Quase 100 anos com a mesma malha
ferroviária: como o Brasil pode avançar e tornar o modal um marco?
O governo federal
trata o investimento no transporte rodoviário como prioridade para 2024.
Negligenciado durante algumas décadas, o modal retoma protagonismo pela
eficiência, pela característica de desenvolvimento econômico e por ser
fundamental para o cumprimento das metas climáticas.
De acordo com o
Ministério dos Transportes, a previsão é de investimentos na casa dos R$ 94,2
bilhões (R$ 6 bilhões em recursos públicos e R$ 88,2 bilhões em investimento
privado) até 2026 a partir do novo PAC para ampliar a malha ferroviária no
país.
"A tarefa não é
simples, uma vez que o Brasil tem dimensões continentais, mas é extremamente
necessária. Por isso, estamos discutindo novos modelos e pretendemos mais que
quadruplicar os recursos aplicados em ferrovias no Brasil nos próximos anos",
disse o ministro dos Transportes, Renan Filho.
A densidade da malha
ferroviária no Brasil é de 30,81 mil quilômetros, segundo a Associação Nacional
dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Se comparado aos EUA, país de extensão
territorial similar, a densidade ferroviária brasileira chega a ser quase dez
vezes menor, uma vez que os norte-americanos contam com 293,56 mil quilômetros
de linhas férreas.
No primeiro ano do
governo Lula, de acordo com o Ministério dos Transportes, intervenções
importantes foram feitas no setor ferroviário. Houve a retomada das obras da
Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que corta sete municípios no sul da
Bahia entre Ilhéus e Aiquara.
As obras da Ferrovia
Norte-Sul (FNS), que liga Estrela D’Oeste (SP) e Açailândia (MA), foram
concluídas. "Demorou 30 anos, mas finalmente está pronta. Estou muito
feliz", disse o presidente Lula em entrevista a uma emissora de rádio.
Além disso, foi criada
a Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário com o intuito de atrair
investimento privado e impulsionar o setor, segundo informações do Ministério
do Transporte; também houve a realização de uma consulta pública sobre a
Política de Transporte Ferroviário de Passageiros. O parecer foi encerrado no
último dia 9 e contou com quase 250 sugestões.
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Como está a malha ferroviária no Brasil?
"É inconcebível
que o Brasil, com as dimensões continentais que tem, esteja numa situação tão
precária com relação a sua malha ferroviária", destaca Maurício Pina,
professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da Universidade
Católica de Pernambuco e coordenador do Comitê de Logística da Academia
Nacional de Engenharia.
Tamanha é a
precariedade que, segundo Pina, os poucos mais de 30 mil quilômetros de
ferrovia que o Brasil possui atualmente são praticamente os 30 mil de 1925, há
quase 100 anos. "Se o Brasil não supera essa questão da sua
infraestrutura, nunca vai galgar realmente o patamar de um país
desenvolvido", avalia.
Como exemplo da
defasagem no transporte ferroviário brasileiro, o professor conta que o
descumprimento de um acordo inicial firmado por uma concessionária e pelo
governo federal deixou os portos na Paraíba, Pernambuco e Rio Grande Norte sem
contato direto com trens de carga. A situação, segundo ele, perdura há mais de
dez anos. "Não existe qualquer porto expressivo no mundo que não tenha
ferrovia chegando até ele", pondera.
·
Quais os avanços necessários para que o
transporte ferroviário seja uma realidade brasileira?
Com investimento
anunciado através do novo PAC, o governo federal pretende fomentar a expansão
do modal no país.
Para Pina, o
planejamento é fundamental para que o país avance no quesito. Segundo o
professor, o Brasil extinguiu seu alcance de planejamento na década de 1990 e a
sensação é de que "as coisas passaram a ser feitas na base do
improviso".
"Se for
restabelecida a política de planejamento de transporte no Brasil, e mais do que
isso, mais do que o planejamento, a vontade realmente de que as obras sejam
executadas, nosso país realmente vai galgar passos", pontua.
O avanço bem sucedido
no que diz respeito ao transporte de passageiros no Brasil depende também,
conforme Rafaela Albergaria, coordenadora do Observatório dos Trens, de
políticas de regulamentação, com normas que sejam aplicadas nacionalmente.
"É muito
importante estabelecer regramentos que definem normas, protocolos de segurança,
que conversem com os princípios de liberdade, de direito à cidade, de garantia
de dignidade no transporte público, além de ter agências de regulação que
acompanhem, que monitorem a aplicação das obras de ampliação das ferrovias, que
deem espaço para participação social e que possam pressionar também a garantia
de direitos, para que não aconteçam violações de direitos na produção dessas
ferrovias", destaca.
·
Qual é a vantagem do transporte ferroviário
em relação ao rodoviário?
O Brasil, desde a
década de 1960, passou a investir massivamente no sistema rodoviário, principal
via de deslocamento interno para os brasileiros. Segundo Pina, 61% do
transporte de carga é feito através das rodovias.
"O Brasil passou
a ser um país eminentemente rodoviário. Há alguns anos atrás, ocorreu uma greve
de caminhoneiros que praticamente paralisou o país, desabasteceu o país,
mostrando a força desse modo rodoviário", analisa, citando como um dos pontos
que deveriam mobilizar o investimento em ferrovias.
Outro ponto importante
trazido pelo professor da UFPE é um paradoxo: apesar de ser um país dependente
do transporte rodoviário atualmente, o Brasil conta com poucas rodovias
pavimentadas.
"Minas Gerais é
maior do que a França. Minas Gerais é um estado brasileiro bem servido de
rodovias pavimentadas, é o segundo estado mais bem atendido nesse quesito, só
perde para São Paulo. Pois bem, Minas Gerais tem 25 mil quilômetros de rodovias
pavimentadas, enquanto a França tem 950 mil quilômetros de rodovias
pavimentadas. Veja que coisa desproporcional", conta Pina sobre o abismo
na infraestrutura do modal.
Além disso, citando
uma pesquisa da Confederação Nacional de Transportes (CNT), o especialista
conta que dois terços da malha rodoviária brasileira apresentam conceitos
insatisfatórios, ou seja, são avaliados como regulares, ruins ou péssimos.
Apesar do custo de
"um quilômetro de rodovia" ser mais barato que "um quilômetro de
ferrovia" — por questões relativas ao relevo brasileiro e às condições
geométricas das ferrovias — investir em linhas férreas pode proporcionar um custo
bem menor aos produtos brasileiros.
"Como o Brasil é
um país de grandes dimensões, seria um modo de transporte muito eficaz para
atender não só o mercado interno, mas também para fins de exportação. A
ferrovia tem realmente essa característica de poder proporcionar um custo bem
menor ao transporte dos produtos. O brasileiro paga hoje um preço muito caro,
de modo geral, na sua mesa, nos seus alimentos, por questão dessa deficiência
na sua infraestrutura. É o que se convencionou chamar de custo-Brasil",
acrescenta.
No caso do transporte
de passageiros, o professor comenta que as principais vantagens estão ligadas à
possibilidade de redução de acidentes nas rodovias e a chance para as pessoas
se deslocarem de um ponto a outro com mais segurança e conforto, como acontece
em outros países. "Sem dúvida, a reativação da política de trem de
passageiros no Brasil seria algo bem positivo", completa.
·
Expansão de ferrovias como marco do governo
federal passa por cumprimento de metas climáticas
O Brasil determina o
investimento em ferrovias como fundamental para a transição energética e
cumprimento de metas climáticas.
Durante a Conferência
do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP28, realizada em Dubai, o
secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, apresentou os
caminhos que o Brasil pretende traçar na infraestrutura de transportes para estar
de acordo com os compromissos ambientais.
"A principal
oportunidade para descarbonizar o setor de transportes brasileiro é apostar em
um maior equilíbrio na matriz de transportes, priorizando modais que emitam
menos gases de efeito estufa, como ferroviário e hidroviário. Neste esforço, a
conclusão das principais obras de infraestruturas do país ligadas à adoção de
novas tecnologias poderá gerar até 13,7% menos emissões de poluentes
provenientes do transporte de mercadorias", disse o secretário.
No que diz respeito às
metas climáticas e de transição energética, Rafaela Albergaria avalia que o
transporte ferroviário é uma saída fundamental para dar respostas a essas
demandas. "Hoje, no Brasil, especialmente nos centros urbanos, 60% das
emissões de carbono estão na conta do transporte rodoviário", avalia.
Ainda que não seja o
principal meio de transporte terrestre de carga, "o transporte sobre
trilhos é uma alternativa estratégica para minorar o tempo de viagem e dar mais
eficiência ao deslocamento", destaca Albergaria.
Para cumprir de fato
com a agenda climática, Albergaria avalia que o governo precisa realmente se
comprometer a romper com a utilização de combustíveis fosseis.
"Isso tem relação
com o compromisso que o governo ainda tem com as empresas automobilísticas, mas
está longe de ser a solução para a integração entre os modais. O Brasil precisa
avançar em modelos que possibilitem zerar a emissão de carbono, que estejam
conectados com demanda de novas fontes de energia renovável, o transporte
ferroviário sobre trilho, principalmente pensando no transporte terrestre, é
central para essas soluções", completa Albergaria.
Ø
Governo e Petrobras esperam gerar 30 mil
empregos com ampliação de refinaria em Pernambuco
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, participam
na tarde desta quinta-feira (18) da cerimônia de retomada de investimentos na
Refinaria Abreu e Lima (RNEST), na cidade de Ipojuca (PE), que será ampliada.
Com os projetos
previstos de adequação e aprimoramento do parque industrial e da cadeia de
abastecimento e logística, a Petrobras e o governo estimam a geração de cerca
de 30 mil empregos diretos e indiretos e um acréscimo de cerca de 13 milhões de
litros de diesel S10 (de baixo teor de enxofre) por dia à capacidade de
produção nacional.
O investimento está
previsto no Plano Estratégico 2024–28+ da Petrobras, no âmbito do Novo Programa
de Aceleração do Crescimento (Novo PAC).
A construção do Trem 2
da refinaria tem data para finalização em 2028 e terá capacidade para processar
260 mil barris de petróleo por dia. As obras estão previstas para o segundo
semestre deste ano. O novo trem vai aumentar a capacidade de refino nacional e
a produção de derivados como gasolina, GLP (gás de cozinha) nafta e,
principalmente, diesel S10, reduzindo a demanda por importação.
Transformando enxofre
e nitrogênio
O projeto prevê ainda
a construção da primeira unidade de abatimento de emissões (SNOX) do refino
brasileiro, que será responsável por transformar óxido de enxofre (SOx) e óxido
de nitrogênio (NOx) em um novo produto para comercialização.
As obras já estão em
andamento, e a unidade começa a operar em 2024. As obras para a ampliação da
produção do Trem 1 também estão previstas para começarem neste ano e serem
concluídas no primeiro trimestre de 2025. A ampliação vale para carga,
escoamento de produtos leves e capacidade de processamento de petróleo do
pré-sal.
A Petrobras prevê
investimentos de US$ 17 bilhões (cerca de R$ 82,9 bilhões) em projetos de
refino, transporte e comercialização nos próximos cinco anos, para ampliar a
capacidade de produção de diesel e aumentar gradualmente a oferta de produtos
ao mercado de baixo carbono. Nos próximos anos, o aumento da produção de diesel
deve ser de cerca de 40%.
Localizada no Complexo
Industrial Portuário de Suape, a Refinaria Abreu e Lima é o principal polo da
Petrobras nas regiões Norte e Nordeste e tem fácil acesso por cabotagem aos
mercados consumidores, segundo a estatal.
As operações na
unidade começaram em 2014, com o primeiro conjunto de unidades (Trem I), 34
anos depois de construída a última refinaria da Petrobras. É a mais moderna já
construída pela companhia e contribui para atender à demanda nacional por
derivados de petróleo. Entre todas as refinarias brasileiras, apresenta a maior
taxa de conversão de petróleo cru em diesel (70%), combustível essencial para a
circulação de produtos e riquezas do país.
·
Retomada após lavajatismo e privatizações
Contratos em torno da
RNEST foram um dos primeiros alvos da Lava Jato. No governo de Jair Bolsonaro
(2018–2022), vários ativos da empresa foram privatizados e restaram à Petrobras
dez refinarias: Abreu e Lima; Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste
(Ceará); Duque de Caxias (Rio de Janeiro), Alberto Pasqualini (Rio Grande do
Sul), Gabriel Passos (Minas Gerais) e Presidente Getúlio Vargas (Paraná), além
de Capuava, Presidente Bernardes, Refinaria de Paulínia e Henrique Lage, todas
em São Paulo.
O Ministério de Minas
e Energia do atual presidente, Luís Inácio Lula da Silva, anunciou que a
empresa brasileira iniciaria negociações para readquirir todas as refinarias
privatizadas no governo Bolsonaro.
Há mais de 15 anos o
Brasil é autossuficiente em petróleo, por conta das descobertas do pré-sal, e
produz quase 1 milhão de barris de petróleo por dia a mais do que a demanda
interna necessita.
Entretanto o país
ainda não atingiu a autossuficiência no refino. Mas os investimentos do Novo
PAC na Abreu e Lima e a construção do Polo GasLub Itaboraí, no Rio de Janeiro,
prometem aumentar o refino do diesel e o GLP, justamente os derivados que mais
demandam importação no Brasil.
Fonte: Sputnik Brasil
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