sábado, 24 de fevereiro de 2024

Moisés Mendes: O sepultamento do projeto de Braga Netto

Se a extrema direita tivesse vencido a eleição, Braga Netto seria para Bolsonaro, na vice-presidência da República, tudo o que Hamilton Mourão nunca foi e nunca tentou ser. 

Por seu ativismo bolsonarista, pela fidelidade e pela capacidade de trabalho, Braga Netto seria diferente do antecessor. E pela perspectiva concreta de futuro militar para o projeto iniciado em 2018. 

Porque Braga Netto queria mesmo ser o sucessor de Bolsonaro. Não só como um vice engajado ao projeto de governo, ao contrário do que foi Mourão, mas alguém que pudesse criar condições para um fato inédito.

Braga Netto sonhava em ser um general eleito presidente pelo voto, depois de ter sido quase tudo em funções públicas e experimentar a sensação de que é bom e fácil ser político de direita. 

Foi comandante militar, interventor do Rio, ministro da Casa Civil, ministro da Defesa e candidato a vice do líder que cumpriria o segundo mandato e teria de escolher e formar o sucessor.

E Braga Netto, talvez mais do que Tarcísio de Freitas, que nunca teve raízes bolsonaristas, poderia construir, na vitrine de vice atuante e cúmplice do chefe, uma possibilidade de sucessão. 

Seria um general único, que encaixou no bolsonarismo, num governo forte reeleito por imposição militar, seduzido pelo poder, fiel ao seu líder e com capacidade de gestão que Mourão não teve.

Braga Netto não iria vacilar, como Tarcísio vacila como criatura do bolsonarismo. Seria o poder fardado, mesmo que meio apijamado, para um projeto de décadas. Um general eleito?

O plano era mirabolante e não daria certo? Cientistas políticos que viram como delírio o projeto de Bolsonaro, até momentos antes da eleição de 2018, sumiram dos catálogos de adivinhos. 

Braga Netto levou a sério a descoberta de que tem vocação para a política. Sempre esteve ao lado de Bolsonaro, como mostram os vazamentos do plano do golpe. 

Como mostrou o vídeo no descampado do Alvorada, em 18 de novembro, falando para militantes ansiosos pelo golpe, quando expôs sua fé em algo que iria acontecer.

Braga Netto foi quem Bolsonaro chamou, em março de 2021, para o lugar do inconfiável Fernando Azevedo e Silva na Defesa, porque o golpismo não poderia ter indecisos no comando da área militar. Ouviu a convocação quando estava de férias em Maceió, teve um mal súbito e chegou a ser internado. 

Foi o único militar a ter uma ideia ambiciosa dentro do governo, o Programa Pró-Brasil, que sustentaria um conjunto de obras de infraestrutura e nunca prosperou. Era amador e foi esculachado por Paulo Guedes já no lançamento.

O general é quem está, sorridente, do lado direito de Bolsonaro na reunião ministerial de julho de 2022, quando detalhes do golpe foram apresentados e deixados como rastros gravados.

Foi Braga Netto quem assumiu a tarefa de disseminar terror entre colegas que resistiam ao golpe. Foi ele quem correu o risco de afrontar, desqualificar e fragilizar o então chefe do Exército, Freire Gomes, a quem definiu como cagão.

Quando Bolsonaro foi acolhido por Valdemar Costa Neto como chefe supremo do PL, depois de derrotado, Braga Neto foi junto. Virou executivo da área de inteligência do partido, com sala própria e assessores na sede em Brasília.

Braga Netto sonhava, sim, com o poder pelo voto, porque os generais tinham inveja do tenente que mandava neles por ter sua força política legitimada pelas urnas.

E continuou em frente, com a derrota de Bolsonaro, para que o chefe se mantivesse no Planalto por um golpe. O general seria seu homem forte, para tudo o que viria como futuro de médio e longo prazo.

Fracassaram na eleição e fracassaram no golpe. Anunciam agora que o homem de fé está sendo largado pelo núcleo que ainda mantém Bolsonaro meio vivo.

Braga Netto foi o escolhido para levar na testa a tatuagem de líder militar golpista, de idealizador, organizador e fomentador do golpe tabajara. 

Entregam a cabeça do militar mais fiel, mais dedicado à ideia de um bolsonarismo completamente militarizado e perene, o mais assertivo e considerado o mais brilhante de todos eles.

Esse será o sacrificado como chefe militar dos que fracassaram e desqualificaram as Forças Armadas como incapazes até de organizar um levante. A grande ausência de domingo na Avenida Paulista será Braga Netto, que sempre esteve ao lado de Bolsonaro, em todos os momentos. 

Não haverá no trio elétrico de Bolsonaro e Malafaia nenhum outro com o afeto fardado que o general dedicou ao tenente seu líder por quatro anos.

·        Valdemar corta a mamata de Braga Netto no PL

O presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, determinou a suspensão dos salários de Braga Netto, ex-ministro, e Marcelo Câmara, ex-assessor pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro, conforme informações do blog da Andreia Sadi, no G1.

As remunerações, que alcançavam aproximadamente R$ 40 mil para Netto e R$ 20 mil para Câmara, foram interrompidas seguindo restrições de comunicação impostas pela Polícia Federal. Ambos são investigados no âmbito do inquérito sobre tentativas de golpe.

Braga Netto, no PL, era responsável pela logística e organização de eventos eleitorais. A medida de suspensão dos pagamentos ocorre em um contexto de investigações federais que revelam a profundidade do envolvimento de Netto com as alegadas tentativas de golpe, causando surpresa até mesmo a Costa Neto.

Durante um depoimento à Polícia Federal, que durou cerca de três horas, Valdemar Costa Neto foi interrogado sobre seu conhecimento das pessoas ligadas ao esquema golpista. Marcelo Bessa, advogado de Costa Neto, afirmou que seu cliente respondeu a todas as perguntas, destacando a cooperação com as autoridades.

 

Ø  Militares nos bancos dos réus e a lei de anistia de 1979. Por Jorge Folena

 

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal recebeu, em 21/02/2024, a denúncia criminal contra os ex-integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, por participação nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, em decorrência de sua omissão em prestar o efetivo policiamento ostensivo naquela oportunidade. Os réus responderão também pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e dano ao patrimônio público, inclusive de bens tombados. A denúncia foi aceita por unanimidade, nos autos da Petição número 11.008, que tramita sob sigilo e está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. 

No dia seguinte (22/02/2024), diversos militares da alta patente das Forças Armadas, juntamente com o ex-presidente inelegível, compareceram para prestar depoimentos à Polícia Federal no inquérito em que estão sendo indiciados por formação de organização criminosa para a prática de diversos delitos contra o Estado Democrático de Direito. Contudo, o ex-presidente e os militares optaram por ficar em silêncio (e de cabeça baixa, imagino), perante as autoridades policiais.

Pelo que já foi divulgado para a opinião pública, os militares e o ex-presidente indiciados terão o mesmo destino dos ex-integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, sendo denunciados e passando a sentar no banco dos réus.

Este acontecimento terá uma enorme relevância, uma vez que o ex-presidente (ex-integrante das Forças Armadas) e muitos dos seus subordinados militares, envolvidos na conspiração golpista de 8 de janeiro de 2023, eram defensores da ditadura instalada em 1º de abril de 1964.

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A lembrança daquele período de horrores é um verdadeiro fantasma a atormentar o país, que não fez uma justiça de transição na época da redemocratização, a partir de 1985, nem teve a ousadia de debater, com seriedade e honestidade, uma lei da memória histórica, nos moldes das leis da Alemanha do pós-Segunda Guerra, da Grécia pós-ditadura dos Coronéis de 1967-1974, da Argentina pós-ditadura e, até mesmo, da Espanha, com sua Lei da Memória Democrática de 2007, que levou à retirada, em 2019, dos restos mortais de Francisco Franco do Valle de los Caídos.

No Brasil, ao contrário, a classe dominante decidiu pela farsa do “esquecimento”, em detrimento da memória, da verdade e da justiça, o que possibilitou a Jair Bolsonaro, defensor de torturadores e da ditadura de 1964-1985, alcançar a chefia do governo, cujas estruturas usou como palanques para proferir abertamente ataques à ordem democrática de 1988 e para justificar a existência e a permanência de grupos que fingem desconhecer a existência e os horrores do regime de exceção, da escravidão negra e do genocídio indígena.

A responsabilização criminal dos ditadores, dos assassinos e dos torturadores da última ditadura não foi realizada, pois os representantes do antigo regime e seus sucessores se protegeram na Lei de Anistia (Lei 6.883/1979), imposta pelo regime ditatorial e que, infelizmente, foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, ocorrido em abril de 2010.

Naquele julgamento prevaleceu no STF o entendimento de que "a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrá-lo”; ou seja, para a maioria dos ministros do Tribunal, a lei foi fruto do "momento da transição conciliada de 1979”. 

Contudo, mesmo depois de sancionada a lei de anistia, a ditadura permaneceu firme no Brasil até 1985 e vários atos bárbaros foram praticados contra instituições e trabalhadores brasileiros, como os atentados à Ordem dos Advogados do Brasil em agosto de 1980, ao Jornal Tribuna da Imprensa em março de 1981 e ao Riocentro, nas comemorações do dia do trabalhador em 1981.

Na verdade, retomo esse tema dos militares e da lei de anistia de 1979 diante do atual cenário político e histórico, quando militares estão sendo indiciados criminalmente e irão sentar-se no banco dos réus em razão dos gravíssimos ataques perpetrados contra o Estado Democrático de Direito, realizados pelos adoradores da última ditadura, entre estes o ex-presidente e seus seguidores.

O Supremo Tribunal Federal, responsável pelo julgamento de todos eles, tem a oportunidade única de revisar sua jurisprudência, e poderá fazê-lo na apreciação da ADPF 320, de autoria do PSOL, que está sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli. Esta ação de descumprimento de preceito fundamental tem por objetivo a revisão do entendimento firmado no julgamento da ADPF 153, que estabeleceu que a lei de anistia de 1979 teria sido recepcionada pela Constituição de 1988.

Vale lembrar que brasileiros de variadas tendências ideológicas, inconformados com o golpe de 1964, que levou à deposição do governo legal e legítimo de João Goulart, desapareceram, foram perseguidos, humilhados, torturados ou assassinados por lutarem para tentar restabelecer a ordem democrática no país. Muitos desses brasileiros tiveram que se esconder para não morrer, outros precisaram ir para o exterior, abandonando suas famílias, amigos, trabalhos e estudos.

Em 1979, os golpistas e ocupantes do poder impuseram a "anistia, ampla, geral e irrestrita", para que os perseguidos, aqui ou no exterior, pudessem retomar sua vida no país.

Porém, a lei de anistia proposta pela ditadura apresentou um vício original grave, a coação, na medida em que impunha uma condição para permitir o retorno dos que tinham deixado tudo para trás: era preciso deixar livres os torturadores e assassinos que agiram a serviço do Estado. Ora, qualquer documento nestas bases é nulo de pleno direito e ineficaz. A coação contaminou a referida lei e, por tal razão, ela não é legítima para o "perdão" ou "esquecimento" geral das atrocidades do passado.

Sendo assim, os atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023 conferem ao Brasil a oportunidade histórica de colocar definitivamente no sepulcro os fantasmas da última ditadura, que ainda causam tantos estragos ao país. Para isso, é preciso estabelecer o resgate da memória e promover a educação voltada para a cidadania, para que tenhamos o fortalecimento das instituições e a concretização da justiça.

 

Fonte: Brasil 247/O Cafezinho

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