segunda-feira, 25 de março de 2024

2024: África entre crises e crescimento económico

O fim do ano já promete. No Egito, os resultados das eleições estão previstos para esta segunda-feira, 18 de dezembro. Os observadores preveem que o Presidente Abdel Fattah al-Sisi seja reeleito, numa altura em que o país o atravessa uma grave crise económica.

A República Democrática do Congo (RDC) também vai a votos daqui a dois dias, a 20 de dezembro, enquanto algumas zonas da província oriental de Kivu do Norte continuam sob o controlo de milícias.

No Senegal, já houve protestos em massa antes das eleições de fevereiro de 2024. O Presidente Macky Sall cedeu à pressão, retirou a sua candidatura a um terceiro mandato e invejou o primeiro-ministro Amadou Ba para a corrida eleitoral.

·        ANC luta pela manutenção no poder

Uma das eleições mais importantes no continente no próximo ano terá lugar na África do Sul, em maio. A questão que se coloca é que o Congresso Nacional Africano (ANC) conseguirá obter a maioria. Pode ser difícil. O partido do Presidente Cyril Ramaphosa está ameaçado por uma perda drástica de votos e pela primeira vez poderá ficar abaixo dos limites dos 50%. Há, portanto, muitos pedidos de que o ANC terá de recorrer a coligações com partidos mais pequenos para se manter no poder.

"Na África Austral, por exemplo, em Moçambique, no Zimbabué e na África do Sul, o contrato social tem-se baseado na luta contra o colonialismo. Mas com o passar dos anos, a geração atual está menos ligada ao passado e espera coisas diferentes dos seus líderes", sublinha Fredson Guilengue, da Fundação Rosa-Luxemburgo em Joanesburgo.

De acordo com uma sondagem da rede de pesquisa Afrobarometer, a maioria dos sul-africanos (70%) está insatisfeita com a implementação da democracia no país. Os sul-africanos compartilham que o desemprego elevado é o problema principal, seguido de questões como a criminalidade e a segurança, a eletricidade , o abastecimento de água e a corrupção. O fornecedor de energia Eskom, que atravessa grandes dificuldades, não consegue fornecer ao país eletricidade suficiente, a economia está estagnada e a confiança na liderança do Governo é a mais baixa de sempre.

A situação é semelhante em Moçambique , que atravessa uma grande crise política, com o principal partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), a acusar a Frente de Libertação de (FRELIMO), no poder, de ter manipulado as eleições autárquicas de 11 de outubro. Fredson Guilengue acredita que a contestação social vai continuar no próximo ano.

·        Mudança de poder ou reeleição?

Também em outros países a insatisfação com os governos no exercício pode levar uma transferência de poder para a oposição, tal como aconteceu no Gana em dezembro. O outro país próspero da África Ocidental está a afundar-se em dívidas, os investimentos estão parados e o nível de vida está a baixar.

De acordo com a Economist Intelligence Unit (EIU), existe um risco global maior de diminuição das maiorias parlamentares, o que dificulta a governação e aumenta a melhoria social, por exemplo, em Madagáscar ou nos países do Magrebe, Argélia e Tunísia.

·        Instabilidade no Sahel mantém-se

Também a situação política na África Ocidental continuará volátil. Um regresso a um governo civil no Mali, actualmente dirigido por militares, parece cada vez mais distante. As eleições presidenciais anunciadas para fevereiro de 2024 levaram a Comunidade Económica de África Ocidental (CEDEAO) a levantar as avaliações. No entanto, o Mali desistiu da votação, tal como o Burkina Faso.

Inicialmente, o líder da Junta Militar, Ibrahim Traore, prometeu realizar eleições em julho do próximo ano. Mas em outubro, adiou os dados devido à situação de incerteza no país, sem definir um novo dia.

“A região do Sahel, onde se registaram já vários golpes de Estado, continua a ser muito frágil”, disse à DW Alex Vines, coordenador do departamento de África da Chatham House. "Assistimos a golpes de Estado no Mali, no Níger, de facto no Chade, no Sudão e no Burkina Faso, na Guiné e na Guiné-Bissau desde 2019. O objetivo em 2024 será tentar negociar um prazo curto para o regresso ao direito constitucional ", conclui o investigador.

·        Economia a crescer

Apesar de tudo, há uma tendência positiva que suscita otimismo. De acordo com a Economist Intelligence Unit, África será a segunda região com o crescimento económico mais rápido em 2024, logo a seguir na Ásia, impulsionada pelo sector dos serviços, que continua a desempenhar um papel importante na África Oriental.

No entanto, alguns países não podem beneficiar desta situação, incluindo a Guiné Equatorial, que atravessa dificuldades, e o Sudão, ainda em guerra, calcula Alex Vines.

A inflação, que exerce uma pressão específica em todo o continente em 2023, deverá abrandar, mas continuará a ser uma preocupação para muitos países, incluindo Angola, Nigéria e Zimbabué, bem como a Etiópia, que, tal como Moçambique, é fortemente endividada.

E em Moçambique, também se aguarda pela retomada do projeto de gás da TotalEnergies em Cabo Delgado, um dos maiores programas de investimento direto estrangeiro em África.

A anulação e a reestruturação da dívida será outra questão importante em África em 2024, segundo os especialistas.

·        Conflitos na RDC e Sudão em segundo plano

De acordo com o analista Priyal Singh, do Instituto Internacional de Estudos de Segurança (ISS), em Pretória, as perspectivas para África no próximo ano não se afiguram boas, "especialmente tendo como pano de fundo uma luta geopolítica cada vez mais volátil entre as principais potências internacionais", disse à DW.

A atenção do mundo continuará focada principalmente nos acontecimentos no Médio Oriente e na Ucrânia, enquanto as hostilidades entre as grandes potências e os conflitos africanos são ignorados: "Isto foi evidente nos conflitos no Sudão e na República Democrática do Congo (RDC). Não se tornou evidente nos conflitos no Sudão e na República Democrática do Congo (RDC). presta atenção suficiente a estes conflitos", refere Singh.

 

Ø  O que está por trás dos grãos doados pela Rússia à África

 

Alimentar ou aumentar influência? Enquanto seca devastadora leva milhões à fome, Zimbábue recebe grãos e fertilizantes russos. Ainda que doações sejam bem-vindas, observadores não creem em ajuda puramente humanitária.Em resposta a uma seca devastadora que assola o Zimbábue, a Rússia doou 25 mil toneladas métricas de trigo e 23 mil toneladas de fertilizantes ao país localizado no sul do continente africano.

A maioria das safras plantadas durante a temporada agrícola de 2023/2024 fracassou devido ao fenômeno El Niño, deixando mais de 3 milhões de pessoas em risco de insegurança alimentar.

Enny Nyashanu, de 79 anos, uma das vítimas das colheitas fracassadas, disse à DW que a situação é terrível: "Eu tinha grandes expectativas em relação a essa safra. Tinha certeza de que sobreviveríamos com a nossa colheita. Mas não há esperança nem lugar para onde correr. O país inteiro está assim."

Em todo o Zimbábue, especialmente no distrito de Buhera, na província de Manicaland, as plantações secaram e morreram. "Não há nada nos campos. Estamos desesperados por chuvas. Perdemos a esperança de colher qualquer coisa", disse um morador num centro de distribuição de alimentos.

O Programa Alimentar Mundial (PAM) da Organização das Nações Unidas tem se esforçado para acompanhar a demanda por assistência alimentar. "O financiamento tem sido e continuará sendo um desafio", afirma Sherita Manyika, do PAM Zimbábue.

O programa da ONU é financiado inteiramente por doações voluntárias, e Manyika diz haver um enorme déficit financeiro.

·        Pela recuperação?

A doação da Rússia, parte de uma promessa de 200 mil toneladas de grãos feita pelo Kremlin aos países africanos durante a cúpula Rússia-África de 2023, poderia ser encarada, portanto, como um socorro oportuno para os zimbabueanos.

O Zimbábue é uma das seis nações africanas, junto com Burkina Faso, Mali, Eritreia, República Centro-Africana e Somália, que recebem grãos da Rússia.

Emmerson Mnangagwa, presidente do país, demonstrou apreço pela doação, estendendo os cumprimentos ao presidente russo, Vladimir Putin.

"Em nome do povo e do governo do Zimbábue, expresso minha profunda gratidão ao meu querido irmão, o presidente da Federação Russa", comentou Mnangagwa durante a cerimônia oficial de entrega.

Para muitos zimbabueanos, a esperança é de que essa ajuda possa ser de longo prazo, a fim de garantir sua sobrevivência: "Esperamos que essas doações de alimentos continuem para que nossas famílias sobrevivam. Não temos outros meios de obter alimentos", disse à DW uma mulher no centro de distribuição de alimentos.

·        Motivos questionados

Embora a doação de grãos seja um alívio bem-vindo para o Zimbábue, alguns especialistas questionam os motivos por trás da ação russa no continente africano.

Alex Vines, diretor do Programa para a África da Chatham House, um think tank com sede em Londres, afirmou à DW que a doação da Rússia pode ter mais a ver com estratégia política do que com humanitarismo.

"Isso não é reforçar a diplomacia russa na África. [A Rússia] está recompensando os seus melhores aliados ou os países com os quais quer aumentar seu envolvimento", alega.

Vines disse que outros países africanos - inclusive alguns ainda mais necessitados - não foram colocados no acordo de grãos, "portanto, trata-se de uma afirmação política em vez de humanitária".

Além disso, o relacionamento tenso do Zimbábue com as potências ocidentais o torna um parceiro atraente para a Rússia mostrar sua influência.

"O Zimbábue é um país que tem um relacionamento ruim com o Ocidente. É uma afirmação política para mostrar que eles têm outros parceiros. E a Rússia é um deles", diz Vines.

Ao fornecer recursos essenciais, a Rússia estaria se posicionando como um aliado seguro, preenchendo um vazio deixado pelas tensas relações com países ocidentais.

·        Guerra na Ucrânia "sobrecarrega"

À medida que os repasses de ajuda prosseguem, surgem questões sobre as implicações de longo prazo do envolvimento da Rússia com a África, especialmente sob a liderança ininterrupta de Putin.

Apesar da perspectiva de mais acordos de grãos e laços ainda mais fortes, Vines afirma que a capacidade da Rússia de se envolver de forma sustentável na África pode ser limitada devido a seus compromissos contínuos em outros lugares, especialmente a invasão da Ucrânia.

"Embora a estratégia russa seja envolver o continente africano, a realidade é que a Rússia está sobrecarregada", argumenta Vines.

Com recursos desviados para outras prioridades, incluindo esforços militares, a capacidade da Rússia de manter sua força na África pode enfrentar desafios.

Para o governo do Zimbábue, o foco está em garantir aos cidadãos que ninguém passará fome.

"O número de pessoas com insegurança alimentar e a distribuição de grãos começaram em todas as áreas das oito províncias rurais do país. O registro de beneficiários e a distribuição de grãos continuarão sem interrupção durante o período de seca provocado pelo El Niño", disse o ministro da Informação do Zimbábue, Jenfan Muswere.

·        Futuro das relações Rússia-África

Enquanto Putin assegurava seu quinto mandato como presidente da Rússia, permanecia incerto se mais acordos de grãos e relações mais fortes entre Moscou e a África estavam no horizonte.

Alex Vines reitera que os recursos da Rússia estão se esgotando devido à guerra na Ucrânia.

"Vemos um declínio significativo na ajuda à defesa dos países africanos, devido ao redirecionamento de equipamentos militares para os esforços de guerra em que a Rússia está envolvida", diz.

A implicação, segundo Vines, é de que isso pode abrir portas para que outros países, como a China, aumentem sua influência na África.

 

Ø  Camarões: qual a importância geopolítica do país centro-africano?

 

Lembrado, no Brasil, somente na época da Copa do Mundo, Camarões possui um papel importante na geopolítica da África Central, graças a sua economia e privilegiada posição geográfica, apontam analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

No episódio desta sexta-feira (22) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, os jornalistas e apresentadores Melina Saad e Marcelo Castilho convidaram especialistas em geopolítica africana para falar sobre um dos países mais enigmáticos do continente para nós, brasileiros: Camarões.

Quando se fala em África, diz Jonuel Gonçalves, pesquisador associado do Núcleo de Estudos Estratégicos Avançado (NEA), do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da Universidade Federal Fluminense (UFF), "há sempre três países presentes".

"Tem a Angola, por razões históricas e culturais. A Nigéria, pela dimensão do seu mercado. E a África do Sul, pela força que tem, porque está no BRICS."

"Com Camarões a gente tem uma ligação muito menor. Apesar de ter uma ligação, sim: a nossa embaixada é muito antiga e a embaixadora é muito atuante em Yaoundé", explica Alexandre dos Santos, jornalista e professor de relações internacionais da Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Qual é a importância de Camarões?

Assim como a Nigéria é a principal economia da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Camarões é a principal economia da Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC), detendo 40% do PIB do grupo.

Os outros membros do grupo, Chade, República Centro-Africana, República do Congo, Guiné Equatorial e Gabão, dependem da exportação agrícola de Camarões para sobreviver, sublinha Santos.

"A República Centro-Africana e o Chade […] são dois países que não têm saída para o mar, precisam dos portos camaroneses para escoar a produção e receber suas importações."

Outro ponto que dá destaque regional a Camarões, aponta Gonçalves, é sua fronteira com a Nigéria, país mais populoso da África. "Qualquer fronteira com a Nigéria torna um país muito relevante", disse, destacando ainda que ambos disputam a exploração de petróleo na região.

O país ainda tem uma importância financeira muito grande para os países da CEMAC, que utilizam o franco CFA central, moeda única, legado do colonialismo francês da região. Diferentemente dos países da CEDEAO, que querem substituir o franco CFA ocidental por uma moeda soberana, Camarões não prevê a troca da sua.

"Quem mantém essa moeda, uma moeda única — a primeira experiência de moeda única bem-sucedida, que inclusive serviu de base para o desenvolvimento do euro —, quem dá um respaldo aqui em termos econômicos é Camarões", afirmou Santos.

•        Parceria militar com a Rússia

Gonçalves cita como um dos grandes acertos de Camarões na política internacional a capacidade de equilibrar sua relação com a França e novas lideranças globais, como China, Índia, Brasil e Rússia.

Com os russos, destacou o pesquisador, o país conseguiu estabelecer um acordo militar sem renunciar ao acordo com a França, diferentemente de outros países africanos que expulsaram o antigo poder colonial do país.

Para o especialista, contudo, há diferenças entre o que ocorreu em Burkina Faso, Níger e Mali, e o que está acontecendo em Camarões. "A França não falou nada."

•        Camarões ou Camerún?

Na lenda, é dito que o nome Camarões foi dado em homenagem ao explorador inglês James Cameron, que "atravessou aquela região de um lado para o outro", cita Santos.

Isso, no entanto, destaca o pesquisador, está errado.

"O Cameron não tem nada a ver com essa história. É Camarões por causa desses crustáceos que aparecem ali na beira dos rios, que eram muito volumosos."

Então, explica, foi um nome que fez sentido em português, e conforme o poder colonial foi mudando, o nome foi ficando. Mas "existe um esforço diplomático para que a gente pare de chamar de Camarões".

O país vê isso um pouco com maus olhos, também porque em português esse nome ganhou uma conotação negativa devido a sua relação com o crustáceo. Já sua versão francesa, que virou um nome próprio, é preferível: Camerún.

"Agora nos telegramas do Itamaraty você vê muitos deles se referindo ao país não mais como Camarões, mas como Camerún. E a nossa embaixada lá faz questão de produzir documentos também escrevendo, em vez de Camarões, Camerún."

 

Fonte: Deutsche Welle/Sputnik Brasil

 

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