2024: África entre crises e crescimento
económico
O fim do ano já
promete. No Egito, os resultados das eleições estão previstos para esta
segunda-feira, 18 de dezembro. Os observadores preveem que o Presidente
Abdel Fattah al-Sisi seja reeleito, numa altura em que o país o atravessa uma
grave crise económica.
A República
Democrática do Congo (RDC) também vai a votos daqui a dois dias, a 20 de
dezembro, enquanto algumas zonas da província oriental de Kivu do Norte
continuam sob o controlo de milícias.
No Senegal, já houve
protestos em massa antes das eleições de fevereiro de 2024. O Presidente Macky
Sall cedeu à pressão, retirou a sua candidatura a um terceiro mandato e invejou
o primeiro-ministro Amadou Ba para a corrida eleitoral.
·
ANC luta pela manutenção no poder
Uma das eleições mais
importantes no continente no próximo ano terá lugar na África do Sul, em
maio. A questão que se coloca é que o Congresso Nacional Africano (ANC)
conseguirá obter a maioria. Pode ser difícil. O partido do Presidente
Cyril Ramaphosa está ameaçado por uma perda drástica de votos e pela primeira
vez poderá ficar abaixo dos limites dos 50%. Há, portanto, muitos pedidos
de que o ANC terá de recorrer a coligações com
partidos mais pequenos para se manter no poder.
"Na África
Austral, por exemplo, em Moçambique, no Zimbabué e na África do Sul, o contrato
social tem-se baseado na luta contra o colonialismo. Mas com o passar dos anos,
a geração atual está menos ligada ao passado e espera coisas diferentes dos seus
líderes", sublinha Fredson Guilengue, da Fundação Rosa-Luxemburgo em
Joanesburgo.
De acordo com uma
sondagem da rede de pesquisa Afrobarometer, a maioria dos sul-africanos (70%)
está insatisfeita com a implementação da democracia no país. Os
sul-africanos compartilham que o desemprego elevado é o problema principal,
seguido de questões como a criminalidade e a segurança, a eletricidade , o
abastecimento de água e a corrupção. O fornecedor de energia Eskom, que
atravessa grandes dificuldades, não consegue fornecer ao país eletricidade
suficiente, a economia está estagnada e a confiança na liderança do Governo é a
mais baixa de sempre.
A situação é
semelhante em Moçambique , que atravessa
uma grande crise política, com o principal partido da oposição, a Resistência
Nacional Moçambicana (RENAMO), a acusar a Frente de Libertação de (FRELIMO), no
poder, de ter manipulado as eleições autárquicas de 11 de outubro. Fredson
Guilengue acredita que a contestação social vai continuar no próximo ano.
·
Mudança de poder ou reeleição?
Também em outros
países a insatisfação com os governos no exercício pode levar uma transferência
de poder para a oposição, tal como aconteceu no Gana em dezembro. O outro
país próspero da África Ocidental está a afundar-se em dívidas, os investimentos
estão parados e o nível de vida está a baixar.
De acordo com a
Economist Intelligence Unit (EIU), existe um risco global maior de diminuição
das maiorias parlamentares, o que dificulta a governação e aumenta a melhoria
social, por exemplo, em Madagáscar ou nos países do Magrebe, Argélia e Tunísia.
·
Instabilidade no Sahel mantém-se
Também a situação
política na África Ocidental continuará
volátil. Um regresso a um governo civil no Mali, actualmente dirigido por
militares, parece cada vez mais distante. As eleições presidenciais
anunciadas para fevereiro de 2024 levaram a Comunidade Económica de África
Ocidental (CEDEAO) a levantar as avaliações. No entanto, o Mali desistiu
da votação, tal como o Burkina Faso.
Inicialmente, o líder
da Junta Militar, Ibrahim Traore, prometeu realizar eleições em julho do
próximo ano. Mas em outubro, adiou os dados devido à situação de incerteza
no país, sem definir um novo dia.
“A região do Sahel,
onde se registaram já vários golpes de Estado, continua a ser muito frágil”,
disse à DW Alex Vines, coordenador do departamento de África da Chatham
House. "Assistimos a golpes de Estado no Mali, no Níger, de facto no
Chade, no Sudão e no Burkina Faso, na Guiné e na Guiné-Bissau desde 2019. O
objetivo em 2024 será tentar negociar um prazo curto para o regresso ao direito
constitucional ", conclui o investigador.
·
Economia a crescer
Apesar de tudo, há uma
tendência positiva que suscita otimismo. De acordo com a Economist
Intelligence Unit, África será a segunda região com o crescimento económico
mais rápido em 2024, logo a seguir na Ásia, impulsionada pelo sector dos
serviços, que continua a desempenhar um papel importante na África Oriental.
No entanto, alguns
países não podem beneficiar desta situação, incluindo a Guiné Equatorial, que
atravessa dificuldades, e o Sudão, ainda em guerra, calcula Alex Vines.
A inflação, que exerce
uma pressão específica em todo o continente em 2023, deverá abrandar, mas
continuará a ser uma preocupação para muitos países, incluindo Angola, Nigéria
e Zimbabué, bem como a Etiópia, que, tal como Moçambique, é fortemente endividada.
E em Moçambique,
também se aguarda pela retomada do projeto de gás da TotalEnergies em Cabo
Delgado, um dos maiores programas de investimento direto estrangeiro em África.
A anulação e a
reestruturação da dívida será outra questão importante em África em 2024,
segundo os especialistas.
·
Conflitos na RDC e Sudão em segundo plano
De acordo com o
analista Priyal Singh, do Instituto Internacional de Estudos de Segurança
(ISS), em Pretória, as perspectivas para África no próximo ano não se afiguram
boas, "especialmente tendo como pano de fundo uma luta geopolítica cada
vez mais volátil entre as principais potências internacionais", disse à
DW.
A atenção do mundo
continuará focada principalmente nos acontecimentos no Médio Oriente e na
Ucrânia, enquanto as hostilidades entre as grandes potências e os conflitos
africanos são ignorados: "Isto foi evidente nos conflitos no Sudão e na
República Democrática do Congo (RDC). Não se tornou evidente nos conflitos no
Sudão e na República Democrática do Congo (RDC). presta atenção suficiente a
estes conflitos", refere Singh.
Ø
O que está por trás dos grãos doados pela
Rússia à África
Alimentar ou aumentar
influência? Enquanto seca devastadora leva milhões à fome, Zimbábue recebe
grãos e fertilizantes russos. Ainda que doações sejam bem-vindas, observadores
não creem em ajuda puramente humanitária.Em resposta a uma seca devastadora que
assola o Zimbábue, a Rússia doou 25 mil toneladas métricas de trigo e 23 mil
toneladas de fertilizantes ao país localizado no sul do continente africano.
A maioria das safras
plantadas durante a temporada agrícola de 2023/2024 fracassou devido ao
fenômeno El Niño, deixando mais de 3 milhões de pessoas em risco de insegurança
alimentar.
Enny Nyashanu, de 79
anos, uma das vítimas das colheitas fracassadas, disse à DW que a situação é
terrível: "Eu tinha grandes expectativas em relação a essa safra. Tinha
certeza de que sobreviveríamos com a nossa colheita. Mas não há esperança nem lugar
para onde correr. O país inteiro está assim."
Em todo o Zimbábue,
especialmente no distrito de Buhera, na província de Manicaland, as plantações
secaram e morreram. "Não há nada nos campos. Estamos desesperados por
chuvas. Perdemos a esperança de colher qualquer coisa", disse um morador
num centro de distribuição de alimentos.
O Programa Alimentar
Mundial (PAM) da Organização das Nações Unidas tem se esforçado para acompanhar
a demanda por assistência alimentar. "O financiamento tem sido e
continuará sendo um desafio", afirma Sherita Manyika, do PAM Zimbábue.
O programa da ONU é
financiado inteiramente por doações voluntárias, e Manyika diz haver um enorme
déficit financeiro.
·
Pela recuperação?
A doação da Rússia,
parte de uma promessa de 200 mil toneladas de grãos feita pelo Kremlin aos
países africanos durante a cúpula Rússia-África de 2023, poderia ser encarada,
portanto, como um socorro oportuno para os zimbabueanos.
O Zimbábue é uma das
seis nações africanas, junto com Burkina Faso, Mali, Eritreia, República
Centro-Africana e Somália, que recebem grãos da Rússia.
Emmerson Mnangagwa,
presidente do país, demonstrou apreço pela doação, estendendo os cumprimentos
ao presidente russo, Vladimir Putin.
"Em nome do povo
e do governo do Zimbábue, expresso minha profunda gratidão ao meu querido
irmão, o presidente da Federação Russa", comentou Mnangagwa durante a
cerimônia oficial de entrega.
Para muitos
zimbabueanos, a esperança é de que essa ajuda possa ser de longo prazo, a fim
de garantir sua sobrevivência: "Esperamos que essas doações de alimentos
continuem para que nossas famílias sobrevivam. Não temos outros meios de obter
alimentos", disse à DW uma mulher no centro de distribuição de alimentos.
·
Motivos questionados
Embora a doação de
grãos seja um alívio bem-vindo para o Zimbábue, alguns especialistas questionam
os motivos por trás da ação russa no continente africano.
Alex Vines, diretor do
Programa para a África da Chatham House, um think tank com sede em Londres,
afirmou à DW que a doação da Rússia pode ter mais a ver com estratégia política
do que com humanitarismo.
"Isso não é
reforçar a diplomacia russa na África. [A Rússia] está recompensando os seus
melhores aliados ou os países com os quais quer aumentar seu
envolvimento", alega.
Vines disse que outros
países africanos - inclusive alguns ainda mais necessitados - não foram
colocados no acordo de grãos, "portanto, trata-se de uma afirmação
política em vez de humanitária".
Além disso, o
relacionamento tenso do Zimbábue com as potências ocidentais o torna um
parceiro atraente para a Rússia mostrar sua influência.
"O Zimbábue é um
país que tem um relacionamento ruim com o Ocidente. É uma afirmação política
para mostrar que eles têm outros parceiros. E a Rússia é um deles", diz
Vines.
Ao fornecer recursos
essenciais, a Rússia estaria se posicionando como um aliado seguro, preenchendo
um vazio deixado pelas tensas relações com países ocidentais.
·
Guerra na Ucrânia "sobrecarrega"
À medida que os
repasses de ajuda prosseguem, surgem questões sobre as implicações de longo
prazo do envolvimento da Rússia com a África, especialmente sob a liderança
ininterrupta de Putin.
Apesar da perspectiva
de mais acordos de grãos e laços ainda mais fortes, Vines afirma que a
capacidade da Rússia de se envolver de forma sustentável na África pode ser
limitada devido a seus compromissos contínuos em outros lugares, especialmente
a invasão da Ucrânia.
"Embora a
estratégia russa seja envolver o continente africano, a realidade é que a
Rússia está sobrecarregada", argumenta Vines.
Com recursos desviados
para outras prioridades, incluindo esforços militares, a capacidade da Rússia
de manter sua força na África pode enfrentar desafios.
Para o governo do
Zimbábue, o foco está em garantir aos cidadãos que ninguém passará fome.
"O número de
pessoas com insegurança alimentar e a distribuição de grãos começaram em todas
as áreas das oito províncias rurais do país. O registro de beneficiários e a
distribuição de grãos continuarão sem interrupção durante o período de seca
provocado pelo El Niño", disse o ministro da Informação do Zimbábue,
Jenfan Muswere.
·
Futuro das relações Rússia-África
Enquanto Putin
assegurava seu quinto mandato como presidente da Rússia, permanecia incerto se
mais acordos de grãos e relações mais fortes entre Moscou e a África estavam no
horizonte.
Alex Vines reitera que
os recursos da Rússia estão se esgotando devido à guerra na Ucrânia.
"Vemos um
declínio significativo na ajuda à defesa dos países africanos, devido ao
redirecionamento de equipamentos militares para os esforços de guerra em que a
Rússia está envolvida", diz.
A implicação, segundo
Vines, é de que isso pode abrir portas para que outros países, como a China,
aumentem sua influência na África.
Ø
Camarões: qual a importância geopolítica do
país centro-africano?
Lembrado, no Brasil,
somente na época da Copa do Mundo, Camarões possui um papel importante na
geopolítica da África Central, graças a sua economia e privilegiada posição
geográfica, apontam analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
No episódio desta
sexta-feira (22) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, os jornalistas e
apresentadores Melina Saad e Marcelo Castilho convidaram especialistas em
geopolítica africana para falar sobre um dos países mais enigmáticos do
continente para nós, brasileiros: Camarões.
Quando se fala em
África, diz Jonuel Gonçalves, pesquisador associado do Núcleo de Estudos
Estratégicos Avançado (NEA), do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da
Universidade Federal Fluminense (UFF), "há sempre três países
presentes".
"Tem a Angola,
por razões históricas e culturais. A Nigéria, pela dimensão do seu mercado. E a
África do Sul, pela força que tem, porque está no BRICS."
"Com Camarões a
gente tem uma ligação muito menor. Apesar de ter uma ligação, sim: a nossa
embaixada é muito antiga e a embaixadora é muito atuante em Yaoundé",
explica Alexandre dos Santos, jornalista e professor de relações internacionais
da Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Qual é a importância
de Camarões?
Assim como a Nigéria é
a principal economia da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental
(CEDEAO), Camarões é a principal economia da Comunidade Econômica e Monetária
da África Central (CEMAC), detendo 40% do PIB do grupo.
Os outros membros do
grupo, Chade, República Centro-Africana, República do Congo, Guiné Equatorial e
Gabão, dependem da exportação agrícola de Camarões para sobreviver, sublinha
Santos.
"A República
Centro-Africana e o Chade […] são dois países que não têm saída para o mar,
precisam dos portos camaroneses para escoar a produção e receber suas
importações."
Outro ponto que dá
destaque regional a Camarões, aponta Gonçalves, é sua fronteira com a Nigéria,
país mais populoso da África. "Qualquer fronteira com a Nigéria torna um
país muito relevante", disse, destacando ainda que ambos disputam a
exploração de petróleo na região.
O país ainda tem uma
importância financeira muito grande para os países da CEMAC, que utilizam o
franco CFA central, moeda única, legado do colonialismo francês da região.
Diferentemente dos países da CEDEAO, que querem substituir o franco CFA
ocidental por uma moeda soberana, Camarões não prevê a troca da sua.
"Quem mantém essa
moeda, uma moeda única — a primeira experiência de moeda única bem-sucedida,
que inclusive serviu de base para o desenvolvimento do euro —, quem dá um
respaldo aqui em termos econômicos é Camarões", afirmou Santos.
• Parceria militar com a Rússia
Gonçalves cita como um
dos grandes acertos de Camarões na política internacional a capacidade de
equilibrar sua relação com a França e novas lideranças globais, como China,
Índia, Brasil e Rússia.
Com os russos,
destacou o pesquisador, o país conseguiu estabelecer um acordo militar sem
renunciar ao acordo com a França, diferentemente de outros países africanos que
expulsaram o antigo poder colonial do país.
Para o especialista,
contudo, há diferenças entre o que ocorreu em Burkina Faso, Níger e Mali, e o
que está acontecendo em Camarões. "A França não falou nada."
• Camarões ou Camerún?
Na lenda, é dito que o
nome Camarões foi dado em homenagem ao explorador inglês James Cameron, que
"atravessou aquela região de um lado para o outro", cita Santos.
Isso, no entanto,
destaca o pesquisador, está errado.
"O Cameron não
tem nada a ver com essa história. É Camarões por causa desses crustáceos que
aparecem ali na beira dos rios, que eram muito volumosos."
Então, explica, foi um
nome que fez sentido em português, e conforme o poder colonial foi mudando, o
nome foi ficando. Mas "existe um esforço diplomático para que a gente pare
de chamar de Camarões".
O país vê isso um
pouco com maus olhos, também porque em português esse nome ganhou uma conotação
negativa devido a sua relação com o crustáceo. Já sua versão francesa, que
virou um nome próprio, é preferível: Camerún.
"Agora nos
telegramas do Itamaraty você vê muitos deles se referindo ao país não mais como
Camarões, mas como Camerún. E a nossa embaixada lá faz questão de produzir
documentos também escrevendo, em vez de Camarões, Camerún."
Fonte: Deutsche Welle/Sputnik
Brasil
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