Universidades são bastiões de defesa da
democracia, diz Jorge Messias, da AGU
O emblemático e
arbitrário episódio da condução coercitiva de dirigentes da UFMG – entre os
quais, a atual reitora Sandra Regina Goulart Almeida – pela Polícia Federal, em
dezembro de 2017, foi elencado pelo ministro Jorge Messias, da Advocacia Geral
da União (AGU), como um dos momentos que marcaram a escalada autoritária
enfrentada pela sociedade brasileira na última década, em especial desde o
impeachment da presidente Dilma Rousseff, retirada do poder, de forma também
arbitrária, no ano anterior. A memória foi suscitada pelo ministro durante a
aula magna Combate à desinformação e fortalecimento da democracia, ministrada
na manhã desta sexta-feira, 22 de abril, no auditório da Reitoria.
Durante a atividade,
chancelada pelo Programa UFMG de formação cidadã em defesa da democracia, a
reitora Sandra Goulart, à mesa, ao lado do ministro Jorge Messias, agradeceu a
lembrança do episódio, segundo ela “uma cicatriz que permanece aberta na UFMG”.
“Esse episódio arbitrário está marcado para sempre em nossas memórias e
corações, e ainda aguardamos uma reparação acerca desse momento triste de nossa
história”, sentenciou.
Em sintonia, a reitora
e o ministro lembraram, em suas falas, a célebre frase do professor Francisco
Mendes Pimentel, primeiro reitor da Universidade de Minas Gerais (UMG), que,
mais tarde, se transformaria na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG):
“Nestas terras moças da América, esta Universidade não será cúmplice passiva de
tiranias.” Na fala de Jorge Messias, a citação surgiu quando discorria sobre o
monumento instalado no gramado da Biblioteca Universitária em memória dos
estudantes Gildo Macedo Lacerda, Idalísio Soares Aranha Filho, José Carlos
Novaes da Mata Machado e Walkíria Afonso Costa, mortos pela ditadura militar.
“O monumento, em
madeira, traz uma simbologia forte, que remete às palavras do reitor Mendes
Pimentel. Os quatro troncos cortados lembram diariamente a vocês, que aqui
estudam, trabalham e pesquisam, e a qualquer visitante que, como cantava Gal
Costa, ‘é preciso estar atento e forte’. É preciso, de fato, vigilância
constante para defender nossa democracia, sob pena de termos nossa liberdade
ceifada, podada por forças avessas ao Estado Democrático de Direito e aos
direitos previstos em nossa Constituição Cidadã”, alertou Jorge Messias.
• Ecos da ditadura
O episódio da condução
coercitiva de dirigentes da UFMG, ocorrido em 6 de setembro de 2017, e
imensamente repudiado por diferentes órgãos, autoridades e instituições, foi
destacado pelo ministro, que rememorou também a condução do professor Luiz
Carlos Cancellier, à época reitor da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), vítima de campanha difamatória e prisão, que resultaram em sua morte. O
processo resultante da Operação Ouvidos Moucos, subproduto da Lava Jato, foi
arquivado, no ano passado, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), após não
ficar comprovada qualquer irregularidade nas ações do reitor Luiz Cancellier.
“Na UFMG, o arbítrio
foi executado a pretexto de apurar irregularidades na construção do Memorial da
Anistia Política. A professora Heloísa Starling, não por acaso uma das maiores
especialistas em ditadura militar, estava entre as pessoas que foram conduzidas.
O episódio, traumático para esta instituição, recebeu rapidamente o devido
repúdio por parte da comunidade jurídica brasileira. Muitos, então, prestaram
solidariedade à UFMG. Um deles é Acioli Cancellier de Olivo, irmão do reitor
Luiz Cancellier, cuja trágica morte meses antes pode ser considerada mais uma
consequência de atos arbitrários perpetrados por um Estado que, a passos
largos, se tornava antidemocrático e policialesco”, exemplificou.
Essa escalada, como
bem lembrou Jorge Messias, guarda relações com episódios ocorridos durante a
ditadura brasileira (1964-1985). Como exemplo, o ministro lembrou também o
jurista e educador Anísio Spínola Teixeira, um dos fundadores da Universidade
de Brasília (UnB), que dedicou sua vida à defesa da educação pública e
gratuita. Reitor da instituição em seus primeiros anos, Anísio Teixeira – que,
hoje, dá nome ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira), um dos órgãos responsáveis pela gestão do sistema educacional
brasileiro – morreu em 1971, aos 70 anos, durante o governo do ditador Emílio
Garrastazu Médici.
“A versão oficial
sobre sua morte, uma queda supostamente acidental no fosso do elevador de um
prédio no Rio de Janeiro, é amplamente questionada por conta de diversas
inconsistências que, como pudemos perceber ao longo da história, levam a crer
que Anísio Teixeira pode ter sido mais uma vítima da ditadura militar no
Brasil”, afirmou.
Em alusão à literatura
brasileira, o ministro Jorge Messias comentou que os “trágicos destinos” de
Anísio Teixeira, durante a ditadura, e de Luiz Cancellier, mais recentemente,
remetem ao da professora Madalena, personagem do romance São Bernardo (1934),
de Graciliano Ramos. “Afinal, é de
violência contra a educação de qualidade, por meio da eliminação de seus
principais defensores, que se trata essa discussão. Graciliano Ramos
identifica, no romance, de maneira cristalina, o caráter de parte da elite brasileira,
composta de forças perversas que querem controlar e domar uma educação que se
pretende libertária e humanista”, comparou.
• Um passado que não passou
Após os “longos 21
anos” de ditadura civil-militar, Jorge Messias lembrou que, “a partir de 1988,
e até 2013, a democracia brasileira parecia seguir uma marcha firme rumo à
maturidade.” “Os sucessivos governos, de diversas matizes políticas, lograram
construir caminhos de efetiva expansão da cidadania a parcelas expressivas da
população. Infelizmente, uma recaída autoritária, que não parecia provável, se
concretizou. Como observou Heloisa Starling: o passado nunca havia passado de
verdade. Como resultado de anos de desvalorização e criminalização da política,
um processo crescentemente autoritário no seio da sociedade culminou nos
ataques ao sistema eleitoral, em 2022, e no 8 de janeiro de 2023”, elencou.
A mais recente e
emblemática violência contra o Estado Democrático de Direito brasileiro,
representada pelo 8 de janeiro, e perpetrada por uma “turba raivosa”, culminou
na destruição do patrimônio público nacional na sede dos Três Poderes – segundo
o ministro, “o símbolo maior da nossa democracia”. “Mas as instituições do
Estado brasileiro não se curvaram e cumpriram um papel essencial para que
conseguíssemos, como país, superar as armadilhas ditatoriais, retomando uma
expressão há pouco utilizada pelo ministro Gilmar Mendes”, ressaltou.
• Respostas institucionais
Como titular da AGU,
Jorge Messias destacou as ações do órgão em defesa da democracia, em especial
frente aos episódios de 8 de janeiro. Além do ajuizamento de dezenas de ações,
foi criada, no início de 2023, a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia
(PNDD). “A Procuradoria é uma das prioridades da gestão do presidente Lula, e
sua criação se deu antes mesmo do ataque de 8 de janeiro. A estrutura está em
funcionamento efetivo desde maio do ano passado e, desde então, promoveu uma
série de ações judiciais e extrajudiciais para combater a desinformação sobre
políticas públicas, instituições democráticas e autoridades da República”,
exemplificou.
Outra ação, iniciada
em setembro passado, é o Observatório da Democracia, órgão vinculado à Escola
Superior da AGU, e presidido pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Gestado com o objetivo de gerar informações atualizadas e promover debates relativos
à defesa da democracia, o Observatório será, de acordo com Jorge Messias, um
“ambiente institucional para a discussão de temas cruciais para o equilíbrio
democrático”. Após descrever as ações, o ministro convidou a UFMG, por meio da
reitora Sandra Goulart, a integrar as ações do Observatório da Democracia,
convite que foi prontamente aceito por ela.
“Vamos formar grupos
de pesquisa, com financiamento por meio de convênio específico que será firmado
com a Capes e o CNPq, que vão tratar de três eixos temáticos principais: a)
democracia participativa e fortalecimento das instituições democráticas, b) separação
dos poderes e democracia constitucional, c) desafios das democracias
contemporâneas, direito à informação e liberdade de expressão. A participação e
o engajamento da comunidade acadêmica serão cruciais para o sucesso desta
empreitada”, defendeu Jorge Messias.
• Desafios da virtualização
O ministro tratou
ainda da virtualização das relações sociais, que tem estabelecido inúmeros
desafios para a democracia na contemporaneidade. Nesse contexto, Jorge Messias
citou serem essenciais e louváveis iniciativas como o Programa UFMG de formação
cidadã em defesa da democracia. “Se, por um lado, essa virtualização favoreceu
a inclusão, por outro, reduziu os custos da desinformação e fortaleceu o uso da
mentira como arma política, uma estratégia de negócio lucrativa pelas
plataformas e prática cada vez mais comum para desestabilizar países e regimes
democráticos em todo o mundo. Se o objetivo dessa desordem informacional é
desestabilizar pilares democráticos ao redor do mundo, o Brasil certamente não
ficaria imune”, asseverou.
Segundo Jorge Messias,
é central o papel da educação e da comunicação, que deve ser prioritário nos
próximos anos. O ministro também defendeu a regulamentação das mídias sociais,
“a fim de que não se destrua a própria liberdade de expressão.”
“No Brasil, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) foi pioneiro, em 2022, ao aprovar resolução dispondo
sobre o enfrentamento a toda desinformação que possa comprometer a integridade
do processo eleitoral. Essa norma estabelece, quando um conteúdo for julgado
prejudicial, a retirada de todas as replicações, sem a necessidade de novas
ações específicas. Ainda assim, é preciso avançar nas ações de fiscalização e
responsabilização das plataformas”, defendeu.
O ministro projeta, já
nas eleições deste ano, a aparição de novos desafios, suscitados pela
Inteligência Artificial (IA), em especial com a IA generativa, que inaugura a
possibilidade de criação e manipulação de novos conteúdos. “Nós nem lidamos
ainda com esse ambiente marcado pela desordem informacional e já teremos que
lidar com esses novos fenômenos. Os problemas se sucedem sem solução e nos
apresentam um desafio amplamente maior: lidar com o uso da IA com fins
políticos dentro de um contexto amplo de desinformação”, sentenciou.
Nesse contexto
conturbado e efervescente, Jorge Messias defende ser ainda mais primordial o
papel das universidades: “como centros de excelência em educação, nossas
instituições são bastiões de defesa da democracia. Afinal, a educação é a base
sobre a qual construímos uma sociedade informada, crítica e engajada.” Citando
o presidente Lula, o ministro concluiu sua fala lembrando que “parte da elite
nunca se importou com a educação do povo, que, para ela, está destinado
exclusivamente a servir, trabalhar de sol a sol, de geração em geração.” “Ora,
para usar novamente palavras que costumam ser ditas pelo presidente, este país
nunca será grande se não for pela educação. Só por meio da educação, o país
dará o salto de qualidade que almejamos há tanto tempo”, finalizou.
Fonte: UFMG
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