correia.

Ela é sócia da Janoo.com.br, uma plataforma digital para atrativos turísticos criada no período da pandemia, que oferece mais de 50 opções situadas em diversos municípios da Chapada Diamantina. Através da ferramenta, os visitantes escolhem e tem acesso a todas informações necessárias para o aproveitamento sustentável dos locais.

“Nosso trabalho começa com uma avaliação, um plano de trabalho e um sistema de gestão, com estabelecimento de regras como número de visitantes por dia”, afirmou, salientando que o primeiro atrativo na região a restringir o acesso foi a Cachoeira do Buracão, no Parque Natural Municipal do Espalhado, em Ibicoara, limitado a 300 pessoas/dia.

Através do trabalho da startup, que está desde setembro de 2022 fazendo gestão compartilhada e controle do Parque Municipal da Muritiba, em Lençóis, é possível mensurar o número de visitantes, apontando que nos últimos 12 meses a soma é de 48.402 pessoas. Na comparação é claro o crescimento, pois em janeiro de 2023 foram 4.237 visitantes no local e 7.311 no mesmo mês de 2024.

Ela citou que também o Parque Municipal Sempre Viva, em Mucugê, conta com trabalho de portaria monitorada pela plataforma. E, embora crescente o número de atrativos com acompanhamento, ela chamou a atenção para locais que são muito procurados e ainda não tem controle para acesso, prejudicando a conservação, a exemplo do Vale do Pati que fica no Parque Nacional (Parna Chapada Diamantina).

A unidade federal é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e, de acordo com o chefe do parque, Cezar Gonçalves, tem uma equipe pequena para cuidar de toda área, que abrange parte de seis municípios e tem 38 anos. Analista ambiental, ele afirmou que conta com parcerias e contratos pontuais em ações de infraestrutura.

Também ressaltou o trabalho contínuo de fiscalização, proteção, prevenção e combate aos incêndios florestais com apoio de moradores e grupos de voluntários. Gonçalves apontou como principais dificuldades a falta de cuidado de alguns visitantes com o lixo, e a chegada de novos caçadores na região. Disse que tem projetos para estruturar a visitação sustentável com maior controle de acesso, “mas no momento falta pessoal para tocar como necessário”, justificou.

·        Biodiversidade

O Projeto Morro Verde é um dos destaques entre as ações voltadas para a manutenção da biodiversidade em Morro do Chapéu. Instituído há três anos, tem como um dos focos o plantio de espécies nativas para reflorestar áreas degradadas. Outro projeto importante é o Bichos do Morro no Parque Estadual do Morro do Chapéu, que está catalogando e acompanhando com ajuda de câmeras, espécies silvestres do bioma Caatinga, algumas ameaçadas de extinção.

“Conscientizar a população local e os turistas sobre a importância da preservação ambiental é essencial para promover uma cultura de respeito e cuidado com o meio ambiente”, afirmou a prefeita Juliana Araújo. Ela pontuou que o trabalho inclui práticas sustentáveis, como o uso responsável dos recursos naturais e a proteção de áreas sensíveis.

Ao seguir a mesma linha, em Lençóis foram implementados programas para conservar o ambiente natural, visando minimizar os impactos negativos sobre o ecossistema. “Reconhecemos a importância da preservação para a sustentabilidade do turismo na região”, afirmou a secretária de Turismo, Laura Garcia, acrescentando .que foram criadas áreas protegidas, desenvolvidas campanhas de conscientização e implementado controle com monitoramento de trilhas.

Em Itaberaba o Programa de Educação Ambiental conta também com eventos de conscientização e ações de recuperação na cidade e zona rural, com manutenção de um horto capaz de produzir 20 mil mudas/ano, conforme o secretário de Meio Ambiente, Jakson Gomes.

Ele disse que a criação da Lei do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) reforça o trabalho e favorece a restauração de todas nascentes no município, principalmente na zona de amortecimento no entorno da unidade de conservação Serra do Orobó (Itaberaba/Rui Barbosa). Para Gomes, o projeto de revitalização e melhoramento em curso do Parque Municipal do Açude Juracy Magalhães, objetiva a oferta de um espaço estruturado com foco no ecoturismo regional.

 

Fonte: A Tarde

 

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