sábado, 27 de janeiro de 2024

Quase 100 anos com a mesma malha ferroviária: como o Brasil pode avançar e tornar o modal um marco?

O governo federal trata o investimento no transporte rodoviário como prioridade para 2024. Negligenciado durante algumas décadas, o modal retoma protagonismo pela eficiência, pela característica de desenvolvimento econômico e por ser fundamental para o cumprimento das metas climáticas.

De acordo com o Ministério dos Transportes, a previsão é de investimentos na casa dos R$ 94,2 bilhões (R$ 6 bilhões em recursos públicos e R$ 88,2 bilhões em investimento privado) até 2026 a partir do novo PAC para ampliar a malha ferroviária no país.

"A tarefa não é simples, uma vez que o Brasil tem dimensões continentais, mas é extremamente necessária. Por isso, estamos discutindo novos modelos e pretendemos mais que quadruplicar os recursos aplicados em ferrovias no Brasil nos próximos anos", disse o ministro dos Transportes, Renan Filho.

A densidade da malha ferroviária no Brasil é de 30,81 mil quilômetros, segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Se comparado aos EUA, país de extensão territorial similar, a densidade ferroviária brasileira chega a ser quase dez vezes menor, uma vez que os norte-americanos contam com 293,56 mil quilômetros de linhas férreas.

No primeiro ano do governo Lula, de acordo com o Ministério dos Transportes, intervenções importantes foram feitas no setor ferroviário. Houve a retomada das obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que corta sete municípios no sul da Bahia entre Ilhéus e Aiquara.

As obras da Ferrovia Norte-Sul (FNS), que liga Estrela D’Oeste (SP) e Açailândia (MA), foram concluídas. "Demorou 30 anos, mas finalmente está pronta. Estou muito feliz", disse o presidente Lula em entrevista a uma emissora de rádio.

Além disso, foi criada a Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário com o intuito de atrair investimento privado e impulsionar o setor, segundo informações do Ministério do Transporte; também houve a realização de uma consulta pública sobre a Política de Transporte Ferroviário de Passageiros. O parecer foi encerrado no último dia 9 e contou com quase 250 sugestões.

·        Como está a malha ferroviária no Brasil?

"É inconcebível que o Brasil, com as dimensões continentais que tem, esteja numa situação tão precária com relação a sua malha ferroviária", destaca Maurício Pina, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da Universidade Católica de Pernambuco e coordenador do Comitê de Logística da Academia Nacional de Engenharia.

Tamanha é a precariedade que, segundo Pina, os poucos mais de 30 mil quilômetros de ferrovia que o Brasil possui atualmente são praticamente os 30 mil de 1925, há quase 100 anos. "Se o Brasil não supera essa questão da sua infraestrutura, nunca vai galgar realmente o patamar de um país desenvolvido", avalia.

Como exemplo da defasagem no transporte ferroviário brasileiro, o professor conta que o descumprimento de um acordo inicial firmado por uma concessionária e pelo governo federal deixou os portos na Paraíba, Pernambuco e Rio Grande Norte sem contato direto com trens de carga. A situação, segundo ele, perdura há mais de dez anos. "Não existe qualquer porto expressivo no mundo que não tenha ferrovia chegando até ele", pondera.

·        Quais os avanços necessários para que o transporte ferroviário seja uma realidade brasileira?

Com investimento anunciado através do novo PAC, o governo federal pretende fomentar a expansão do modal no país.

Para Pina, o planejamento é fundamental para que o país avance no quesito. Segundo o professor, o Brasil extinguiu seu alcance de planejamento na década de 1990 e a sensação é de que "as coisas passaram a ser feitas na base do improviso".

"Se for restabelecida a política de planejamento de transporte no Brasil, e mais do que isso, mais do que o planejamento, a vontade realmente de que as obras sejam executadas, nosso país realmente vai galgar passos", pontua.

O avanço bem sucedido no que diz respeito ao transporte de passageiros no Brasil depende também, conforme Rafaela Albergaria, coordenadora do Observatório dos Trens, de políticas de regulamentação, com normas que sejam aplicadas nacionalmente.

"É muito importante estabelecer regramentos que definem normas, protocolos de segurança, que conversem com os princípios de liberdade, de direito à cidade, de garantia de dignidade no transporte público, além de ter agências de regulação que acompanhem, que monitorem a aplicação das obras de ampliação das ferrovias, que deem espaço para participação social e que possam pressionar também a garantia de direitos, para que não aconteçam violações de direitos na produção dessas ferrovias", destaca.

·        Qual é a vantagem do transporte ferroviário em relação ao rodoviário?

O Brasil, desde a década de 1960, passou a investir massivamente no sistema rodoviário, principal via de deslocamento interno para os brasileiros. Segundo Pina, 61% do transporte de carga é feito através das rodovias.

"O Brasil passou a ser um país eminentemente rodoviário. Há alguns anos atrás, ocorreu uma greve de caminhoneiros que praticamente paralisou o país, desabasteceu o país, mostrando a força desse modo rodoviário", analisa, citando como um dos pontos que deveriam mobilizar o investimento em ferrovias.

Outro ponto importante trazido pelo professor da UFPE é um paradoxo: apesar de ser um país dependente do transporte rodoviário atualmente, o Brasil conta com poucas rodovias pavimentadas.

"Minas Gerais é maior do que a França. Minas Gerais é um estado brasileiro bem servido de rodovias pavimentadas, é o segundo estado mais bem atendido nesse quesito, só perde para São Paulo. Pois bem, Minas Gerais tem 25 mil quilômetros de rodovias pavimentadas, enquanto a França tem 950 mil quilômetros de rodovias pavimentadas. Veja que coisa desproporcional", conta Pina sobre o abismo na infraestrutura do modal.

Além disso, citando uma pesquisa da Confederação Nacional de Transportes (CNT), o especialista conta que dois terços da malha rodoviária brasileira apresentam conceitos insatisfatórios, ou seja, são avaliados como regulares, ruins ou péssimos.

Apesar do custo de "um quilômetro de rodovia" ser mais barato que "um quilômetro de ferrovia" — por questões relativas ao relevo brasileiro e às condições geométricas das ferrovias — investir em linhas férreas pode proporcionar um custo bem menor aos produtos brasileiros.

"Como o Brasil é um país de grandes dimensões, seria um modo de transporte muito eficaz para atender não só o mercado interno, mas também para fins de exportação. A ferrovia tem realmente essa característica de poder proporcionar um custo bem menor ao transporte dos produtos. O brasileiro paga hoje um preço muito caro, de modo geral, na sua mesa, nos seus alimentos, por questão dessa deficiência na sua infraestrutura. É o que se convencionou chamar de custo-Brasil", acrescenta.

No caso do transporte de passageiros, o professor comenta que as principais vantagens estão ligadas à possibilidade de redução de acidentes nas rodovias e a chance para as pessoas se deslocarem de um ponto a outro com mais segurança e conforto, como acontece em outros países. "Sem dúvida, a reativação da política de trem de passageiros no Brasil seria algo bem positivo", completa.

·        Expansão de ferrovias como marco do governo federal passa por cumprimento de metas climáticas

O Brasil determina o investimento em ferrovias como fundamental para a transição energética e cumprimento de metas climáticas.

Durante a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP28, realizada em Dubai, o secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, apresentou os caminhos que o Brasil pretende traçar na infraestrutura de transportes para estar de acordo com os compromissos ambientais.

"A principal oportunidade para descarbonizar o setor de transportes brasileiro é apostar em um maior equilíbrio na matriz de transportes, priorizando modais que emitam menos gases de efeito estufa, como ferroviário e hidroviário. Neste esforço, a conclusão das principais obras de infraestruturas do país ligadas à adoção de novas tecnologias poderá gerar até 13,7% menos emissões de poluentes provenientes do transporte de mercadorias", disse o secretário.

No que diz respeito às metas climáticas e de transição energética, Rafaela Albergaria avalia que o transporte ferroviário é uma saída fundamental para dar respostas a essas demandas. "Hoje, no Brasil, especialmente nos centros urbanos, 60% das emissões de carbono estão na conta do transporte rodoviário", avalia.

Ainda que não seja o principal meio de transporte terrestre de carga, "o transporte sobre trilhos é uma alternativa estratégica para minorar o tempo de viagem e dar mais eficiência ao deslocamento", destaca Albergaria.

Para cumprir de fato com a agenda climática, Albergaria avalia que o governo precisa realmente se comprometer a romper com a utilização de combustíveis fosseis.

"Isso tem relação com o compromisso que o governo ainda tem com as empresas automobilísticas, mas está longe de ser a solução para a integração entre os modais. O Brasil precisa avançar em modelos que possibilitem zerar a emissão de carbono, que estejam conectados com demanda de novas fontes de energia renovável, o transporte ferroviário sobre trilho, principalmente pensando no transporte terrestre, é central para essas soluções", completa Albergaria.

 

Ø  Governo e Petrobras esperam gerar 30 mil empregos com ampliação de refinaria em Pernambuco

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, participam na tarde desta quinta-feira (18) da cerimônia de retomada de investimentos na Refinaria Abreu e Lima (RNEST), na cidade de Ipojuca (PE), que será ampliada.

Com os projetos previstos de adequação e aprimoramento do parque industrial e da cadeia de abastecimento e logística, a Petrobras e o governo estimam a geração de cerca de 30 mil empregos diretos e indiretos e um acréscimo de cerca de 13 milhões de litros de diesel S10 (de baixo teor de enxofre) por dia à capacidade de produção nacional.

O investimento está previsto no Plano Estratégico 2024–28+ da Petrobras, no âmbito do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC).

A construção do Trem 2 da refinaria tem data para finalização em 2028 e terá capacidade para processar 260 mil barris de petróleo por dia. As obras estão previstas para o segundo semestre deste ano. O novo trem vai aumentar a capacidade de refino nacional e a produção de derivados como gasolina, GLP (gás de cozinha) nafta e, principalmente, diesel S10, reduzindo a demanda por importação.

Transformando enxofre e nitrogênio

O projeto prevê ainda a construção da primeira unidade de abatimento de emissões (SNOX) do refino brasileiro, que será responsável por transformar óxido de enxofre (SOx) e óxido de nitrogênio (NOx) em um novo produto para comercialização.

As obras já estão em andamento, e a unidade começa a operar em 2024. As obras para a ampliação da produção do Trem 1 também estão previstas para começarem neste ano e serem concluídas no primeiro trimestre de 2025. A ampliação vale para carga, escoamento de produtos leves e capacidade de processamento de petróleo do pré-sal.

A Petrobras prevê investimentos de US$ 17 bilhões (cerca de R$ 82,9 bilhões) em projetos de refino, transporte e comercialização nos próximos cinco anos, para ampliar a capacidade de produção de diesel e aumentar gradualmente a oferta de produtos ao mercado de baixo carbono. Nos próximos anos, o aumento da produção de diesel deve ser de cerca de 40%.

Localizada no Complexo Industrial Portuário de Suape, a Refinaria Abreu e Lima é o principal polo da Petrobras nas regiões Norte e Nordeste e tem fácil acesso por cabotagem aos mercados consumidores, segundo a estatal.

As operações na unidade começaram em 2014, com o primeiro conjunto de unidades (Trem I), 34 anos depois de construída a última refinaria da Petrobras. É a mais moderna já construída pela companhia e contribui para atender à demanda nacional por derivados de petróleo. Entre todas as refinarias brasileiras, apresenta a maior taxa de conversão de petróleo cru em diesel (70%), combustível essencial para a circulação de produtos e riquezas do país.

·        Retomada após lavajatismo e privatizações

Contratos em torno da RNEST foram um dos primeiros alvos da Lava Jato. No governo de Jair Bolsonaro (2018–2022), vários ativos da empresa foram privatizados e restaram à Petrobras dez refinarias: Abreu e Lima; Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Ceará); Duque de Caxias (Rio de Janeiro), Alberto Pasqualini (Rio Grande do Sul), Gabriel Passos (Minas Gerais) e Presidente Getúlio Vargas (Paraná), além de Capuava, Presidente Bernardes, Refinaria de Paulínia e Henrique Lage, todas em São Paulo.

O Ministério de Minas e Energia do atual presidente, Luís Inácio Lula da Silva, anunciou que a empresa brasileira iniciaria negociações para readquirir todas as refinarias privatizadas no governo Bolsonaro.

Há mais de 15 anos o Brasil é autossuficiente em petróleo, por conta das descobertas do pré-sal, e produz quase 1 milhão de barris de petróleo por dia a mais do que a demanda interna necessita.

Entretanto o país ainda não atingiu a autossuficiência no refino. Mas os investimentos do Novo PAC na Abreu e Lima e a construção do Polo GasLub Itaboraí, no Rio de Janeiro, prometem aumentar o refino do diesel e o GLP, justamente os derivados que mais demandam importação no Brasil.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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