Guerra em Gaza tem motivos financeiros que
a grande mídia não cobre, diz ex-analista da CIA
Israel tem continuado
a sua estratégia de não desistir da guerra contra os militantes do Hamas na
Faixa de Gaza, apesar da indignação global com o enorme número de civis mortos,
com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometendo pressionar pela
"vitória completa".
Israel vê "um
interesse econômico real" em Gaza, e isso explica por que não importa a
extensão da indignação global e a campanha militar de Tel Aviv no enclave
sitiado continua, disse o ex-analista da CIA e cofundador do grupo Veteran
Intelligence Professionals for Sanity, Ray McGovern, à Sputnik.
"Os israelenses
veem um interesse econômico real em dominar Gaza. E é por isso, claro, que [o
primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu deixou bem claro: não, eles não têm
intenção de deixar Gaza. Ela vai fazer parte de Israel, a menos que
[israelenses] sejam confrontados por pessoas que considerem importante defender
os palestinos e vão agir para acabar com o genocídio que está ocorrendo neste
momento, e que o nosso governo, os Estados Unidos, não está apenas permitindo,
mas fornecendo armas e outros apoios políticos", disse McGovern.
No final de dezembro,
a administração Biden contornou o Congresso e aprovou mais armas e munições
para Israel. O pacote foi aprovado através de uma determinação de emergência e
cobriu uma venda no valor de US$ 147,5 milhões (cerca de R$ 727,8 milhões), tudo
isso em meio aos apelos retóricos de Washington para o fim das mortes de civis
no território.
·
'Campos ricos em gás offshore'
"Do lado
econômico, que é muito importante, claro, Israel tem um interesse primordial em
proteger os seus 'direitos' às águas territoriais de Gaza, onde existem ricos
campos de gás na costa. Israel reivindica a propriedade exclusiva dessas águas
territoriais. E há esse projeto para um gasoduto do Mediterrâneo Oriental que
permitiria a Israel exportar para Itália e para outros lugares da União
Europeia [UE] o gás natural que apreendeu pela força militar aos palestinos em
Gaza. E isso é algo que você realmente não vê na grande imprensa aqui, não
é?", questionou o especialista.
"Portanto,
genocídio é genocídio e, a menos que isso seja interrompido, Israel não só
lucrará com 'segurança adicional' por um tempo, mas também lucrará com uma
'reivindicação' melhor ou uma reivindicação semi ou quase legal sobre a costa
de Gaza, que, como as pessoas sabem, é muito rica em depósitos de gás",
sublinhou McGovern.
À medida que a guerra
de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza continua, o primeiro-ministro
Benjamin Netanyahu insiste que "não comprometerá o controle total
israelense" sobre Gaza, afirmando no dia 20 de janeiro que "isso é
contrário a um Estado palestino".
À medida que as Forças
de Defesa de Israel (FDI) intensificam os ataques à cidade de Khan Yunis, e a
situação trágica aumenta implacavelmente o número de mortos civis, qualquer
acordo viável sobre um cessar-fogo e a libertação dos cerca de 130 reféns ainda
mantidos em cativeiro pelo Hamas ainda está por ser acordado. Até agora, os
militares israelenses não conseguiram derrotar o grupo militante em Gaza, que
enfrenta perdas de tropas e de equipamento, enquanto os protestos globais que
condenam o "genocídio" contra os palestinos não mostram sinais de
abrandamento.
No dia 7 de outubro, o
movimento palestino Hamas lançou um ataque de foguetes em grande escala contra
Israel a partir da Faixa de Gaza, enquanto os seus combatentes violavam a
fronteira. Como resultado, mais de 1.200 pessoas em Israel foram mortas e cerca
de 240 foram raptadas. Israel lançou ataques retaliatórios, ordenou um bloqueio
total de Gaza e lançou uma incursão terrestre no enclave palestino com o
objetivo declarado de eliminar o Hamas e resgatar os reféns. Mais de 25 mil
pessoas foram mortas até agora em Gaza como resultado de ataques israelenses,
disseram as autoridades locais.
Olhando para o futuro,
McGovern sugeriu que "muito dependerá do resultado do genocídio em Gaza,
se isso poderá continuar ou se nós [os Estados Unidos] finalmente diremos [...]
'chega de armas até que você pare o assassinato em Gaza'", concluiu o
especialista.
·
Pentágono enfrenta conta de US$ 1,6 bi por
atividade no Oriente Médio em meio a impasse orçamentário
O Pentágono está se
debatendo com uma pesada conta de US$ 1,6 bilhão (cerca de R$ 7,8 bilhões) para
o reforço militar no Oriente Médio, após os ataques de 7 de outubro do Hamas
contra Israel.
A estimativa, enviada
pelo Departamento de Defesa aos membros do Congresso, inclui o envio de navios
de guerra, caças e equipamentos adicionais para a região, um esforço que tem
sido sustentado pelos últimos quatro meses.
Este encargo
financeiro surgiu devido à incapacidade dos legisladores de aprovar um
orçamento, deixando o Pentágono com fundos insuficientes para cobrir as
operações não planejadas. Os custos crescentes, que provavelmente devem atingir
US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 10,8 bilhões) ao longo de um ano inteiro, chegam
em um momento crítico, à medida que as negociações sobre o pedido suplementar
de mais de US$ 100 bilhões (aproximadamente R$ 490,9 bilhões) do presidente
norte-americano Joe Biden para Israel, Ucrânia e Taiwan atingem um ponto
crucial no Senado.
Desde o ataque de 7 de
outubro a Israel, o Pentágono aumentou a sua presença no Oriente Médio,
destacando um grupo de ataque adicional de porta-aviões, navios anfíbios que
transportam fuzileiros navais, aviões de combate, defesas aéreas e centenas de
tropas inicialmente destinadas a impedir uma nova escalada, forças que têm
protegido mais recentemente navios civis no mar Vermelho de ataques houthis.
No entanto, a ausência
de um projeto de lei de despesas anual acordado para o Departamento de Defesa
deixou os militares sem os fundos necessários para estas operações. Os
legisladores estão agora considerando opções como incorporar os custos na lei
de despesas anuais, adicioná-los ao suplemento de emergência para a Ucrânia e
Israel, ou criar um suplemento autônomo para os custos de guerra.
Um funcionário,
reconhecendo o desafio financeiro, comentou que a conta que surge precisa ser
paga.
"É uma conta
devida e teremos que pagá-la dentro de uma quantidade limitada de
recursos", ponderou.
Embora as negociações
estejam em curso, há incerteza sobre se o financiamento para o Oriente Médio
deve ser incluído no suplemento. A presidente de dotações do Senado, Patty
Murray, enfatizou a necessidade de avaliar o quadro completo antes de tomar uma
decisão. O presidente dos Serviços Armados do Senado, Jack Reed, sugeriu que,
dados os custos inesperados, um suplemento separado poderia ser necessário.
À medida que o
Congresso avança nestas discussões, a urgência do financiamento se torna ainda
mais evidente, com alguns senadores argumentando que os militares não podem
esperar muito mais tempo.
"Eles precisam
disso mais cedo. Eles estão ficando sem fundos rapidamente", disse a
senadora Susan Collins, a republicana mais importante no Comitê de Dotações do
Senado.
Os custos associados
às operações não planejadas no Oriente Médio, abrangendo o período de 120 dias
de outubro a janeiro, se dividem em custos de pessoal militar, operações e
manutenção, aquisições, investigação e desenvolvimento e transporte.
A projeção do
Pentágono de manter estas operações durante um ano inteiro coloca o preço total
em US$ 2,2 bilhões (R$ 108,3 bilhões). A necessidade de uma resolução é cada
vez mais premente, uma vez que o Pentágono enfrenta um déficit financeiro
crescente na sequência dos compromissos militares imprevistos no Oriente Médio.
Ø
'Orgulho e preconceito': a importância do
Hamas para o discurso político de Benjamin Netanyahu
Em 2007, um telegrama
vazado do chefe de inteligência militar do Exército israelense afirmava algo
que poucos pareciam acreditar. Tratava-se de uma conversa com o embaixador dos
Estados Unidos em Tel Aviv, no qual o oficial dizia estar feliz pelo Hamas ter
assumido o controle de Gaza, pois assim Israel poderia tratar Gaza como um
"país hostil".
O conteúdo desse
telegrama teve lugar apenas um ano depois de o Hamas ter vencido as eleições
locais palestinas, resultando no controle do grupo sobre o território conhecido
como Faixa de Gaza. Inicialmente, tanto para os Estados Unidos quanto para
Israel, a vitória do Hamas em 2006 foi um acontecimento indesejável. Afinal, o
Hamas era um grupo extremista que prometia usar de violência para atingir seus
objetivos políticos, além de declaradamente não admitir a existência do Estado
de Israel na região. A partir de 2006, eles estavam no controle da Faixa de
Gaza e a praticamente uma hora de distância de Tel Aviv.
Contudo, mesmo antes
de o Hamas chegar ao poder, as tensões entre grupos palestinos e setores da
direita israelense já eram bastante altas. E é justamente de setores da direita
nacionalista israelense que se origina o atual primeiro-ministro do país, Benjamin
Netanyahu. Por anos, Netanyahu vem discursando sobre os "perigos
iminentes" ao Estado de Israel, oriundos da Palestina. Com isso, ele
conseguiu justificar políticas mais restritivas com os palestinos durante seus
sucessivos governos, consolidando uma imagem de "líder forte" e o
único capaz de lidar com a ameaça de uma nova "intifada".
Com Netanyahu à frente
no poder, aumentou também a instalação de assentamentos israelenses ilegais na
Cisjordânia, assim como o cerco a Gaza, o que amplificou o sofrimento de
palestinos em ambas as regiões. Ao mesmo tempo, o governo israelense reprimia e
assassinava palestinos em busca de elementos terroristas dentro da população
local. Diante desse cenário, o Hamas, que chegou ao poder em Gaza, foi ganhando
cada vez mais força, prometendo lutar contra Israel (a "potência
ocupante") até a vitória final do povo palestino.
Ao passo que o Hamas
escolheu a violência como sua linguagem política, as ações de Netanyahu e de
seu gabinete de fragmentar as terras palestinas, oprimir partes da população
local e em seu incentivo aos assentamentos ilegais na Cisjordânia também acabaram
por produzir mais violência na região. Todas essas ações foram
contraproducentes até mesmo para Israel, pois ajudaram a criar um inimigo cada
vez mais determinado e sedento por vingança.
No passado, Benjamin
Netanyahu foi inclusive um dos líderes políticos mais influentes a se
posicionar contra os Acordos de Oslo. Na ocasião — no começo da década de 1990
—, representantes de Israel e da Palestina começavam a empreender negociações
secretas na Noruega para chegar à paz. Um dos resultados dessas negociações,
por exemplo, foi o estabelecimento de uma autoridade governamental palestina,
que recebeu poderes para controlar o território da atual Cisjordânia. Os
palestinos também obtiveram o controle sobre quase toda a Faixa de Gaza, embora
ainda existissem colonos israelenses em ambos os locais.
Entretanto, setores da
direita israelense, dos quais pertencia Netanyahu, começaram a realizar
comícios públicos, chamando o primeiro-ministro da época, Yitzhak Rabin, de
traidor por ter feito concessões aos palestinos durante as negociações em Oslo.
Em consequência das
tensões políticas provocadas por essas manifestações, Rabin foi assassinado em
1995 por um ativista israelense de extrema-direita. No ano seguinte, Benjamin
Netanyahu foi eleito primeiro-ministro de Israel. Aquela tinha sido então a maior
vitória política de sua carreira. Como líder do país, Netanyahu pôde
implementar sua visão particular quanto à questão palestina, visão esta
fortemente matizada por estereótipos e preconceitos. Para Netanyahu, a única
forma de fornecer segurança ao povo judeu era impedir a obtenção de um Estado
nacional pelo povo palestino.
Netanyahu acreditava
que o principal empecilho para a paz na região se tratava da insistente
exigência pelo estabelecimento de um Estado palestino que, segundo ele,
colocaria Israel em um estado de "guerra permanente". Por outro lado,
defendia Netanyahu, se os palestinos desistissem de seu Estado nacional, o
caminho para uma paz real e genuína poderia enfim ser atingido. Essas eram as
visões do atual primeiro-ministro israelense quando chegou ao poder em 1996.
Não sem razão, Netanyahu fez de tudo para sabotar os acordos de paz, alegando
que a ocupação de novos territórios por Israel era sua única garantia de
segurança e de estabilidade para o povo judeu.
Assim, foi sob a
supervisão de Netanyahu que colonos israelenses se moveram com ainda mais
afinco para a Cisjordânia, alterando a configuração étnica da região e violando
normas do direito internacional. Tais esforços eram justificáveis para
Netanyahu, dada a sua profunda desconfiança com relação à ideia de um Estado
palestino independente. Não sem razão, os palestinos — tanto na Cisjordânia
quanto na Faixa de Gaza — chegaram à conclusão de que Israel não deseja lhes
fornecer qualquer tipo de autonomia, a menor que seja, e muito menos aceitar a
ideia de uma Palestina livre. Enquanto isso, Netanyahu e seu governo enrijecem
o discurso político extremado, baseado no orgulho nacional.
Seja como for, o Hamas
foi um ator importante na eclosão da violência recente que vemos hoje, ao
cometer os atentados do dia 7 de outubro, mas nem de longe o único. Israel e o
governo de Netanyahu também têm parte no ocorrido, por conta de suas ações ao longo
dos últimos anos, que resultaram na repressão de grande parte da população
palestina, não só em Gaza, mas também na Cisjordânia, onde o Hamas não está
presente.
Ao final, Netanyahu
poderá usar os ataques do dia 7 para continuar a defender sua visão
profundamente negativa dos palestinos, enquanto faz promessas de segurança ao
povo judeu. O problema é que as políticas de Netanyahu e de seu governo não são
o melhor caminho para esse fim. Mais muros, mais barreiras, mais postos de
controle, mais assentamentos, nada disso vai tornar Israel mais seguro. Pelo
contrário, apenas ampliam as perspectivas de um conflito que parece não ter
fim.
Fonte: Sputnik Brasil
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