sábado, 23 de março de 2024

MPF emite recomendação para proteção de comunidade tradicional em Licínio de Almeida (BA)

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação preventiva em defesa dos direitos humanos e fundamentais da Comunidade Tradicional de Taquaril dos Fialhos, localizada no município de Licínio de Almeida, na Bahia. A medida busca evitar atividades minerárias que possam afetar diretamente a comunidade sem a realização de consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O documento destaca a importância do território para a reprodução cultural, social e econômica da comunidade, que possui uma história de vida sustentável e coletiva há, pelo menos, cinco gerações. O MPF propõe que o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) se abstenham de autorizar novas atividades minerárias na área, respeitando o direito à consulta da comunidade tradicional.

O problema está relacionado aos impactos das atividades minerárias no território pertencente à comunidade Taquaril dos Fialhos. Essas atividades incluem pesquisa mineral de ferro e manganês já autorizada à empresa Vale do Paramirim S.A., pela ANM, por meio do Processo Minerário nº 872.079/2015, sem a realização de consulta prévia à comunidade.

·        Já há impactos

Apesar de ser considerada de baixo impacto por preceder a extração efetiva, a fase inicial da pesquisa minerária já causou impactos na comunidade tradicional. Entre os impactos reportados estão a realização de um número de furos de sondagem superior ao autorizado pelo projeto, a disposição inadequada de rejeitos sólidos, a remoção de vegetação sem a licença necessária, além do incômodo causado pelo ruído das máquinas. Estes eventos não apenas causaram estresse aos moradores, mas também afetaram negativamente a produção de ovos e leite pelos animais da região, conforme os relatos colhidos.

Além disso, a comunidade teme que haja aumento dos impactos durante a fase de lavra dos minérios, com possíveis consequências como assoreamento de cursos d’água e insegurança hídrica, ameaçando seu modo de vida e o meio ambiente.

·        Cinco gerações

Embora a comunidade de Taquaril dos Fialhos não seja classificada como quilombola ou indígena, ela se enquadra no conceito de tradicionalidade, como confirmado pelo Parecer Técnico nº 72/2023, elaborado pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA) do MPF. Esse parecer constatou que a comunidade de Taquaril dos Fialhos é formada por uma grande família extensa, dividida em 33 famílias nucleares. Além disso, foi observado que o nome Taquaril dos Fialhos é uma combinação do sobrenome do primeiro membro da família que fundou a comunidade (Pedro Fialho) e da presença frequente do capim ‘taquaril’ na região.

O parecer técnico descreve os moradores de Taquaril dos Fialhos como uma comunidade que pratica um modelo de produção sustentável em seus sítios familiares, os quais foram passados de geração em geração por pelo menos cinco gerações. Esse modo de vida gerou um profundo sentimento de pertencimento ao território, reforçando o direito de viver e produzir em suas terras, mantendo suas tradições.

Destaca-se que todas as atividades produtivas são realizadas exclusivamente com mão de obra familiar, visando à preservação da biodiversidade do território. O local não é apenas um espaço de trabalho e produção, mas também de moradia, transmissão de conhecimentos e preservação dos usos e costumes das gerações anteriores. Essa integração entre trabalho, moradia, transmissão de conhecimentos e preservação cultural é considerada essencial para a continuidade e persistência da comunidade, fortalecendo os laços entre seus membros.

A recomendação é assinada pelo procurador da República procurador Marcos André Carneiro Silva, que acompanha o caso por meio do Inquérito Civil nº 1.14.009.000059/2020-29, instaurado para apurar possíveis impactos ocasionados pela exploração mineral na comunidade de Taquaril dos Fialhos.

 

Ø  Combate ao racismo religioso: Em Sergipe, povos de terreiro cobram capacitação dos agentes públicos em reunião com o MPF

 

A capacitação dos agentes públicos sobre as religiões de matriz africana foi uma das principais demandas apresentadas ao Ministério Público Federal (MPF) em Sergipe pelos povos de terreiro e de religiões de matriz africana no evento realizado nesta terça-feira, 20 de março. Cumprimento da lei federal que obriga as escolas públicas e privadas a ensinarem sobre história e cultura afro-brasileira no ensino fundamental e médio também foi cobrado no evento.

A reunião, convocada pelo MPF, contou com 86 participantes de diversas comunidades religiosas de Sergipe, que lotaram o auditório na sede da instituição. Pela primeira vez, no Estado, essas comunidades foram convidadas pelo MPF a apresentar suas demandas, que serão a base das diretrizes para aturação da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) em 2024.

Mãe Marizete Silva Lessa (roupa amarela), a mais antiga ialorixá do Candomblé em Sergipe, do Abassá São Jorge de Mãe Nanã, fala ao microfone ao lado da da procuradora da República Martha Figueiredo (roupa azul).Mãe Marizete Silva Lessa, a mais antiga ialorixá do Candomblé em Sergipe, do Abassá São Jorge de Mãe Nanã, compareceu ao evento e, apesar da idade avançada, aos 94 anos, acompanhou toda a reunião, colaborou na condução dos debates, cantou, e deu a benção aos presentes. “Esse contato com o MPF é importante para nos dar força junto ao poder público. Temos os nossos direitos e eles precisam ser respeitados”, enfatizou.

·        Demandas 

O respeito aos praticantes de religiões de matriz africana por parte dos agentes do poder público foi repetidamente cobrado na reunião. Entre as propostas, está a capacitação e sensibilização dos agentes, especialmente os da segurança pública, sobre as práticas religiosas, indumentárias e a cultura das comunidades, para evitar abordagens que firam o direito de liberdade de culto dessas pessoas.

A proteção dos locais sagrados também foi listada pelo MPF entre as demandas apresentadas. Essa salvaguarda envolve tanto os terreiros quanto as reservas de mata e fontes de água indispensáveis para os cultos religiosos de matriz africana. “O avanço das construções acaba com os poucos resquícios de mata atlântica em Aracaju e também no interior. Os rios também sofrem com poluição e construções irregulares. E sem folha e sem água não há axé”, enfatizou o babalorixá Fernando Kasideran, do Ilê Axé Dematá Ni Sahara.

A preservação dos locais sagrados passa também pelo mapeamento dos terreiros em Sergipe. Ilzver Avelar, professor de direito e defensor de Direitos Humanos destacou que, em outros estados, esse mapeamento já foi realizado e que, em Sergipe, essa informação é crítica para a garantia do direito fundamental de liberdade de culto, dos modos de vida e da história dessas comunidades.

·        Educação 

A lei federal que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de todo o Brasil completou 20 anos em 2023, e também apareceu entre as demandas trazidas à reunião. Severo D´Acelino, ator, diretor de teatro e um dos pioneiros do movimento negro em Sergipe, destacou os momentos históricos em que houve avanços na aplicação da lei, mas sempre em programas de governo, sem se tornar uma política pública permanente. “É uma realidade distante em Sergipe”, enfatizou.

A procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Martha Figueiredo, afirmou que o encontro foi um pontapé inicial para o MPF em Sergipe construir parcerias, inclusive com outras instituições do poder público, para garantia desses direitos. “As demandas aparecem em vários setores. Esse evento marca o início das articulações para conseguirmos efetivamente concretizar o direito dos cidadãos praticantes de religiões de matriz africana, à liberdade de culto, ao respeito às suas tradições, seus espaços de culto e suas liturgias sagradas”, avaliou.

·        Ação Nacional 

A atividade faz parte de uma ação coordenada nacionalmente pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) para a redução do racismo religioso, pela laicidade estatal, pelo respeito à diversidade e para promoção de direitos fundamentais referentes à liberdade religiosa.

O Procedimento Administrativo de Acompanhamento de Políticas Públicas nº 1.35.000.000697/2020-08 pode ser acompanhado no MPF Serviços.

 

Ø  Makotas de terreiros de Minas Gerais denunciam racismo religioso

 

Desde o ano passado, o 21 de março é o Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. Mesmo com o reconhecimento da data, Makotas (conselheiras das mães de santo e responsáveis por cuidar dos terreiros) de Minas Gerais relatam que o cotidiano dos povos ainda é marcado pela discriminação e violências.

Dados do IBGE indicam que no Brasil existem aproximadamente 407 mil praticantes da umbanda, 167 mil do candomblé e 14 mil de outras religiões de matrizes africanas. Segundo um levantamento da startup JusRacial, em 2023, havia 176 mil processos por racismo em tramitação nos tribunais do país e um terço deles (33%) envolviam intolerância religiosa.

Em Minas Gerais, um levantamento da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do estado (Sejusp/MG) indicou que, entre janeiro e novembro de 2021, o estado registrou 83 crimes motivados por preconceito religioso.

Para Makota Celinha, iniciada há 33 anos no candomblé e coordenadora-geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileira (Cenarab) em Minas Gerais, é preciso maior empenho do Estado e da sociedade no combate ao racismo, que se expressa de diferentes formas.

“O racismo religioso se expressa também nos olhares, no sair da calçada onde você está, ou te olhar atravessado como se você fosse algo de outro mundo. E, todas as formas como ele se expressa c e os nossos direitos como cidadãos”, complementa Celinha.

Uma pesquisa da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras, divulgada no fim de 2022, ouviu representantes de 255 terreiros e observou que quase metade deles registraram até cinco casos de violência nos dois anos anteriores.

Makota Kidoialê, do Quilombo Manzo, localizado em Belo Horizonte, explica que, para as comunidades, além de templos sagrados, os terreiros são espaços de preservação da cultura, alimentação, língua, danças e tradições dos povos negros, trazidos da África para o Brasil.

“É a preservação de tudo o que nós trouxemos para além do nosso corpo e da cor da nossa pele”, explica Kidoialê. “Quem ataca o terreiro está atacando a sua própria história.”

Para a Makota Kinanjenu, da casa Nzo Jindanji Kuna Nkos’i, o racismo também se expressa na falta de políticas públicas voltadas para os povos de terreiros. Ela destaca que, ao invés de dar suporte, muitas vezes, o Estado invisibiliza as demandas.

“Durante todo esse tempo de resistência e existência, estamos fazendo o nosso próprio Estado, porque o Estado formal limita a nossa participação. Ele fala ‘até aqui você vai, daqui para frente você não vai mais’”, relata Kinanjenu.

 

Fonte: Ascom MPF-BA/Ascom MPF-SE

 

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