Moisés Mendes: O sepultamento do projeto de
Braga Netto
Se a extrema direita tivesse
vencido a eleição, Braga Netto seria para Bolsonaro, na vice-presidência da
República, tudo o que Hamilton Mourão nunca foi e nunca tentou ser.
Por seu ativismo
bolsonarista, pela fidelidade e pela capacidade de trabalho, Braga Netto seria
diferente do antecessor. E pela perspectiva concreta de futuro militar para o
projeto iniciado em 2018.
Porque Braga Netto
queria mesmo ser o sucessor de Bolsonaro. Não só como um vice engajado ao
projeto de governo, ao contrário do que foi Mourão, mas alguém que pudesse
criar condições para um fato inédito.
Braga Netto sonhava em
ser um general eleito presidente pelo voto, depois de ter sido quase tudo em
funções públicas e experimentar a sensação de que é bom e fácil ser político de
direita.
Foi comandante
militar, interventor do Rio, ministro da Casa Civil, ministro da Defesa e
candidato a vice do líder que cumpriria o segundo mandato e teria de escolher e
formar o sucessor.
E Braga Netto, talvez
mais do que Tarcísio de Freitas, que nunca teve raízes bolsonaristas, poderia
construir, na vitrine de vice atuante e cúmplice do chefe, uma possibilidade de
sucessão.
Seria um general
único, que encaixou no bolsonarismo, num governo forte reeleito por imposição
militar, seduzido pelo poder, fiel ao seu líder e com capacidade de gestão que
Mourão não teve.
Braga Netto não iria
vacilar, como Tarcísio vacila como criatura do bolsonarismo. Seria o poder
fardado, mesmo que meio apijamado, para um projeto de décadas. Um general
eleito?
O plano era
mirabolante e não daria certo? Cientistas políticos que viram como delírio o
projeto de Bolsonaro, até momentos antes da eleição de 2018, sumiram dos
catálogos de adivinhos.
Braga Netto levou a
sério a descoberta de que tem vocação para a política. Sempre esteve ao lado de
Bolsonaro, como mostram os vazamentos do plano do golpe.
Como mostrou o vídeo
no descampado do Alvorada, em 18 de novembro, falando para militantes ansiosos
pelo golpe, quando expôs sua fé em algo que iria acontecer.
Braga Netto foi quem
Bolsonaro chamou, em março de 2021, para o lugar do inconfiável Fernando
Azevedo e Silva na Defesa, porque o golpismo não poderia ter indecisos no
comando da área militar. Ouviu a convocação quando estava de férias em Maceió,
teve um mal súbito e chegou a ser internado.
Foi o único militar a
ter uma ideia ambiciosa dentro do governo, o Programa Pró-Brasil, que
sustentaria um conjunto de obras de infraestrutura e nunca prosperou. Era
amador e foi esculachado por Paulo Guedes já no lançamento.
O general é quem está,
sorridente, do lado direito de Bolsonaro na reunião ministerial de julho de
2022, quando detalhes do golpe foram apresentados e deixados como rastros
gravados.
Foi Braga Netto quem
assumiu a tarefa de disseminar terror entre colegas que resistiam ao golpe. Foi
ele quem correu o risco de afrontar, desqualificar e fragilizar o então chefe
do Exército, Freire Gomes, a quem definiu como cagão.
Quando Bolsonaro foi
acolhido por Valdemar Costa Neto como chefe supremo do PL, depois de derrotado,
Braga Neto foi junto. Virou executivo da área de inteligência do partido, com
sala própria e assessores na sede em Brasília.
Braga Netto sonhava,
sim, com o poder pelo voto, porque os generais tinham inveja do tenente que
mandava neles por ter sua força política legitimada pelas urnas.
E continuou em frente,
com a derrota de Bolsonaro, para que o chefe se mantivesse no Planalto por um
golpe. O general seria seu homem forte, para tudo o que viria como futuro de
médio e longo prazo.
Fracassaram na eleição
e fracassaram no golpe. Anunciam agora que o homem de fé está sendo largado
pelo núcleo que ainda mantém Bolsonaro meio vivo.
Braga Netto foi o
escolhido para levar na testa a tatuagem de líder militar golpista, de
idealizador, organizador e fomentador do golpe tabajara.
Entregam a cabeça do
militar mais fiel, mais dedicado à ideia de um bolsonarismo completamente
militarizado e perene, o mais assertivo e considerado o mais brilhante de todos
eles.
Esse será o
sacrificado como chefe militar dos que fracassaram e desqualificaram as Forças
Armadas como incapazes até de organizar um levante. A grande ausência de
domingo na Avenida Paulista será Braga Netto, que sempre esteve ao lado de
Bolsonaro, em todos os momentos.
Não haverá no trio
elétrico de Bolsonaro e Malafaia nenhum outro com o afeto fardado que o general
dedicou ao tenente seu líder por quatro anos.
·
Valdemar corta a mamata de Braga Netto no
PL
O presidente do
Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, determinou a suspensão dos
salários de Braga Netto, ex-ministro, e Marcelo Câmara, ex-assessor
pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro, conforme informações do blog
da Andreia Sadi, no G1.
As remunerações, que
alcançavam aproximadamente R$ 40 mil para Netto e R$ 20
mil para Câmara, foram interrompidas seguindo restrições de comunicação
impostas pela Polícia Federal. Ambos são investigados no âmbito do
inquérito sobre tentativas de golpe.
Braga Netto, no PL,
era responsável pela logística e organização de eventos eleitorais. A medida de
suspensão dos pagamentos ocorre em um contexto de investigações federais
que revelam a profundidade do envolvimento de Netto com as alegadas tentativas
de golpe, causando surpresa até mesmo a Costa Neto.
Durante um depoimento
à Polícia Federal, que durou cerca de três horas, Valdemar Costa Neto foi
interrogado sobre seu conhecimento das pessoas ligadas ao esquema
golpista. Marcelo Bessa, advogado de Costa Neto, afirmou que seu cliente
respondeu a todas as perguntas, destacando a cooperação com as autoridades.
Ø
Militares nos bancos dos réus e a lei de
anistia de 1979. Por Jorge Folena
A Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal recebeu, em 21/02/2024, a denúncia criminal contra os
ex-integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, por
participação nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, em decorrência
de sua omissão em prestar o efetivo policiamento ostensivo naquela
oportunidade. Os réus responderão também pelos crimes de tentativa de abolição
violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e dano
ao patrimônio público, inclusive de bens tombados. A denúncia foi aceita por
unanimidade, nos autos da Petição número 11.008, que tramita sob sigilo e está
sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
No dia seguinte
(22/02/2024), diversos militares da alta patente das Forças Armadas, juntamente
com o ex-presidente inelegível, compareceram para prestar depoimentos à Polícia
Federal no inquérito em que estão sendo indiciados por formação de organização
criminosa para a prática de diversos delitos contra o Estado Democrático de
Direito. Contudo, o ex-presidente e os militares optaram por ficar em silêncio
(e de cabeça baixa, imagino), perante as autoridades policiais.
Pelo que já foi
divulgado para a opinião pública, os militares e o ex-presidente indiciados
terão o mesmo destino dos ex-integrantes da cúpula da Polícia Militar do
Distrito Federal, sendo denunciados e passando a sentar no banco dos réus.
Este acontecimento
terá uma enorme relevância, uma vez que o ex-presidente (ex-integrante das
Forças Armadas) e muitos dos seus subordinados militares, envolvidos na
conspiração golpista de 8 de janeiro de 2023, eram defensores da ditadura
instalada em 1º de abril de 1964.
A lembrança daquele
período de horrores é um verdadeiro fantasma a atormentar o país, que não fez
uma justiça de transição na época da redemocratização, a partir de 1985, nem
teve a ousadia de debater, com seriedade e honestidade, uma lei da memória histórica,
nos moldes das leis da Alemanha do pós-Segunda Guerra, da Grécia pós-ditadura
dos Coronéis de 1967-1974, da Argentina pós-ditadura e, até mesmo, da Espanha,
com sua Lei da Memória Democrática de 2007, que levou à retirada, em 2019, dos
restos mortais de Francisco Franco do Valle de los Caídos.
No Brasil, ao
contrário, a classe dominante decidiu pela farsa do “esquecimento”, em
detrimento da memória, da verdade e da justiça, o que possibilitou a Jair
Bolsonaro, defensor de torturadores e da ditadura de 1964-1985, alcançar a
chefia do governo, cujas estruturas usou como palanques para proferir
abertamente ataques à ordem democrática de 1988 e para justificar a existência
e a permanência de grupos que fingem desconhecer a existência e os horrores do
regime de exceção, da escravidão negra e do genocídio indígena.
A responsabilização
criminal dos ditadores, dos assassinos e dos torturadores da última ditadura
não foi realizada, pois os representantes do antigo regime e seus sucessores se
protegeram na Lei de Anistia (Lei 6.883/1979), imposta pelo regime ditatorial e
que, infelizmente, foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, ocorrido em abril de
2010.
Naquele julgamento
prevaleceu no STF o entendimento de que "a lei de anistia é fruto de um
acordo de quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento
histórico, celebrá-lo”; ou seja, para a maioria dos ministros do Tribunal, a
lei foi fruto do "momento da transição conciliada de 1979”.
Contudo, mesmo depois
de sancionada a lei de anistia, a ditadura permaneceu firme no Brasil até 1985
e vários atos bárbaros foram praticados contra instituições e trabalhadores
brasileiros, como os atentados à Ordem dos Advogados do Brasil em agosto de 1980,
ao Jornal Tribuna da Imprensa em março de 1981 e ao Riocentro, nas comemorações
do dia do trabalhador em 1981.
Na verdade, retomo
esse tema dos militares e da lei de anistia de 1979 diante do atual cenário
político e histórico, quando militares estão sendo indiciados criminalmente e
irão sentar-se no banco dos réus em razão dos gravíssimos ataques perpetrados
contra o Estado Democrático de Direito, realizados pelos adoradores da última
ditadura, entre estes o ex-presidente e seus seguidores.
O Supremo Tribunal
Federal, responsável pelo julgamento de todos eles, tem a oportunidade única de
revisar sua jurisprudência, e poderá fazê-lo na apreciação da ADPF 320, de
autoria do PSOL, que está sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli. Esta ação
de descumprimento de preceito fundamental tem por objetivo a revisão do
entendimento firmado no julgamento da ADPF 153, que estabeleceu que a lei de
anistia de 1979 teria sido recepcionada pela Constituição de 1988.
Vale lembrar que
brasileiros de variadas tendências ideológicas, inconformados com o golpe de
1964, que levou à deposição do governo legal e legítimo de João Goulart,
desapareceram, foram perseguidos, humilhados, torturados ou assassinados por
lutarem para tentar restabelecer a ordem democrática no país. Muitos desses
brasileiros tiveram que se esconder para não morrer, outros precisaram ir para
o exterior, abandonando suas famílias, amigos, trabalhos e estudos.
Em 1979, os golpistas
e ocupantes do poder impuseram a "anistia, ampla, geral e
irrestrita", para que os perseguidos, aqui ou no exterior, pudessem
retomar sua vida no país.
Porém, a lei de
anistia proposta pela ditadura apresentou um vício original grave, a coação, na
medida em que impunha uma condição para permitir o retorno dos que tinham
deixado tudo para trás: era preciso deixar livres os torturadores e assassinos
que agiram a serviço do Estado. Ora, qualquer documento nestas bases é nulo de
pleno direito e ineficaz. A coação contaminou a referida lei e, por tal razão,
ela não é legítima para o "perdão" ou "esquecimento" geral
das atrocidades do passado.
Sendo assim, os atos
antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023 conferem ao Brasil a oportunidade
histórica de colocar definitivamente no sepulcro os fantasmas da última
ditadura, que ainda causam tantos estragos ao país. Para isso, é preciso
estabelecer o resgate da memória e promover a educação voltada para a
cidadania, para que tenhamos o fortalecimento das instituições e a
concretização da justiça.
Fonte: Brasil 247/O
Cafezinho
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