O que vídeos e testemunhas revelam sobre
palestinos mortos quando recebiam ajuda humanitária em Gaza
Pelo menos 112
palestinos foram mortos enquanto uma multidão se dirigia desesperadamente em
direção a caminhões que entregavam alimentos em Gaza, na madrugada de
quinta-feira (29).
Centenas de pessoas
acompanhavam a fileira de veículos que viajava na escuridão em direção ao norte
na estrada costeira nos arredores da cidade de Gaza
• Centenas esperam por ajuda
Um vídeo publicado no
Instagram às 23h30 (hora local) de quarta (28) mostra algumas das centenas de
pessoas aglomeradas em torno de fogueiras enquanto aguardavam um carregamento
de ajuda humanitária.
A ONU (Organização das
Nações Unidas) alerta para a fome iminente no norte de Gaza, onde cerca de 300
mil pessoas vivem com pouca comida ou água potável — a área recebeu muito pouca
ajuda nas últimas semanas.
O vídeo mostra pessoas
acampadas na rua al-Rashid, a via costeira a sudoeste da cidade de Gaza. É uma
área que tem sido utilizada como ponto de distribuição de ajuda.
Já verificamos
anteriormente um vídeo nesse lugar mostrando pessoas reunidas em torno de
caminhões para pegar sacos de grãos.
Mahmoud Awadeyah, um
jornalista que estava no local, disse à BBC: “Havia um grande número de pessoas
buscando algo para comer e um saco de farinha”.
• Comboio se aproxima do acampamento
Por volta das 4h da
manhã de quinta-feira (29), um comboio de caminhões que transportam ajuda vinda
do Egito passou por uma base das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em
inglês), seguindo para o norte ao longo da rua al-Rashid.
As IDF dizem que havia
30 caminhões no comboio, enquanto uma testemunha ocular disse à BBC que havia
18 — mesmo considerando o número mais baixo, o comboio teria ocupado pelo menos
algumas centenas de metros.
O porta-voz principal
das IDF, Daniel Hagari, disse que por volta das 4h45 os caminhões do comboio
foram cercados por uma multidão de pessoas enquanto os veículos se aproximavam
da rotatória de Nabulsi, no extremo sudoeste da Cidade de Gaza.
• Pessoas rodeiam caminhões
A imagem foi capturada
por um drone infravermelho e divulgada pela IDF.
O vídeo divulgado
pelas forças israelenses foi editado em quatro partes.
Ele mostra
acontecimentos em dois locais, ambos geolocalizados pela BBC Verify.
As duas primeiras
partes do vídeo mostram pessoas cercando dois ou mais caminhões a sul da
rotatória de Nabulsi.
• Acontecimentos a algumas centenas de
metros
As duas últimas partes
do vídeo mostram acontecimentos a cerca de 500m do comboio em direção ao sul.
Eles mostram pelo
menos quatro caminhões estáticos. Novamente, as pessoas podem ser vistas
movendo-se ao seu redor, mas desta vez também é possível ver o que parecem ser
pessoas imóveis deitadas no chão.
As imagens divulgadas
pela IDF destaca essas pessoas com quadrados vermelhos.
Também mostram o que
parecem ser veículos militares israelenses nas proximidades.
A BBC Verify pediu às
IDF a filmagem completa do incidente.
• Tiros
Analisamos vídeos
exclusivos da rede Al Jazeera filmados perto deste segundo local, na retaguarda
do comboio, cerca de meio quilômetro a sul da rotatória.
Podem ser ouvidas
sequências de tiros, enquanto pessoas são vistas subindo em caminhões e se
escondendo atrás dos veículos. Rajadas vermelhas podem ser vistas no céu.
Mahmoud Awadeyah diz
que veículos israelenses começaram a disparar contra as pessoas quando a ajuda
chegou.
"Os israelenses
atiraram propositalmente contra os homens... Eles estavam tentando se aproximar
dos caminhões que transportavam a farinha", relata o jornalista.
"Eles foram
alvejados diretamente, e as pessoas foram impedidas de se aproximar dos
mortos."
O depois
Verificamos outras
imagens filmadas no local do tiroteio. Elas mostram corpos sendo levados em uma
carroça na direção da rotatória de Nabulsi.
Houve relatos de
vítimas sendo levadas para vários hospitais.
O ministério da saúde
de Gaza, administrado pelo Hamas, afirma que pelo menos 760 pessoas ficaram
feridas.
Mohamed Salha, gerente
interino do hospital al-Awda, para onde muitos dos mortos e feridos foram
levados, disse à BBC: "O hospital Al-Awda recebeu cerca de 176 pessoas
feridas... 142 destes casos são ferimentos de bala e o resto são [consequência]
da debandada e membros quebrados nas partes superior e inferior do corpo."
Representantes da ONU
que visitaram outro hospital, o Al-Shiva, também constataram ferimentos de
balas.
• Resposta israelense
Às 13h06 (horário
local) de quinta-feira, um comunicado das IDF postado no Telegram afirmou: “No
início desta manhã, durante a entrada de caminhões de ajuda humanitária no
norte da Faixa de Gaza, os moradores de Gaza cercaram os caminhões e saquearam
os suprimentos que estavam sendo entregues."
“Durante o incidente,
dezenas de moradores de Gaza ficaram feridos em consequência de empurrões e
atropelamentos”.
Às 15h35, uma nova
declaração da IDF no X (antigo Twitter) repetiu a descrição do incidente.
O tenente-coronel
Peter Lerner, porta-voz das IDF, disse ao Channel 4 News do Reino Unido que uma
"multidão invadiu o comboio, parando-o em algum momento.
“Os tanques que
estavam lá para proteger o comboio veem os moradores de Gaza sendo pisoteados e
cautelosamente tentam dispersar a multidão com alguns tiros de advertência.”
Em uma declaração em
vídeo postada no X às 22h35 em Gaza e Israel, Daniel Hagari, da IDF, afirmou:
"Centenas se tornaram milhares e as coisas saíram do controle."
Ele disse que o
comandante do tanque decidiu recuar para evitar ferir os civis e que os
militares israelenses fizeram isso "com segurança, não atirando na
multidão".
Antes, numa entrevista
à CNN, o conselheiro especial do primeiro-ministro israelense, Mark Regev,
disse que Israel não tinha estado envolvido diretamente no incidente.
Ele disse que as IDF
abriram fogo em um incidente à parte não relacionado aos caminhões, mas não
forneceu mais evidências.
Regev acrescentou:
"No incidente do caminhão sendo invadido, houve tiros, eram grupos armados
palestinos. Não sabemos se foi o Hamas ou outros."
Líderes de todo o
mundo exigiram uma investigação sobre o que aconteceu.
# Colaboraram na
reportagem Alex Murray, Kumar Malhotra e Merlyn Thomas.
Ø
Países pedem investigação sobre tragédia em
Gaza
Pelo menos 115 pessoas
morreram e outras 760 ficaram feridas depois que as forças israelenses abriram
fogo enquanto civis palestinos esperavam por comida na quinta-feira, de acordo
com o Dr. Ashraf al-Qidra, porta-voz do ministério da saúde palestino em Gaza,
controlado pelo Hamas.
É uma das tragédias
mais mortíferas em Gaza desde que a guerra de Israel contra os militantes do
grupo começou, em 7 de outubro.
Há agora cada vez mais
pedidos para uma investigação independente sobre o caso. As Nações Unidas
afirmaram que é necessária uma investigação independente para estabelecer os
fatos, e países como a França e a Alemanha apoiaram esse pedido.
·
O que aconteceu
Um comboio de pelo
menos 18 caminhões chegou ao norte de Gaza na manhã de quinta-feira (29),
enviado por vários países da região. Civis palestinos se reuniram em torno dos
veículos de ajuda recém-chegados na esperança de conseguir comida, e as forças
israelenses logo começaram a atirar, disseram testemunhas. Os caminhões de
ajuda tentaram sair da área, atropelando acidentalmente outros e causando mais
mortes e feridos, disseram testemunhas à CNN.
Os militares
israelenses fizeram um relato diferente das circunstâncias. Em uma atualização
na quinta-feira, eles disseram que os tanques israelenses dispararam tiros de
advertência para dispersar a multidão em torno do comboio de ajuda, depois de
verem que as pessoas estavam sendo pisoteadas.
·
Pedidos de investigação
Na sexta-feira (1), a
Casa Branca disse que os EUA pediram a Israel que investigasse a tragédia. A
Alemanha também exigiu a Israel uma “investigação exaustiva” sobre as mortes.
A França disse que
apoiaria o pedido das Nações Unidas para uma investigação independente. O
ministro francês dos Negócios Estrangeiros classificou os acontecimentos em
Gaza como “indefensáveis”.
·
O que o caso pode significar para a guerra
As mortes acontecem em
um momento crítico para o conflito, colocando em risco as negociações entre
Israel e o Hamas sobre um acordo para um cessar-fogo temporário e a permissão
da entrada de ajuda humanitária em Gaza.
O membro sênior do
Hamas, Izzat Al-Risheq, alertou que a morte de pessoas que buscavam ajuda em
caminhões em Gaza poderia levar ao fracasso das negociações em andamento.
Autoridades dos EUA
disseram na sexta-feira que não há indicações de que as discussões tenham sido
significativamente prejudicadas – mas muito depende de uma resposta esperada do
Hamas ao que foi discutido em Paris e Doha na semana passada entre os outros
países envolvidos: Catar, Egito, Israel e os Estados Unidos.
·
Situação humanitária grave
Mais de meio milhão de
pessoas em Gaza estão à beira da fome, alertaram as agências das Nações Unidas
no início desta semana, à medida que a guerra se aproxima da marca dos cinco
meses.
A ajuda tem sido tão
escassa que, quando disponível, muitas vezes provoca pânico. A ONU informou na
sexta-feira que pelo menos 10 crianças palestinas morreram de fome em Gaza e
esse número deverá aumentar.
·
Dimuição do fluxo de ajuda
A passagem de Rafah,
onde a maior parte da ajuda foi entregue para Gaza, funciona agora a um ritmo
reduzido, e a passagem alternativa de Kerem Shalom em Israel está bloqueada por
manifestantes que pedem a libertação dos reféns detidos pelo Hamas .
Os militares
jordanianos fizeram três lançamentos aéreos de ajuda em partes da cidade de
Gaza na sexta-feira e o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que os EUA
também farão seus próprios lançamentos aéreos de suprimentos nos próximos dias.
Fonte: Por Paul Brown,
para BBC Verify/CNN Brasil
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