sábado, 24 de fevereiro de 2024

Alemanha: entenda a 'tempestade perfeita' que derruba a maior economia da Europa

A situação da economia na Alemanha é “dramática”. Com esse tom de preocupação, o ministro da Economia do país, o ecologista Robert Habeck, descreveu recentemente para líderes empresariais a "tempestade perfeita" que atinge a maior economia da União Europeia. A crise é provocada por vários fatores que se acumulam e afetam sobretudo a indústria, que representa quase 20% do PIB alemão. O país não consegue recuperar os níveis de produção anteriores à pandemia.

Berlim reduziu a sua estimativa de crescimento do PIB para 0,2% em 2024, contra 1,3% previstos anteriormente. O primeiro sinal de alerta de que algo não ia bem surgiu no ano passado, quando o crescimento do país recuou para 0,3%. No final do ano, o governo alemão ainda esperava uma inversão dessa tendência, mas a esperanças foi frustrada pelas novas projeções anunciadas na quarta-feira (21).

A Alemanha registrará um crescimento anêmico nos próximos anos, de 0,5% em média, caso não sejam adotadas medidas drásticas para corrigir a situação, segundo analistas. Essa conjuntura ameaça o governo liderado pelo chanceler social-democrata Olaf Scholz, à frente de uma coalizão que inclui políticos ecologistas e liberais. 

O país nunca recuperou o nível de crescimento anterior à Covid. Se a atividade da economia alemã for comparada à de outras grandes potências nos últimos anos, rapidamente se percebe que ela foi bastante inferior.

Nos últimos cinco anos, o crescimento estagnou e atingiu 0,7%, de acordo com dados acumulados, enquanto o conjunto de países do bloco europeu conseguiu crescer 4% desde 2019, segundo o órgão de estatísticas do Estado alemão.

Apesar desse quadro, a Alemanha superou o Japão em 2023 e passou a ser a terceira maior economia do mundo

·        Perda de velocidade

Essa deterioração está parcialmente associada à explosão dos custos de energia na indústria, desde o início da guerra na Ucrânia e o fim das importações de gás russo, há dois anos. O setor industrial, que proporciona cerca de um quarto da criação de riquezas no país, encontra-se hoje em forte declínio: à excessão da construção civil, a produção de manufaturados caiu 2% em 2023.

A química e a siderurgia têm sido muito afetadas, com uma produção que permanece quase 20% inferior à alcançada em 2021, o que indica provável perda de empregos em setores tradicionais do “made in Germany”.

Grupos como BASF, Bayer e Covestro publicaram na segunda-feira uma carta aberta assinada por 60 grupos industriais, para pedir medidas de apoio aos líderes da União Europeia. O setor registrou no ano passado uma queda de 8% na produção e 12% no faturamento.

"Sem uma política industrial específica, a Europa corre o risco de ficar dependente de certos produtos básicos. A Europa não pode permitir isso", afirmaram os signatários.

As dificuldades de financiamento, devido às taxas de juros elevadas, adiam os investimentos. A queda do consumo doméstico decorrente do aumento da inflação contribui para essa conjuntura morosa. O desemprego segue baixo, mas a falta de confiança no futuro é alta. O único sinal de esperança é que o volume de exportações, outro pilar da economia alemã, voltou a subir ligeiramente.

A indústria automobilística, outro segmento-chave, enfrenta a desaceleração da venda de veículos elétricos após o fim dos subsídios públicos para a compra.

Além disso, a transição ecológica é difícil para vários setores, que consideram não receber tantos subsídios quanto seus concorrentes, em particular os americanos.

"Um minuto para meia-noite"

Há consenso entre especialistas de que a Alemanha precisa de novos investimentos para relançar a sua economia. Mas o "freio da dívida", consagrado na Constituição, limita o déficit público anual a 0,35% do PIB. 

"Falta um minuto para meia-noite. O que está em jogo é nada menos do que a sobrevivência do 'Mittelstand' alemão", alertaram, em uma carta aberta, 18 organizações que representam as pequenas e médias empresas, coluna vertebral da economia alemã. 

Entretanto, os partidos da coalizão de governo estão divididos sobre a melhor resposta.

O líder dos liberais e ministro das Finanças, Christian Lindner, defende cortes de impostos e a redução da "burocracia". "Se não fizermos nada, nosso país vai entrar em colapso e a Alemanha será mais pobre", afirmou.

Já o titular da pasta da Economia e Clima, o ecologista Robert Habeck, propõe a flexibilização das regras orçamentárias para investir nos setores do futuro. Mas acabar com o "freio da dívida", um símbolo da austeridade orçamentária alemã, é uma linha vermelha para os liberais.

As tensões internas colocam em perigo o futuro da coalizão: os três partidos estão em queda nas pesquisas antes das eleições regionais deste ano. 

O secretário-geral dos liberais, Bijan Djir-Sarai, já mencionou a possibilidade de retirar o partido da coalizão. "A mudança econômica é necessária (...) e o ponto decisivo é saber se esta coalizão conseguirá iniciar a mudança nas próximas semanas e meses", disse.

·        Bispos alemães pedem que fiéis não votem na ultradireita

Bispos da Alemanha fizeram nesta quinta-feira (22/02) um apelo aos fiéis católicos do país para que se oponham ao crescente nacionalismo de extrema direita, argumentando que essa corrente política é incompatível com as crenças fundamentais do cristianismo.

"O nacionalismo étnico é incompatível com a concepção cristã de Deus e do homem", apontou uma declaração conjunta apresentada pelo bispo Georg Bätzing, o chefe da Conferência dos Bispos Alemães (DBK), durante um encontro na cidade de Augsburg.

O apelo foi considerado incomum por parte da imprensa alemã, já que nas últimas décadas bispos alemães vinham adotando a prática de não manifestar posicionamentos sobre partidos do país.

No entanto, o apelo também ocorre em meio à ascensão nas pesquisas do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem aparecido em segundo lugar nas pesquisas nacionais, com mais de 19% das intenções de voto.

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam na imprensa por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas e é vigiada de perto por serviços de inteligência da Alemanha como uma ameaça potencial à ordem constitucional do país.

O partido também tem conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

<<< Extrema direita não pode ser 'um local de atividade política para os cristãos'

Em seu apelo, os bispos alemães abordaram diretamente a conduta da AfD, hoje o segundo maior partido de oposição no Bundestag (a câmara baixa do Parlamento alemão), com 78 dos 735 deputados da Casa. "Depois de vários surtos de radicalização, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) está agora dominado por uma atitude nacionalista".

Segundo os bispos, dessa forma, "os partidos extremistas de direita e aqueles que proliferam nas margens dessa ideologia não podem, portanto, ser um local de atividade política para os cristãos e também não podem ser elegíveis".

A declaração também aponta que "a participação em políticas de extrema direita – e particularmente qualquer forma de racismo ou antissemitismo – é incompatível com emprego ou serviço voluntário na Igreja Católica". A Igreja Católica alemã, especialmente por causa do seu braço beneficente, a organização Caritas, é um dos maiores empregadores da Alemanha depois do Estado, por meio da administração de uma ampla rede de hospitais, escolas e casas de repouso.

Ainda no mesmo documento, os bispos também se dirigiram a toda a Alemanha: "Apelamos aos nossos concidadãos, inclusive àqueles que não compartilham da nossa fé, para que rejeitem e repudiem a política da extrema direita. Qualquer pessoa que queira viver em uma sociedade livre e democrática não pode abrigar essas ideias".

O bispo Bätzing também afirmou que era imperativo que a Igreja Católica assumisse uma posição clara, já que pesquisas vêm mostrando a AfD na liderança das pesquisas de intenção de voto para os três pleitos estaduais que devem ocorrer no leste da Alemanha neste ano: na Turíngia, na Saxônia e em Brandemburgo.

Os levantamentos vêm provocando o temor de que a legenda possa finalmente eleger seu primeiro governador, no estado da Turíngia, um reduto da AfD na Alemanha.

A Igreja Evangélica na Alemanha (EKD) também se posicionou contra a AfD no início de dezembro e declarou que a conduta do partido "não era de forma alguma compatível com os princípios da fé cristã”.

Em janeiro, milhares de alemães foram às ruas para protestar contra a ultradireita após a revelação pela imprensa de uma reunião realizada em Potsdam com a participação de neonazistas e membros da AfD, na qual foi apresentado um plano para a deportação em massa de milhões de imigrantes e "cidadãos não assimilados".

 

Ø  Comissão Europeia cede a agricultores e apresenta flexibilização de exigências ambientais

 

A Comissão Europeia propôs, nesta quinta-feira (22/02), flexibilizar várias exigências ambientais para os agricultores e reduzir o número de fiscalizações, em uma tentativa de acalmar os protestos no setor agrícola que ocorrem em diversos países há quase dois meses.

Em nota, a comissão anunciou que enviou um documento à delegação da Bélgica, que ocupa a presidência rotativa do bloco, "descrevendo as primeiras medidas possíveis para ajudar a reduzir a carga administrativa dos agricultores".

O comissário europeu da Agricultura, Janusz Wojciechowski, afirmou na rede X que "a mensagem dos agricultores é clara: eles querem trabalhar nos seus campos, e não presos atrás de procedimentos". Por isso, acrescentou, "a Comissão [Europeia] identificou ações no nível da UE que poderiam ajudar a aliviar a carga administrativa sobre os agricultores, já nos próximos meses e anos".

·        Quais são as medidas?

As propostas lançadas nesta quinta-feira serão discutidas pelos ministros da Agricultura da UE na segunda-feira (26/02). A comissão planeja alterar a forma como os controles funcionam, para reduzir em 50% o número de inspeções que os agricultores recebem.

Os agricultores de toda a Europa exigem o fim das restrições à produção agrícola, com medidas para reduzir a burocracia na agricultura, no contexto da Política Agrícola Comum (PAC).

A ideia é “racionalizar e melhorar a avaliação do monitoramento de superfície” graças à “análise automatizada de imagens” do programa europeu de satélites Copernicus, para “reduzir as inspeções nas explorações agrícolas” e “ajudar os agricultores a evitar erros”.

Outra proposta visa isentar as pequenas explorações agrícolas com menos de 10 hectares dos controles ligados ao cumprimento das condições ambientais. A Comissão Europeia propõe, ainda, alterar as obrigações de manutenção de áreas dedicadas a pastagens permanentes, a fim de moderar a perda de rendimento que isso implica para antigos criadores convertidos para outras culturas.

Outras obrigações ambientais impostas pelo novo PAC, aplicadas desde o início de 2023, poderão ser revistas. A expansão das práticas autorizadas no âmbito da obrigação de cobertura do solo “será examinada”.

Seria concedida uma tolerância em caso de "força maior e circunstâncias excepcionais", a exemplo de episódios climáticos extremos como secas e inundações, que impeçam um agricultor de cumprir os requisitos da PAC. Ele não sofreria mais penalidades, como hoje.

“A comissão continua totalmente determinada a fornecer soluções para aliviar a pressão (...) e ajudar os nossos agricultores a garantir a segurança alimentar”, salientou a presidente do Executivo europeu, Ursula von der Leyen.

·        Importações da Ucrânia

Outra das queixas dos agricultores é o impacto das importações de produtos agrícolas da Ucrânia. Neste sentido, a UE também fez concessões.

Na quarta-feira (21/02), os países da UE validaram a renovação da isenção tarifária, a partir de junho, sobre as importações procedentes da Ucrânia, mas o plano inclui mecanismos de salvaguardas para limitar o impacto da entrada destes produtos, em especial cereais, dentro do bloco europeu. O mecanismo inclui "medidas rápidas de correção" caso sejam verificadas perturbações no mercado da UE ou nos mercados nacionais dos países do bloco.

Além disso, contempla um "freio de emergência" para estabilizar e limitar as importações de três produtos – aves, ovos e açúcar – aos níveis registrados em 2022 e 2023.

 

Fonte: AFP/RFI

 

Nenhum comentário: