Análise detalhada da NASA revela o futuro
climático da Terra e da Amazônia — e ele não é nada bom
Diante do contínuo
aumento das emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pela
intensificação das mudanças climáticas, pesquisadores da NASA levantaram este
ano duas questões-chave: em que momento a temperatura do planeta atingirá a
média anual de 2 °C acima dos níveis pré-industriais? E como ficará o clima
global em cada ponto do mundo ao atingir tal temperatura?
As respostas são
perturbadoras. Suas descobertas indicam que um aumento de 2 °C poderia ser
alcançado entre 2041 e 2044 (de acordo com cenários de maior e menor emissão,
respectivamente) em comparação com o período pré-industrial (1850-1900). O
planeta está atualmente a 1,15 °C acima dos níveis vistos no século 19, sendo
que a maior parte desse aquecimento ocorreu depois de 1975.
Um aumento acima de 2
°C poderia colocar a Terra na direção de uma catástrofe climática, de acordo
com o relatório de 2023 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC, na sigla em inglês) da ONU.
• A Terra em 2040: um retrato em grande
escala
Para investigar os
potenciais efeitos de um planeta 2 °C mais quente, cientistas do programa da
NASA Earth eXchange (NEX) analisaram as projeções de 35 dos principais modelos
climáticos do mundo com uma resolução muito alta, obtendo resultados para áreas
de apenas 25 quilômetros quadrados. Muitos modelos climáticos atualmente usam
uma resolução mais grosseira, de 200 km2. O dimensionamento fino do NEX
permitiu estimar projeções de impacto climático em escala local e regional,
numa frequência até mesmo diária.
“Se estimados em uma
média mensal, alguns dias previstos para serem perigosamente quentes e úmidos
podem se perder nos números, ocultando o risco para vidas humanas”, explicou o
principal autor do estudo, Taejin Park, pesquisador do Centro de Pesquisa Ames
da NASA. “Informações em menor escala podem ajudar a identificar variações nas
projeções das mudanças climáticas que poderiam ser negligenciadas, levando a
impactos significativos no planejamento e na tomada de decisões.”
Seis variáveis
climáticas — temperatura do ar, precipitação, umidade relativa, radiação solar
de ondas curtas e longas e velocidade do vento — foram analisadas para a década
de 2040, comparadas com o período usado como referência (1950-1979) e
combinadas para avaliar os riscos de dois indicadores climáticos-chave:
estresse térmico (efeitos combinados de temperatura e umidade no corpo humano
que podem levar à incapacidade permanente ou morte) e clima de incêndio
(probabilidade de condições favoráveis ao aumento de incêndios, uma séria
ameaça acentuada pelas mudanças climáticas).
O estudo revela que a
maioria das regiões do mundo experimentará maior estresse térmico, sendo que os
países mais próximos do Equador experimentarão um maior número de dias
considerados extremos. “Isso não significa necessariamente que as regiões de
alta e média latitude não estejam vulneráveis ao estresse térmico”, explica
Park à Mongabay. “Devido à sua sensibilidade variável e capacidade adaptativa
ao calor, níveis mais baixos de estresse térmico podem resultar em impactos
significativos nesses países. Isso também se aplica a outros indicadores de
impacto climático, como incêndios e inundações.”
Segundo o artigo, há
um impacto climático que pode ser particularmente preocupante em países de alta
e média latitude do Hemisfério Norte, “onde a maioria dos parques eólicos está
atualmente em operação ou em construção”: a perda de intensidade do vento poderia
comprometer essa fonte de energia renovável no futuro.
“Já testemunhamos as
consequências das temperaturas globais recordes nesse verão. Ondas de calor,
incêndios florestais e inundações ocorreram globalmente, embora tenham variado
em tempo e tipo de evento”, lembra o cientista da NASA. “No entanto, as mudanças
previstas para o clima e seus impactos se revelarão gradualmente, dia a dia,
mês a mês e ano a ano, e não como uma mudança repentina. O que significa que
cada aumento de 10 ou 100 graus é importante para nós e para o planeta.”
Em um cenário de
emissões moderadas, o oeste e o centro da América do Norte, a Amazônia, o
Mediterrâneo e o sul da África correrão mais risco de incêndios na década de
2040, em comparação com 1950-79. Imagem: NASA/Taejin Park.
O estudo da NASA
também deu destaque à Amazônia, com projeções que indicam não apenas
temperaturas mais altas, mas também menos chuva, secas mais severas, mais
ventos e um maior risco de incêndio. A Amazônia poderia ser a área do planeta
com a maior redução da umidade relativa, especialmente no chamado Arco do
Desmatamento — região em forma de lua crescente com extensa perda de floresta
causada pelo homem, a qual se estende da costa atlântica do Brasil até sua
fronteira oeste com a Bolívia.
Em decorrência de tal
cenário, a região “poderia experimentar uma das mudanças climáticas mais
significativas do planeta”, acrescenta Park. Esses extremos podem até
desencadear a extrapolação do ponto de inflexão, com a transição rápida da
Floresta Amazônica para uma savana degradada — adicionando enormes quantidades
de carbono armazenado à atmosfera, o que pioraria drasticamente as mudanças
climáticas.
• Parte da Amazônia já experimentou um
aquecimento de 3 °C
Já se sabe que os
efeitos extremos projetados pelo estudo da NASA começam a se revelar na
Amazônia brasileira. Mas o que não se sabia até este ano é que certas áreas,
como a porção noroeste do bioma (nos estados de Amazonas e Roraima) e no
interior do Pará, bem como outras partes do Brasil, como o semiárido da Bahia e
o Pantanal de Mato Grosso do Sul, já tiveram aumentos extremos de temperatura
de mais de 3 °C em relação à década de 1960. Essa descoberta foi feita por meio
de análise recente do Inpe para o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças
Climáticas, uma revisão conduzida pelo Ministério do Meio Ambiente.
“As regiões mais ao
norte do Brasil revelam mais intensamente o sinal das mudanças climáticas.
Períodos de grande seca em ambientes úmidos contribuem para o aumento das
temperaturas, como no noroeste da Amazônia, que tem baixa taxa de
desmatamento”, comenta Lincoln Alves, coordenador do estudo no Inpe, à
Mongabay.
A mudança climática
global por si só, diz ele, não explica o aquecimento extremo visto na Amazônia.
“Fatores como desmatamento, degradação e urbanização amplificam o aumento das
temperaturas em escala local. O aquecimento regional, por sua vez, aumenta potencialmente
os efeitos das mudanças climáticas”, acrescenta. “O fato de as temperaturas
máximas terem ultrapassado os limites [seguros] estabelecidos pelo IPCC [Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] é muito grave devido aos impactos
nos recursos hídricos, na saúde humana e na agricultura, entre outros.”
Segundo Alves, não é
possível quantificar as temperaturas regionais da Amazônia entre 1880 e 1960,
uma vez que a maioria das medições no Brasil só começou na década de 1960. No
entanto, o climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para
a Amazônia e pesquisador associado do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, estima que não houve aumento significativo de
temperatura na floresta no período, pois as secas extremas só começaram depois
de 1970, quando o desmatamento se intensificou.
“Todos os biomas
brasileiros estão muito mais quentes”, diz Nobre à Mongabay. “Quando a
cobertura vegetal é removida para plantar soja, o solo perde água, com isso a
temperatura sobe e o ambiente fica mais seco, onde antes era muito úmido, como
no caso da Amazônia. E quanto mais seca a vegetação, mais inflamável ela se
torna, especialmente nos trópicos.” Mais seca significa mais incêndios, o que
significa menos floresta — o que aumenta a seca, formando um ciclo vicioso.
Em 1990-91, Nobre e
colegas pesquisadores publicaram os primeiros artigos científicos alertando
para o ponto de inflexão do clima amazônico, a partir do qual o bioma de
floresta tropical poderia se tornar um bioma com clima de savana. Mais de 30
anos depois, estima-se que a floresta tropical tenha 18% de sua área desmatada
e 17% degradada.
“Devido ao Arco do
Desmatamento, a estação seca no sul da Amazônia dura de 4 a 5 meses agora,
enquanto no final da década de 1970 costumava durar de 3 a 4 meses, no máximo.
E está de 20% a 30% mais quente. O aquecimento global leva a secas mais longas,
e regiões como o noroeste da Amazônia também são afetadas”, explica Carlos
Nobre.
“Se a temperatura [do
planeta] atingir 1,5 °C [acima dos níveis pré-industriais], além de degradação,
incêndios e desmatamento, o sul, o centro e o leste da Amazônia atingirão o
ponto de inflexão”, enfatiza. “A região terá secas ainda mais intensas e perderemos
entre 50% e 70% da floresta, liberando 250 bilhões de toneladas de CO2 na
atmosfera. O máximo que podemos emitir [em todo o planeta] para que a
temperatura permaneça em 1,5 °C é 400 bilhões de toneladas de CO2. Isso inclui
tudo, a queima de combustíveis fósseis, o agronegócio, etc. A Amazônia sozinha
representa [quase] três quartos desse limite.”
Park adverte que há
atualmente uma preocupação com um ponto de inflexão [repentino]. “Isso pode
criar a falsa impressão de que a Amazônia está segura abaixo de um certo limiar
de desmatamento e condenada acima dele, semelhante ao conceito de um limite de
aquecimento [global] de 2 °C ou 1,5 °C. [Porém,] as mudanças climáticas
projetadas e seus impactos se manifestarão gradualmente, revelando-se ao longo
de dias, meses e anos, em vez de ocorrerem repentinamente.”
• Perda de biodiversidade e serviços
ecossistêmicos
Segundo Eric Bastos
Gorgens, professor de Engenharia Florestal da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri, as florestas precisam ser entendidas como
comunidades que encontram equilíbrio e estabilidade em meio à grande
biodiversidade — estado em que as espécies podem coexistir e evoluir. Mas as
mudanças climáticas extremas perturbam essa estabilidade: “Espécies que são
menos tolerantes à seca, tempestades, ventos intensos e temperaturas mais altas
terão suas populações reduzidas, representando sérios riscos à diversidade”,
aponta ele.
“Em geral, as árvores
têm sistemas de defesa para situações extremas. Esses mecanismos de proteção,
no entanto, têm um custo e, quando a frequência desses eventos aumenta, o custo
é muito alto e as árvores acabam morrendo. Em um cenário de mudanças climáticas,
podemos esperar um aumento na área de fisionomias [tipos de vegetação] mais
adaptadas a condições com recursos limitados, como [a encontrada hoje no] bioma
Cerrado”, explica Gorgens.
O aumento da
temperatura máxima também pode modificar os ciclos ecológico e biológico,
inclusive para espécies arbóreas, acrescenta Vitor Gomes, cientista ambiental
da Universidade Federal do Pará. “As mudanças climáticas [já] vêm causando
impactos significativos na diversidade e composição das espécies comestíveis da
flora amazônica brasileira. Juntamente com o desmatamento, essas mudanças
afetam os serviços ecossistêmicos, como a regulação climática e as espécies de
utilidade”, ou seja, aquelas que são usadas para fins medicinais, alimentares
ou outros.
Gomes e cientistas do
Centro Nacional de Biodiversidade (Naturalis) e da Universidade de Oxford,
entre outras instituições, acabam de concluir dois estudos a serem publicados
em 2024. Eles descobriram que a perda de serviços ecossistêmicos relacionados a
espécies arbóreas na Pan-Amazônia significou, até 2018, uma perda de 1,5
trilhão de dólares por ano. “Isso mostra que mesmo uma variação de cerca de 1
°C na temperatura média global [que já vimos acontecer] tem grandes impactos
nos ecossistemas naturais, em particular nas florestas tropicais”, comenta
Gomes.
• Seca nas artérias amazônicas
Além de intensificar
os efeitos climáticos, a Amazônia está atualmente sob a influência do El Niño,
ciclo natural que ocorre a cada poucos anos e que aquece as águas equatoriais
do Oceano Pacífico central e oriental e do Atlântico Tropical Norte. O aquecimento
de ambos os oceanos inibe a formação de chuvas no Norte e Nordeste do Brasil,
ao mesmo tempo em que torna a Amazônia mais suscetível ao fogo.
Desde setembro, uma
seca severa fez com que os níveis dos cursos d’água na porção oeste da Amazônia
caíssem muito mais do que nas estações secas anteriores. Em outubro, alguns
córregos atingiram ou se aproximaram de suas marcas mais baixas em 120 anos. Entre
eles estão as hidrovias navegáveis, como o Rio Amazonas, o Rio Negro e os rios
Tapajós, Solimões e Madeira, embora os dois últimos tenham começado
recentemente a recuperar volume.
À medida que a seca
piorava, os peixes morriam aos milhares. Nos lagos Tefé e Coari, ao longo do
médio Rio Solimões, no Amazonas, 228 botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e
tucuxis (Sotalia fluviatilis) foram encontrados mortos desde setembro.
Pesquisadores estão investigando, mas acredita-se que os mamíferos no Lago Tefé
podem ter sofrido estresse térmico: quando o volume de água caiu, o lago
superaqueceu a 39°C. No Lago Coari, a temperatura da água não aumentou tanto
(chegou a 34 °C), mas uma maior concentração de algas Euglena sanguinea foi
detectada — uma espécie potencialmente tóxica para os peixes, embora não haja
estudos que a considerem prejudicial aos mamíferos.
Além de os peixes
serem uma fonte vital de proteína para os povos indígenas e tradicionais, os
rios da Amazônia são vitais para o transporte de pessoas e suprimentos. Com a
seca do Rio Solimões, os habitantes das Terras Indígenas Porto Praia de Baixo e
Boará/Boarazinho, na região de Tefé, ficaram isolados e sem peixes.
Em Boará/Boarazinho, o
córrego se transformou em um fio de líquido lamacento. Sem acesso a água limpa
desde agosto, os moradores da aldeia Nova Esperança do Arauir foram obrigados a
beber do córrego fétido. Surtos de diarreia, vômitos e dor de estômago tornaram-se
comuns. A seca extrema no Amazonas fez com que o governo estadual declarasse
estado de emergência em todos os seus 62 municípios.
Dário Kopenawa
Yanomami, vice-presidente da Associação Yanomami Hutukara, deu sua perspectiva
sobre o que está acontecendo com a Amazônia e o planeta. “A Terra é nossa mãe e
sofre há muito tempo. Como um ser humano que sente dor, ela sente quando
invasores, o agronegócio, mineradoras e petroleiras derrubam milhares de
árvores e cavam fundo no solo, no mar. Ela está pedindo ajuda e dando avisos
para que os não indígenas parem de arrancar a pele da Terra.”
Apesar de todas as
advertências de cientistas e povos indígenas sobre o estado de guerra do nosso
planeta, as grandes empresas de combustíveis fósseis do mundo, apoiadas por
governos nacionais complacentes, planejam expandir sua produção, de acordo com
recente relatório da ONU. Entre esses países estão os Emirados Árabes Unidos,
que acabaram de sediar a COP28 em Dubai — especula-se que o gigante petroleiro
planejava usar o evento para fazer negócios. Em relação ao Azerbaijão, outra
nação petroleira, pronta para sediar a COP29 no próximo ano, muitos analistas
estão pessimistas sobre a possibilidade de uma ação climática significativa.
Fonte: Mongabay
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