MPF emite recomendação para proteção de
comunidade tradicional em Licínio de Almeida (BA)
O Ministério Público
Federal (MPF) emitiu uma recomendação preventiva em defesa dos direitos humanos
e fundamentais da Comunidade Tradicional de Taquaril dos Fialhos, localizada no
município de Licínio de Almeida, na Bahia. A medida busca evitar atividades
minerárias que possam afetar diretamente a comunidade sem a realização de
consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
O documento destaca a
importância do território para a reprodução cultural, social e econômica da
comunidade, que possui uma história de vida sustentável e coletiva há, pelo
menos, cinco gerações. O MPF propõe que o Instituto do Meio Ambiente e Recursos
Hídricos (Inema) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) se abstenham de
autorizar novas atividades minerárias na área, respeitando o direito à consulta
da comunidade tradicional.
O problema está
relacionado aos impactos das atividades minerárias no território
pertencente à comunidade Taquaril dos Fialhos. Essas atividades incluem
pesquisa mineral de ferro e manganês já autorizada à empresa Vale do Paramirim
S.A., pela ANM, por meio do Processo Minerário nº 872.079/2015, sem a
realização de consulta prévia à comunidade.
·
Já há impactos
Apesar de ser
considerada de baixo impacto por preceder a extração efetiva, a fase inicial da
pesquisa minerária já causou impactos na comunidade tradicional. Entre os
impactos reportados estão a realização de um número de furos de sondagem
superior ao autorizado pelo projeto, a disposição inadequada de rejeitos
sólidos, a remoção de vegetação sem a licença necessária, além do incômodo
causado pelo ruído das máquinas. Estes eventos não apenas causaram estresse aos
moradores, mas também afetaram negativamente a produção de ovos e leite pelos
animais da região, conforme os relatos colhidos.
Além disso, a
comunidade teme que haja aumento dos impactos durante a fase de lavra dos
minérios, com possíveis consequências como assoreamento de cursos d’água e
insegurança hídrica, ameaçando seu modo de vida e o meio ambiente.
·
Cinco gerações
Embora a comunidade de
Taquaril dos Fialhos não seja classificada como quilombola ou indígena, ela se
enquadra no conceito de tradicionalidade, como confirmado pelo Parecer Técnico
nº 72/2023, elaborado pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA) do
MPF. Esse parecer constatou que a comunidade de Taquaril dos Fialhos é formada
por uma grande família extensa, dividida em 33 famílias nucleares. Além disso,
foi observado que o nome Taquaril dos Fialhos é uma combinação do sobrenome do
primeiro membro da família que fundou a comunidade (Pedro Fialho) e da presença
frequente do capim ‘taquaril’ na região.
O parecer técnico
descreve os moradores de Taquaril dos Fialhos como uma comunidade que pratica
um modelo de produção sustentável em seus sítios familiares, os quais foram
passados de geração em geração por pelo menos cinco gerações. Esse modo de vida
gerou um profundo sentimento de pertencimento ao território, reforçando o
direito de viver e produzir em suas terras, mantendo suas tradições.
Destaca-se que todas
as atividades produtivas são realizadas exclusivamente com mão de obra
familiar, visando à preservação da biodiversidade do território. O local não é
apenas um espaço de trabalho e produção, mas também de moradia, transmissão de
conhecimentos e preservação dos usos e costumes das gerações anteriores. Essa
integração entre trabalho, moradia, transmissão de conhecimentos e preservação
cultural é considerada essencial para a continuidade e persistência da
comunidade, fortalecendo os laços entre seus membros.
A recomendação é
assinada pelo procurador da República procurador Marcos André Carneiro Silva,
que acompanha o caso por meio do Inquérito Civil nº 1.14.009.000059/2020-29,
instaurado para apurar possíveis impactos ocasionados pela exploração mineral
na comunidade de Taquaril dos Fialhos.
Ø
Combate ao racismo religioso: Em Sergipe,
povos de terreiro cobram capacitação dos agentes públicos em reunião com o MPF
A capacitação dos
agentes públicos sobre as religiões de matriz africana foi uma das principais
demandas apresentadas ao Ministério Público Federal (MPF) em Sergipe pelos
povos de terreiro e de religiões de matriz africana no evento realizado nesta
terça-feira, 20 de março. Cumprimento da lei federal que obriga as escolas
públicas e privadas a ensinarem sobre história e cultura afro-brasileira no
ensino fundamental e médio também foi cobrado no evento.
A reunião, convocada
pelo MPF, contou com 86 participantes de diversas comunidades religiosas de
Sergipe, que lotaram o auditório na sede da instituição. Pela primeira vez, no
Estado, essas comunidades foram convidadas pelo MPF a apresentar suas demandas,
que serão a base das diretrizes para aturação da Procuradoria Regional dos
Direitos do Cidadão (PRDC) em 2024.
Mãe Marizete Silva
Lessa (roupa amarela), a mais antiga ialorixá do Candomblé em Sergipe, do
Abassá São Jorge de Mãe Nanã, fala ao microfone ao lado da da procuradora da
República Martha Figueiredo (roupa azul).Mãe Marizete Silva Lessa, a mais
antiga ialorixá do Candomblé em Sergipe, do Abassá São Jorge de Mãe Nanã,
compareceu ao evento e, apesar da idade avançada, aos 94 anos, acompanhou toda
a reunião, colaborou na condução dos debates, cantou, e deu a benção aos
presentes. “Esse contato com o MPF é importante para nos dar força junto ao
poder público. Temos os nossos direitos e eles precisam ser respeitados”,
enfatizou.
·
Demandas
O respeito aos
praticantes de religiões de matriz africana por parte dos agentes do poder
público foi repetidamente cobrado na reunião. Entre as propostas, está a
capacitação e sensibilização dos agentes, especialmente os da segurança
pública, sobre as práticas religiosas, indumentárias e a cultura das
comunidades, para evitar abordagens que firam o direito de liberdade de culto
dessas pessoas.
A proteção dos locais
sagrados também foi listada pelo MPF entre as demandas apresentadas. Essa
salvaguarda envolve tanto os terreiros quanto as reservas de mata e fontes de
água indispensáveis para os cultos religiosos de matriz africana. “O avanço das
construções acaba com os poucos resquícios de mata atlântica em Aracaju e
também no interior. Os rios também sofrem com poluição e construções
irregulares. E sem folha e sem água não há axé”, enfatizou o babalorixá
Fernando Kasideran, do Ilê Axé Dematá Ni Sahara.
A preservação dos
locais sagrados passa também pelo mapeamento dos terreiros em Sergipe. Ilzver
Avelar, professor de direito e defensor de Direitos Humanos destacou que, em
outros estados, esse mapeamento já foi realizado e que, em Sergipe, essa
informação é crítica para a garantia do direito fundamental de liberdade de
culto, dos modos de vida e da história dessas comunidades.
·
Educação
A lei federal que
determina o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas
de todo o Brasil completou 20 anos em 2023, e também apareceu entre as demandas
trazidas à reunião. Severo D´Acelino, ator, diretor de teatro e um dos pioneiros
do movimento negro em Sergipe, destacou os momentos históricos em que houve
avanços na aplicação da lei, mas sempre em programas de governo, sem se tornar
uma política pública permanente. “É uma realidade distante em Sergipe”,
enfatizou.
A procuradora regional
dos Direitos do Cidadão, Martha Figueiredo, afirmou que o encontro foi um
pontapé inicial para o MPF em Sergipe construir parcerias, inclusive com outras
instituições do poder público, para garantia desses direitos. “As demandas aparecem
em vários setores. Esse evento marca o início das articulações para
conseguirmos efetivamente concretizar o direito dos cidadãos praticantes de
religiões de matriz africana, à liberdade de culto, ao respeito às suas
tradições, seus espaços de culto e suas liturgias sagradas”, avaliou.
·
Ação Nacional
A atividade faz parte
de uma ação coordenada nacionalmente pela Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão (PFDC) para a redução do racismo religioso, pela laicidade estatal,
pelo respeito à diversidade e para promoção de direitos fundamentais referentes
à liberdade religiosa.
O Procedimento
Administrativo de Acompanhamento de Políticas Públicas nº
1.35.000.000697/2020-08 pode ser acompanhado no MPF Serviços.
Ø
Makotas de terreiros de Minas Gerais
denunciam racismo religioso
Desde o ano passado, o
21 de março é o Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e
Nações do Candomblé. Mesmo com o reconhecimento da data, Makotas (conselheiras
das mães de santo e responsáveis por cuidar dos terreiros) de Minas Gerais relatam
que o cotidiano dos povos ainda é marcado pela discriminação e violências.
Dados do IBGE indicam
que no Brasil existem aproximadamente 407 mil praticantes da umbanda, 167 mil
do candomblé e 14 mil de outras religiões de matrizes africanas. Segundo um
levantamento da startup JusRacial, em 2023, havia 176 mil processos por racismo
em tramitação nos tribunais do país e um terço deles (33%) envolviam
intolerância religiosa.
Em Minas Gerais, um
levantamento da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do estado (Sejusp/MG)
indicou que, entre janeiro e novembro de 2021, o estado registrou 83 crimes
motivados por preconceito religioso.
Para Makota Celinha,
iniciada há 33 anos no candomblé e coordenadora-geral do Centro Nacional de
Africanidade e Resistência Afro Brasileira (Cenarab) em Minas Gerais, é preciso
maior empenho do Estado e da sociedade no combate ao racismo, que se expressa
de diferentes formas.
“O racismo religioso
se expressa também nos olhares, no sair da calçada onde você está, ou te olhar
atravessado como se você fosse algo de outro mundo. E, todas as formas como ele
se expressa c e os nossos direitos como cidadãos”, complementa Celinha.
Uma pesquisa da Rede
Nacional de Religiões Afro-Brasileiras, divulgada no fim de 2022, ouviu
representantes de 255 terreiros e observou que quase metade deles registraram
até cinco casos de violência nos dois anos anteriores.
Makota Kidoialê, do
Quilombo Manzo, localizado em Belo Horizonte, explica que, para as comunidades,
além de templos sagrados, os terreiros são espaços de preservação da cultura,
alimentação, língua, danças e tradições dos povos negros, trazidos da África
para o Brasil.
“É a preservação de
tudo o que nós trouxemos para além do nosso corpo e da cor da nossa pele”,
explica Kidoialê. “Quem ataca o terreiro está atacando a sua própria história.”
Para a Makota
Kinanjenu, da casa Nzo Jindanji Kuna Nkos’i, o racismo também se expressa na
falta de políticas públicas voltadas para os povos de terreiros. Ela destaca
que, ao invés de dar suporte, muitas vezes, o Estado invisibiliza as demandas.
“Durante todo esse
tempo de resistência e existência, estamos fazendo o nosso próprio Estado,
porque o Estado formal limita a nossa participação. Ele fala ‘até aqui você
vai, daqui para frente você não vai mais’”, relata Kinanjenu.
Fonte: Ascom
MPF-BA/Ascom MPF-SE
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