Salvador do futuro: aumento do nível do mar
pode causar desaparecimento de pontos importantes da cidade
Já imaginou Salvador sem a praia do Porto da Barra? Que tal percorrer as ruas
da região da Cidade Baixa a bordo de um barco? E como pensar em um Pelourinho
vazio em pleno verão, entre o meio da manhã e o início da tarde, por causa das
altas temperaturas? Essas são algumas situações que a capital baiana pode
enfrentar no próximo século, de acordo com pesquisadores, devido ao aquecimento
global e eventos climáticos extremos.
Neste mês de março, em
que é celebrado o aniversário de 475 anos da capital baiana, o g1 conversou com pesquisadores para
saber o que esperar do futuro na cidade no âmbito do meio ambiente, e suas
consequências.
Aumento do nível do mar,
praias sem faixa de areia, desaparecimento de pontos importantes, ondas de
calor frequentes e grande volume de chuvas em curto espaço de tempo estão entre
os impactos previstos pela ciência. Mas o que tudo isso significa, na prática?
Como lidar com esses fenômenos?
Faixa de areia da
Praia da Boa Viagem, na Cidade Baixa, pode ser invadida pela água do mar nos
próximos 100 anos — Foto 1: My Phantom Toy/Marcelo Gandra — Foto 2: My Phantom
Toy/Marcelo Gandra
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O que é o aquecimento global?
O aquecimento
global é referente a uma elevação considerável da temperatura na Terra. O
professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), José Maria Landim, doutor em
Geologia Marinha, explica que o quadro resulta do aumento da concentração
de CO2, o gás carbônico, na atmosfera. Esse é um gás de efeito estufa, que
retém o calor.
“É um cenário que
eleva a temperatura média do planeta e gera vários tipos de ameaças”, afirma.
Outros gases de efeito estufa são o metano e o óxido nitroso, no entanto, o CO2
é o principal causador do problema. Ele é produzido, sobretudo, através da queima
de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo.
“Nossa economia é
baseada na queima de combustíveis fósseis, que é uma espécie de subproduto do
metabolismo da nossa civilização. Esse CO2 na atmosfera é difícil de tirar,
pois os processos naturais que os retiram são lentos. Então, o aquecimento
global veio para ficar e vai nos afetar cada vez mais nas próximas décadas”,
detalha Landim.
Em Salvador, o setor
de transportes é responsável por 74% da emissão de gases de efeito
estufa, seguido pelo de resíduos, com 8%. Os 18% restantes são divididos
entre edifícios residenciais e comerciais, além de indústrias. Os dados são do
Inventário de Emissão de Gases de Efeito Estufa realizado pela Organização Não
Governamental (ONG) Iclei - Governos Locais para a Sustentabilidade, em
parceria com a prefeitura municipal.
Movidos a
combustíveis, como o diesel, os ônibus ajudam a emitir gases que provocam o
efeito estufa — Foto: Bruno Concha/Secom
Conforme a Agência
Meteorológica da Organização das Nações Unidas (ONU), o planeta tem atualmente
a maior concentração de gás carbônico já registrada na atmosfera, fato
considerado como uma "emergência climática" pelo órgão.
O ano de 2023 foi o
mais quente dos últimos 100 mil anos na Terra, segundo informações divulgadas
no início de 2024 pelo observatório europeu Copernicus. O levantamento indica
que a temperatura média aumentou 1,48°C, acima do nível da era pré-industrial,
entre 1850 e 1900.
No Acordo de Paris,
assinado em 2015 na França, o Brasil se comprometeu a adotar esforços para
reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005,
em 2025, com uma contribuição subsequente de queda 43% abaixo dos níveis de
2005, em 2030. Além disso, o país tenta manter o aumento de temperatura em até
1,5°C nos próximos anos.
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O que são os eventos climáticos extremos?
Aquecimento global
causa mudanças dos padrões de chuvas em cidades brasileiras, incluindo Salvador
— Foto: Arquivo Pessoal
Quanto maior a
concentração de CO2 na atmosfera, mais o planeta aquece, e isso provoca
alterações em aspectos diversos, como correntes oceânicas e padrões de chuvas.
A partir de então, surgem os eventos climáticos extremos, que acontecem de
forma intensa e desordenada.
Não é preciso esperar
pelos próximos para sentir essas mudanças. Atualmente, fenômenos como ondas de
calor, estiagem prolongada e temporais com altos índices pluviométricos são
notados em várias cidades brasileiras, incluindo a capital baiana.
Em dezembro de 2023,
por exemplo, Salvador registrou 85,9 milímetros de chuva, conforme com o
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O volume é 35% acima da média
histórica, que é de 63,4 mm. No mesmo período, o maior volume de chuva em 24
horas ocorreu no dia 21, com 61,1 mm. Na ocasião, houve diversos transtornos,
como deslizamentos de terra e alagamentos.
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De que forma os eventos climáticos extremos
podem afetar Salvador?
Simulação do que pode
acontecer com Salvador no futuro, com o Mercado Modelo e outros prédios
totalmente tomado pelas águas — Foto: Climate Central/via BBC
Algumas
características de Salvador oferecem mais riscos em casos de eventos climáticos
extremos. “É uma cidade tropical que está no nível do mar. O sistema de
drenagem da cidade não é apto a receber toda a água que vem dos eventos de
precipitação, por exemplo. Isso já atrapalha muito a vida das pessoas e a
tendência é piorar”, observa Murillo Anderson Barbosa, doutor em Ciências
Agrárias e professor de climatologia na Rede UniFTC.
As ondas de calor,
fenômeno meteorológico que acontece quando uma determinada região registra
temperaturas 5ºC acima da média por um período de cinco dias ou mais, também
podem atingir a cidade com mais frequência no futuro, segundo ele.
“Durante os meses mais
quentes, entre novembro e março, as temperaturas poderão crescer e causar forte
incômodo nas pessoas. Isso gera aumento no consumo de energia, afeta o turismo
feito em atividades ao ar livre e é um desafio para a saúde, causando, inclusive,
aumento no fluxo de pacientes em postos e hospitais”, alerta Barbosa.
Orla do Rio Vermelho
poderá ser afetada pelo avanço do nível do mar — Foto 1: My Phantom Toy/Marcelo
Gandra — Foto 2: My Phantom Toy/Marcelo Gandra
Segundo José Maria ,
estudos mostram que as chuvas tendem a diminuir na Bacia do Paraguaçu, o que
vai diminuir a oferta de água potável na cidade. "Não somos uma cidade com
muitos recursos. Isso nos torna vulneráveis. Quando o município investir para
mitigar esses fenômenos, vai ter que usar recursos que seriam, em tese, de
outras áreas, como saúde e educação. Então, é um cenário de crise”, analisa.
"Além disso, o
aquecimento global gera implicações para a vida marinha, da qual Salvador é tão
dependente. Todo um conjunto será afetado. Às vezes, a gente não consegue ver
uma relação direta, mas muita coisa está conectada”, acrescenta Landim.
·
Como Salvador vai ficar com o aumento do
nível do mar?
Os oceanos são
fundamentais para regular o clima do planeta, pois absorvem o calor, produzem
metade do oxigênio da Terra e controlam os padrões climáticos. Quanto mais
aquecidas as águas, menor a capacidade de absorção do dióxido de carbono da
atmosfera, o que provoca maior aquecimento do clima.
O acúmulo de gases na
atmosfera acelera o derretimento de geleiras, que seguem para o oceano e causam
aumento do nível do mar. Oceanos mais quentes e ondas de calor afetam espécies
marinhas e alteram a cadeia alimentar.
Landim acredita
que a praia do Porto da Barra, uma das mais frequentadas da cidade e que
já foi considerada uma das mais belas do mundo, desaparecerá, justamente por causa do aquecimento global e do
consequente avanço do mar.
“Quando o mar avança,
as águas não têm para onde se deslocar, pois depois vem pista ou muro. Sim, o
Porto da Barra vai desaparecer e isso é algo que afetará o lazer da população e
o turismo na cidade” , prevê Landim.
A agência
internacional Climate Central previu, há dois anos, que pontos famosos e com
grande importância cultural e histórica, serão fortemente afetados pelo avanço
do mar até o ano de 2100, entre eles o Mercado Modelo, a Ilha dos Frades e
trecho do Subúrbio, além do Porto da Barra.
As projeções
consideram uma elevação do nível do mar de 55 centímetros no próximo século, o
que vai ocorrer caso a temperatura média do planeta cresça em 1,5ºC, de acordo
com Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das
Nações Unidas (IPCC).
“Essa é uma previsão
até otimista, pois caso o planeta fique 3ºC mais quente, o aumento do nível do
mar vai ser de mais de um metro, ocasionando muitas outras perdas para a
cidade”, avalia a arquiteta e curadora da exposição Salvador 2100, Manuela
Accioly.
A mostra foi
organizada pela Comissão Especial de Emergência Climática e Inovação para
Sustentabilidade da Câmara de Vereadores de Salvador e reuniu os dados
disponibilizados pela Climate Central.
“Em Salvador, os
principais impactos disso serão a perda de territórios e consequente êxodo de
regiões litorâneas, comprometimento da atividade de pesca e erosão costeira.
Esses danos têm impactos sociais, ambientais e econômicos difíceis de serem
mensurados. Os resultados dependerão do quanto consigamos avançar em adaptação
nas áreas mais afetadas, garantindo que as pessoas fiquem seguras”, completou.
·
O que é racismo ambiental e por que os mais
pobres serão os mais afetados?
No início deste ano, o
termo “racismo ambiental” viralizou nas redes sociais após ter sido usado pela
ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, para abordar o impacto das
mudanças climáticas em áreas periféricas, onde historicamente é preta a maioria
dos habitantes.
O termo surgiu nos
anos 80, nos Estados Unidos, e consiste no conjunto de diferenças sociais e
ambientais que recaem majoritariamente sobre etnias e populações mais carentes.
China e Estados Unidos
representam 40% das emissões de gases de efeito estufa do planeta, segundo o
Instituto de Pesquisa do Impacto Climático de Postdam, na Alemanha.
“Isso significa que,
mesmo que Salvador reduza sozinha suas emissões, não poderemos fazer nada se
eles [países mais ricos] não fizerem. Os Estados Unidos têm muitos recursos,
eles podem começar a implementar obras de mitigação”, diz Landim, complementando
que os países mais pobres, entre eles o Brasil, estão mais ameaçados no cenário
mundial.
“Com o aumento do
nível do mar, por exemplo, pescadores e marisqueiros serão afetados. Eles não
costumam viajar de avião, não são grandes consumidores de materiais, suas
atividades não demandam consumo de energia... então, a emissão de CO2 deles é
baixa. Mas eles vão pagar muito alto. Do mesmo modo que, se começar a chover
muito, quem vai ser mais prejudicado é quem mora em zonas de risco, encostas,
que normalmente é quem tem menos recursos”, explica.
·
O que podemos fazer para lidar com esses
fenômenos?
Na opinião de Landim,
não é possível evitar os eventos climáticos extremos em Salvador, a menos que
haja uma ação enérgica global voltada a reduzir a emissão de gases de efeito
estufa. “O que podemos fazer é mitigar os efeitos desse aquecimento global e se
adaptar a essa nova realidade. Mas, para isso, vai ser preciso muito dinheiro.”
Manuela Accioly
acredita que, para lidar especificamente com os efeitos do aumento do nível do
mar na capital baiana, é possível criar um sistema de gerenciamento costeiro,
ampliar unidades de conservação marinha e desenvolver medidas efetivas para
reduzir os impactos climáticos na região costeira e ilhas. “Inclusive, essas
são algumas das diretrizes apontadas pelo Plano de Ação Climática de Salvador e
devem ser colocadas em prática”, detalha.
O Plano de Mitigação e
Adaptação às Mudanças do Clima (PMAMC) foi lançado em dezembro de 2020 pela
Prefeitura de Salvador. O documento objetiva, entre outras metas, neutralizar
as emissões de gases de efeito estufa até 2049, ano em que Salvador completa 500
anos. Para tanto, foram propostas 57 ações de curto, médio e longo prazos
relacionados à mitigação e à adaptação climática. Algumas delas são:
- aumentar em 15% as viagens feitas por bicicleta;
- obter 100% da frota de transporte pública movida a veículos
mais limpos e eficientes;
- reciclar 80% da fração reciclável dos resíduos sólidos
domésticos e tratar 36% dos resíduos orgânicos;
- alcançar 36 m² de área verde por habitante para toda a
cidade, aumentando em 4m² o índice atual, de 32m²;
- reduzir de 45% para 30% a população que vive em áreas de
risco.
Fonte: g1
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