O ato de Bolsonaro na Paulista, teste de
força política em meio a investigações
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
convocou um protesto em São Paulo neste domingo (25/2) em meio ao avanço
das investigações da Polícia Federal (PF) sobre um suposto plano de golpe de
Estado com a participação do ex-mandatário e de alguns de seus então auxiliares
para reverter o resultado das eleições que levaram Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
ao Planalto.
Às 15h deste domingo,
apoiadores lotavam a avenida Paulista, carregando bandeiras do Brasil.
Bolsonaro chegou ao local por volta das 14h40 ao lado do governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Em seu discurso de
pouco mais de 22 minutos, Bolsonaro negou que tenha tentado dar um golpe de
Estado e disse que agiu dentro dos limites da Constituição.
Ele também disse estar
em busca de "pacificação" do país e de querer "passar uma
borracha no passado."
O ex-presidente também
pediu aos congressistas um projeto de lei que anistie seus apoiadores que estão
presos em Brasília por conta da participação na depredação de prédios públicos
em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
"[Queremos]
Anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não
queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Agora, nós pedimos a
todos os 513 deputados e 81 senadores um projeto de anistia para que seja feita
a Justiça em nosso Brasil", disse Bolsonaro.
"E quem,
porventura depredou o patrimônio, nós não concordamos com isso. Que paguem, mas
que essas penas não fujam ao mínimo da razoabilidade."
Para o cientista
político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), a manifestação de domingo "é uma grande aposta" de Bolsonaro
para “mostrar força” e tentar tornar as investigações e decisões da justiça
mais "custosas" .
A manifestação ocorre
numa semana marcada pelo comparecimento de Bolsonaro à PF, onde foi intimado a
depor mas permaneceu em silêncio, e pela repercussão de uma declaração de Lula sobre a guerra que Israel trava em Gaza.
Na última quinta-feira
(22/2), Bolsonaro compareceu à PF em Brasília para prestar depoimento no
inquérito sobre o suposto golpe de Estado, mas ficou calado sob a justificativa
de que sua defesa não teve acesso a todos os documentos da investigação.
Além de Bolsonaro, 22
ex-assessores, militares e aliados do ex-presidente foram intimados a prestar
esclarecimentos no mesmo horário.
·
Israel e evangélicos
Dias antes, no domingo
(18/2), o presidente Lula gerou controvérsia no mundo político ao comparar as
ações de Israel na guerra contra o Hamas com o Holocausto sofrido pelos judeus
na 2ª Guerra Mundial.
A fala desencadeou
uma crise diplomática com Israel e
reverberou ao longo da semana, com repercussões também na política doméstica.
Na última sexta-feira
(23/2), o ministro de Relações Exteriores israelense, Israel Katz, publicou no
X (antigo Twitter) uma ilustração que mostra brasileiros e israelenses
abraçados em meio às bandeiras dos dois países e pessoas vestidas de amarelo.
"Ninguém vai
separar o nosso povo — nem mesmo você, Lula", escreveu Katz na postagem,
publicada em português e em hebraico.
Congressistas da
oposição protocolaram um pedido de impeachment do presidente por causa da
declaração, que foi criticada até mesmo por alguns aliados do governo, como o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Outros congressistas
da base governista, no entanto, defenderam a fala de Lula.
Muitos judeus
brasileiros e associações judaicas criticaram a declaração de Lula, e a
expectativa era que bandeiras de Israel também aparecessem neste domingo na
avenida Paulista, o que de fato aconteceu.
Um lavantamento da
empresa Arquimedes, que monitora as redes sociais, apontou que as menções ao
protesto de Bolsonaro foram em quantidade muito menor do que a fala de Lula
sobre Israel.
O tema "Lula e
Israel" soma 2,4 milhões de publicações nas redes entre os dias 18 e 22 de
fevereiro, três vezes a quantidade de posts sobre a manifestação bolsonarista.
Entre 10 e 22 de fevereiro, o protesto contabilizou 829 mil menções nas redes
sociais, segundo a Arquimedes.
Fabio Wajngarten
escreveu no X (ex-Twitter) que iria sugerir ao ex-presidente que convidasse o
embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, que seria "muito bem
recebido e acolhido". O governo Netanyahu, de Israel, é um aliado do
bolsonarismo.
Em entrevista neste
sábado, Wajngarten afirmou que a organização do protesto esperava 700 mil
pessoas na avenida. Até a publicação deste texto, não havia estimativa oficial
de público na
Além da proximidade
com Netanyahu, a defesa de Israel é uma bandeira cara a muitos evangélicos - um dos grupos mais próximos de Bolsonaro.
Uma das mais
influentes lideranças evangélicas do país, o pastor Silas Malafaia,
da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi um dos organizadores e um dos
principais oradores do ato. Foi ele quem falou antes do ex-presidente na
avenida Paulista.
·
'Séria, disciplinada e
pacífica'
No vídeo em que
convocou o protesto, Bolsonaro pediu que seus apoiadores façam uma manifestação
"séria, disciplinada e pacífica" no domingo e que o movimento se
restrinja apenas à capital paulista.
Segundo ele, o
objetivo do protesto é defender "nosso Estado democrático de direito e
nossa liberdade".
Ao final da mensagem,
Bolsonaro pediu que os manifestantes evitem levar faixas contra "quem quer
que seja".
Para cientistas
políticos ouvidos pela BBC News Brasil, o protesto é uma "grande aposta de
Bolsonaro" para tentar demonstrar força política, apesar de
estar inelegível até 2030.
Segundo os analistas,
o efeito desta manifestação vai depender do número de pessoas presentes na
avenida Paulista, onde será realizado o ato, e também da participação de outros
nomes relevantes da política, como governadores e congressistas.
A adesão de políticos
de direita é um dos fatores que vinha mobilizando o bolsonarismo nos últimos
dias.
Entre os nomes na
Paulista, estavam o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o
governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Bolsonaro também chegou a
saudar no palco a "guarda municipal de Ricardo Nunes". Prefeito da capital
paulista, Nunes, do MDB, busca a simpatia da parcela conservadora do eleitorado
para se reeleger nas eleições municipais deste ano.
·
Grande aposta de
Bolsonaro
Uma pesquisa do
instituto AtlasIntel, divulgada no início do mês, aponta que 42,2% dos
entrevistados acreditam que as "investigações contra Bolsonaro constituem
uma perseguição política". Já 40,5% não acreditam nisso.
Por outro lado, um
levantamento do mesmo insituto mostrou que 57% dos entrevistados acreditam que
Lula de fato venceu as eleições de 2022, contrariando o discurso bolsonarista
de que houve fraude no pleito - algo que nunca foi comprovado.
O cientista político
Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que Bolsonaro costuma
convocar manifestações quando se sente fragilizado.
Para o analista, mais
importante do que a quantidade de gente na rua, é quem esteve ao lado de
Bolsonaro no palanque.
"O principal
objetivo do protesto é medir sua força entre os profissionais da política.
Quanto mais parlamentares e governadores aparecerem, melhor para ele", diz
Praça.
"Quem se arrisca
a aparecer ao lado dele? Tarcísio, [Romeu] Zema [governador de Minas Gerais]? O
que eles vão falar em seus discursos? Ele quer demonstrar que ainda tem força
mesmo estando inelegível por oito anos."
Entretanto, o analista
não acredita que isso fará alguma diferença no rumo das investigações de que
Bolsonaro e seus aliados são alvo ou mesmo nas decisões que a Justiça pode
tomar a respeito.
·
Bolsonaro investigado
A manifestação deste
domingo acontece após uma série de investigações envolvendo Bolsonaro e sua
família, como uma apuração de um suposto esquema de negociação ilegal de joias
dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República.
Também acontece duas
semanas depois da operação Tempus Veritatis, que foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes.
A ação teve Bolsonaro
como alvo, além de parte de seu clã político e militares supostamente
envolvidos na trama golpista.
A operação investiga
uma organização acusada de "tentativa de golpe de Estado e abolição do
Estado Democrático de Direito" nos períodos que antecederam e se seguiram
às eleições presidenciais de 2022, em uma tentativa de garantir a "manutenção
do então presidente da República (Jair Bolsonaro) no poder".
Quatro pessoas foram
presas: Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência; o coronel do
Exército Marcelo Câmara; Rafael Martins, major das Forças Especiais do
Exército; e o coronel Bernardo Romão Corrêa.
De acordo com a
decisão de Alexandre de Moraes, a PF obteve evidências de que:
- Bolsonaro teria se envolvido na confecção de uma minuta de
decreto com medidas para impedir a posse de Lula e mantê-lo no poder;
- Militares teriam organizado manifestações contra o
resultado das eleições e atuado para garantir que os manifestantes
tivessem segurança;
- O grupo em torno de Bolsonaro teria monitorado os passos de
Moraes, incluindo acesso à sua agenda de forma antecipada.
Por ordem da Justiça,
Bolsonaro teve seu passaporte apreendido e não pode fazer contato com outros
investigados.
Em um vídeo publicado
nas redes sociais no dia 9 de fevereiro, Paulo Cunha Bueno, advogado do
ex-presidente, negou que qualquer documento apreendido durante a operação da PF
implique o ex-presidente em envolvimento em um "golpe de Estado".
Nesta quarta-feira,
Bolsonaro voltou a dizer que é alvo de uma "perseguição política".
“Houve a eleição, o
TSE anunciou o resultado da mesma, me torna inelegível sem crime, depois se
fala em prender…qual o próximo passo, me executar na prisão? Eu devo fazer o
que, fugir do Brasil, pedir asilo?“, disse o ex-presidente, em entrevista à
rádio CBN Recife.
·
Manifestações em série
Não é a primeira vez
que Bolsonaro convoca manifestações em seu apoio em um momento em que sua
relação com o Judiciário se encontra estremecida.
Entre 2019 e 2022,
quando era presidente, houve uma série de protestos pró-governo e com críticas
ao Judiciário - mesmo durante a pandemia de covid-19.
Em 7 de setembro de
2021, por exemplo, Bolsonaro afirmou, também na avenida Paulista, que não
cumpriria mais decisões proferidas por Alexandre de Moraes.
"Dizer a vocês
que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais
cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir
o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais", discursou.
Dois dias depois,
diante da repercussão negativa e de conselhos do ex-presidente Michel Temer,
Bolsonaro divulgou uma "Declaração à Nação" na qual dizia não ter
"intenção de agredir quaisquer dos poderes" e que "as pessoas
que exercem o poder não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de
prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia".
Fonte: BBC News Brasil
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