sábado, 27 de janeiro de 2024

Jair de Souza: São os pobres e a classe média os que pagam a conta

Lula deu uma entrevista na qual abordou a questão da injustiça tributária que caracteriza nosso país. De fato, chega a ser indecente a maneira como nosso sistema tributário privilegia aos mais abastados e penaliza aos mais carentes.

Mas, se o número de super-ricos no Brasil é tão diminuto, como é possível que não haja uma rebelião violenta e incontrolável de parte das amplas maiorias dos prejudicados com vistas a pôr fim a tamanha aberração?

Ocorre que, em razão de seu imenso poderio econômico, as classes pudentes destinam uma pequena fração de sua fortuna para cooptar elementos estratégicos dos grupos sociais subordinados para, através deles, ganhar, ou neutralizar, a consciência das maiorias.

Como se sabe desde tempos imemoriais, nenhum grupo social minoritário, por mais recursos econômicos que detenha, pode se manter no poder por longos períodos sem que consiga obter a adesão para seu campo de interesses de uma parcela numericamente expressiva de integrantes das camadas sociais que lhes estejam submetidas.

Por isso, as classes dominantes sempre investem vultosas somas (vultosas para o imaginário dos não ricos, não para o deles, logicamente) para alinhar em suas fileiras representantes destacados da intelectualidade de classe média. São esses intelectuais que, no caso relacionado com a arrecadação de impostos, vão se empenhar em fazer prevalecer o entendimento de que nossos graves problemas de subdesenvolvimento e pobreza se devem, essencialmente, a uma indevida interferência estatal, que estaria impondo taxação abusiva e nociva às classes empresariais. Portanto, segundo o que essa visão trata de difundir,  nossos males se originam de uma excessiva e indevida cobrança de impostos, e não por sua falta. Ou seja, para angariar a condescendência e simpatia política do conjunto da sociedade, eles buscam induzir a classe média e os pobres a acreditar que a cobrança de impostos é, em si, algo ruim para toda a população.

No entanto, convenhamos, essa intelectualidade que trabalha para as classes dominantes não precisaria ser dotada de excepcional capacidade argumentativa para induzir aos mais carentes a odiarem a cobrança de impostos. Para eliminar quaisquer dúvidas quanto a isto, sugiro a todos que façam este teste prático na primeira oportunidade que lhes ocorra: ao percorrer alguma região do centro de nossas cidades onde haja alta concentração de moradores de rua, pergunte ao maior número possível deles se eles gostariam de pagar mais impostos. Confesso que vou me dar por totalmente surpreso, se alguém conseguir obter ao menos uma resposta positiva a esta indagação.

Porém, o que é sim digno de admiração é a maestria e habilidade dos intelectuais a serviço dos poderosos em desviar o foco de atenção da forma como está estruturada a arrecadação de impostos no Brasil. Eles sabem reforçar a compreensão de que pagamos muito em termos de impostos, mas procuram impedir ao máximo a compreensão sobre quem de nós realmente paga a conta. É isto o que vamos tentar deixar mais evidente no restante de nossa exposição.

Todos os serviços públicos disponíveis em qualquer sociedade da atualidade dependem da arrecadação de impostos para funcionar. Como garantir que haja escolas públicas de boa qualidade, uma assistência médica eficiente, um transporte público que permita nossa adequada locomoção e um sistema de segurança que realmente nos proteja? É evidente que nada disto poderia existir sem que houvesse recursos para bancá-lo. Em outras palavras, para atender a esses requerimentos sociais é preciso contar com os devidos recursos. A questão que se coloca é: de onde vamos extraí-los?

De todos esses serviços públicos, as classes ricas parecem só ter grande interesse na força de repressão policial e no sistema judiciário, pois são esses os que lhes servem melhor para conter a revolta popular e os protestos dos trabalhadores e dos pobres em geral. Como eles dispõem de vastos recursos pessoais, defendem que os serviços de educação e assistência médica, por exemplo, fiquem por conta de quem os vai receber. Eles podem e preferem enviar seus filhos a escolas particulares, assim como recorrer a clínicas e hospitais privados para o cuidado de sua saúde. O que eles não gostam e não aceitam é que parte de suas rendas sejam usadas para garantir isso aos outros.

Nos países desenvolvidos da Europa, nos Estados Unidos e no Japão, por exemplo, a carga tributária direta é muito mais rigorosa, e vai se elevando conforme o nível de rendimentos, chegando a ultrapassar os 50%. Já no Brasil, a alíquota máxima não vai além dos 27,5%. Em consequência, um assalariado de classe média que receba R$ 15.000,00 ao mês vai arcar com o mesmo percentual de 27,5 que um super-executivo que aufira R$ 500.000,00.

Contudo, uma análise um pouco mais cuidadosa vai nos revelar um fato que os mais abastados desejam manter oculto: a cobrança de impostos por aqui não é feita prioritariamente em função dos rendimentos alcançados e sim pelo consumo efetuado. Em vista disto, são os pobres e a classe média os que arcam com quase toda a carga impositiva em vigor no Brasil. Nosso país é um dos únicos do mundo onde os rendimentos obtidos como dividendos não sofrem taxação alguma e os outros lucros têm taxação insignificante. Em outras palavras, aquilo que se poderia classificar como ganhos de cunho nitidamente parasitário fica imune à tributação. A base de nossa estrutura impositiva está centrada no consumo. Portanto, a participação dos mais ricos na mesma é percentualmente irrisória, quase nula. Para que não persista nenhuma dúvida a este respeito, vamos destrinchar um exemplo sobre as bases em que está estruturada a tributação por aqui.

Vamos desenvolver nossa exposição a partir de um Brasil hipotético que conta com 100 milhões de contribuintes com o fisco. Deste total, 80 milhões são compostos por trabalhadores e gente de classe média assalariada que ganham a cada mês, em média, R$ 2.500,00. Os outros 20 milhões são ricos, que auferem uma média mensal de R$ 50.000,00. Em nossa suposição, vamos considerar que todo o rendimento obtido pelos assalariados será gasto em bens de consumo. Por sua vez, os ricos vão dedicar ao consumo um montante quatro vezes superior ao consumo dos assalariados, ou seja, uma média mensal de R$ 10.000,00.

Adicionalmente, vamos considerar que os bens de consumo são taxados em média em 25% de seu valor de venda. A partir destes dados iniciais, chegaremos aos seguintes números:

a) Renda total dos contribuintes: R$ 1.200.000.000.000,00 (sendo R$ 200.000.000.000,00 – assalariados – e R$ 1.000.000.000.000,00 – ricos);

b) Gastos de consumo por assalariado: R$ 200.000.000.000,00 (80.000.000 x 2.500);

c) Impostos pagos pelos assalariados: R$ 50.000.000.000,00 (25% de seu total dos rendimentos);

d) Gastos de consumo dos ricos: R$ 200.000.000.000,00 (20.000.000 x R$ 10.000,00)

e) Impostos pagos pelos ricos: R$ 50.000.000.000,00 (5% de seu total de rendimentos)

f) Arrecadação total de impostos: R$ 100.000.000.000,00 (c + e);

g) Incidência percentual da carga impositiva sobre os assalariados: 50%;

h) Incidência percentual da carga impositiva sobre os ricos: 50%

i) Percentual dos rendimentos dos assalariados na renda total: 16,66% (R$ 200.000.000.000,00 de R$ 1.200.000.000.000,00);

j) Percentual dos rendimentos dos ricos na renda total: 83,34% (R$ 100.000.000.000.000,00 de R$ 1.200.000.000.000,00)

Constatamos, portanto, que apesar de representarem 80% da população, os assalariados ficam com tão somente 16,66% da renda total. Os ricos, por sua vez, embora se limitem a 20% da população, abocanham 83,34% dos rendimentos. No entanto, como a tributação se dá principalmente pela via da taxação dos bens de consumo, os assalariados acabam assumindo a metade da carga total, numa incidência individual de 25%, enquanto que os mais ricos permanecem na faixa de 5%.

Pôr fim a tão evidente injustiça não é uma tarefa fácil, pois, como já explicamos, os exploradores que se beneficiam desta aberração preferem investir alguns trocados para fazer que os escribas a seu serviço se dediquem a aterrorizar os mais incautos sobre o que significaria uma mudança nas atuais regras impositivas. O que os ricos neoliberais almejam é continuar sugando o sangue dos mais carentes.

 

Ø  Florestan Fernandes Jr: Dinheiro acima de tudo, renúncia fiscal acima de todos

 

“Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” Essa passagem bíblica deveria ter sido lembrada hoje (19/01) por Fernando Haddad, no encontro com líderes evangélicos que foram exigir que a Receita Federal recuasse da suspensão da isenção do imposto de renda sobre a remuneração de pastores e líderes religiosos, concedida pelo governo Bolsonaro, às vésperas das eleições de 2022.

Para pressionar o governo, os “mercadores da fé” contam com os milhões de votos de seus fiéis e com o peso dos votos dos 216 deputados e 26 senadores que compõem a frente parlamentar evangélica.

Exigência parecida está sendo feita pelos 17 setores agraciados com a desoneração da folha de pagamento. Uma política de desconto de impostos que já dura 14 anos e que tinha como contrapartida a geração e manutenção de empregos pelos setores beneficiados. O que, pelo que sabemos, não foi cumprido.

O custo desta renúncia fiscal representa para os cofres do país algo em torno de 32 bilhões de reais. Esse é o “dízimo” que empresas agraciadas com a desoneração, como as Organizações Globo, cobram do governo e do parlamento. 

O curioso é que boa parte dos membros e líderes dessas denominações religiosas e das empresas de comunicação, que tão energicamente advogam e cobram o controle fiscal, o corte de gastos públicos, são extremamente maleáveis quando a gastança atende aos interesses pessoais deles próprios. Contraditório, caro leitor. O que me vem à mente é aquela máxima do oportunismo: “farinha pouca, meu pirão primeiro!”

Quanto a nós, contribuintes, reles mortais, não existe benesse. Entra ano, sai ano e somos arrochados por todos os lados: IPVA, IPTU, IRPF, IRPJ, ICMS, IOF, IPI e todos os “Is” (de imposto), possíveis e imagináveis. Não há refresco.

Os três irmãos, filhos de Roberto Marinho, continuam sendo uma das famílias mais ricas do país, com patrimônio estimado, segundo matéria publicada no UOL, de 5,4 bilhões de dólares ou 27,4 bilhões de reais. 

Já as fortunas dos principais líderes evangélicos do país, não ficam muito atrás da dos Marinho. Numa pesquisa no Google, Edir Macedo aparece com uma fortuna estimada em 1,2 bilhão de dólares, algo em torno de 6 bilhões de reais. 

E são esses os que mais se ressentem de qualquer medida que represente o mínimo de justiça fiscal. São esses que, defendendo o seu – e somente o seu - despejam sua ira e lançam mão de suas armas – uns, a mídia e produção de conteúdos, que dominam; outros, a chantagem, seja com ameaça de retaliação no Parlamento, seja na incitação do ódio dos fiéis contra o governo federal.

E aqui, caro leitor, lembro que a Bíblia – regra de fé e prática dos que se dizem cristãos – chama de idólatras todas as pessoas que fazem do dinheiro e da riqueza o seu deus. Lembro ainda que Jesus, no sermão da montanha, disse que ninguém pode servir a dois senhores, que não é possível servir a Deus e a Mamon (termo usado na Bíblia para descrever dinheiro e riquezas materiais).

Ou seja, para os cristãos, a relação com o dinheiro é algo muito sério e requer um cuidado atencioso, pois pode perverter o coração do homem. O dinheiro pode se tornar uma fonte de idolatria. Em 1 Timóteo, capítulo 6, versículos 9 a 10, o recado é muito claro: “No entanto, os que ambicionam ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitas vontades loucas e nocivas, que atolam muitas pessoas na ruína e na completa desgraça. Porquanto, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e por causa dessa cobiça, alguns se desviaram da fé e se atormentaram em meio a muitos sofrimentos.”

Um pouco antes, no capítulo 3 do mesmo livro de 1 Timóteo, a regra de como um pastor deve ser: “É fundamental, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só esposa, equilibrado, tenha domínio próprio, seja respeitável, hospitaleiro, capacitado para ensinar; não deve ser apegado ao vinho, nem violento, mas sim amável, pacífico e não amante do dinheiro.”

São esses os textos que os líderes religiosos conhecem muito bem, mas parecem não se lembrar.

A reação irada dos líderes evangélicos que, como todos nós, passarão a pagar impostos sobre suas remunerações, é bastante indicativa do que realmente interessa a eles: o próprio bolso, engordado pelo dízimo e protegidos pelas benesses fiscais, estas a custas de todos nós, crentes e descrentes.

 

Fonte: Brasil 247

 

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