domingo, 28 de janeiro de 2024

Guerra em Gaza tem motivos financeiros que a grande mídia não cobre, diz ex-analista da CIA

Israel tem continuado a sua estratégia de não desistir da guerra contra os militantes do Hamas na Faixa de Gaza, apesar da indignação global com o enorme número de civis mortos, com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometendo pressionar pela "vitória completa".

Israel vê "um interesse econômico real" em Gaza, e isso explica por que não importa a extensão da indignação global e a campanha militar de Tel Aviv no enclave sitiado continua, disse o ex-analista da CIA e cofundador do grupo Veteran Intelligence Professionals for Sanity, Ray McGovern, à Sputnik.

"Os israelenses veem um interesse econômico real em dominar Gaza. E é por isso, claro, que [o primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu deixou bem claro: não, eles não têm intenção de deixar Gaza. Ela vai fazer parte de Israel, a menos que [israelenses] sejam confrontados por pessoas que considerem importante defender os palestinos e vão agir para acabar com o genocídio que está ocorrendo neste momento, e que o nosso governo, os Estados Unidos, não está apenas permitindo, mas fornecendo armas e outros apoios políticos", disse McGovern.

No final de dezembro, a administração Biden contornou o Congresso e aprovou mais armas e munições para Israel. O pacote foi aprovado através de uma determinação de emergência e cobriu uma venda no valor de US$ 147,5 milhões (cerca de R$ 727,8 milhões), tudo isso em meio aos apelos retóricos de Washington para o fim das mortes de civis no território.

·        'Campos ricos em gás offshore'

"Do lado econômico, que é muito importante, claro, Israel tem um interesse primordial em proteger os seus 'direitos' às águas territoriais de Gaza, onde existem ricos campos de gás na costa. Israel reivindica a propriedade exclusiva dessas águas territoriais. E há esse projeto para um gasoduto do Mediterrâneo Oriental que permitiria a Israel exportar para Itália e para outros lugares da União Europeia [UE] o gás natural que apreendeu pela força militar aos palestinos em Gaza. E isso é algo que você realmente não vê na grande imprensa aqui, não é?", questionou o especialista.

"Portanto, genocídio é genocídio e, a menos que isso seja interrompido, Israel não só lucrará com 'segurança adicional' por um tempo, mas também lucrará com uma 'reivindicação' melhor ou uma reivindicação semi ou quase legal sobre a costa de Gaza, que, como as pessoas sabem, é muito rica em depósitos de gás", sublinhou McGovern.

À medida que a guerra de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza continua, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu insiste que "não comprometerá o controle total israelense" sobre Gaza, afirmando no dia 20 de janeiro que "isso é contrário a um Estado palestino".

À medida que as Forças de Defesa de Israel (FDI) intensificam os ataques à cidade de Khan Yunis, e a situação trágica aumenta implacavelmente o número de mortos civis, qualquer acordo viável sobre um cessar-fogo e a libertação dos cerca de 130 reféns ainda mantidos em cativeiro pelo Hamas ainda está por ser acordado. Até agora, os militares israelenses não conseguiram derrotar o grupo militante em Gaza, que enfrenta perdas de tropas e de equipamento, enquanto os protestos globais que condenam o "genocídio" contra os palestinos não mostram sinais de abrandamento.

No dia 7 de outubro, o movimento palestino Hamas lançou um ataque de foguetes em grande escala contra Israel a partir da Faixa de Gaza, enquanto os seus combatentes violavam a fronteira. Como resultado, mais de 1.200 pessoas em Israel foram mortas e cerca de 240 foram raptadas. Israel lançou ataques retaliatórios, ordenou um bloqueio total de Gaza e lançou uma incursão terrestre no enclave palestino com o objetivo declarado de eliminar o Hamas e resgatar os reféns. Mais de 25 mil pessoas foram mortas até agora em Gaza como resultado de ataques israelenses, disseram as autoridades locais.

Olhando para o futuro, McGovern sugeriu que "muito dependerá do resultado do genocídio em Gaza, se isso poderá continuar ou se nós [os Estados Unidos] finalmente diremos [...] 'chega de armas até que você pare o assassinato em Gaza'", concluiu o especialista.

·        Pentágono enfrenta conta de US$ 1,6 bi por atividade no Oriente Médio em meio a impasse orçamentário

O Pentágono está se debatendo com uma pesada conta de US$ 1,6 bilhão (cerca de R$ 7,8 bilhões) para o reforço militar no Oriente Médio, após os ataques de 7 de outubro do Hamas contra Israel.

A estimativa, enviada pelo Departamento de Defesa aos membros do Congresso, inclui o envio de navios de guerra, caças e equipamentos adicionais para a região, um esforço que tem sido sustentado pelos últimos quatro meses.

Este encargo financeiro surgiu devido à incapacidade dos legisladores de aprovar um orçamento, deixando o Pentágono com fundos insuficientes para cobrir as operações não planejadas. Os custos crescentes, que provavelmente devem atingir US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 10,8 bilhões) ao longo de um ano inteiro, chegam em um momento crítico, à medida que as negociações sobre o pedido suplementar de mais de US$ 100 bilhões (aproximadamente R$ 490,9 bilhões) do presidente norte-americano Joe Biden para Israel, Ucrânia e Taiwan atingem um ponto crucial no Senado.

Desde o ataque de 7 de outubro a Israel, o Pentágono aumentou a sua presença no Oriente Médio, destacando um grupo de ataque adicional de porta-aviões, navios anfíbios que transportam fuzileiros navais, aviões de combate, defesas aéreas e centenas de tropas inicialmente destinadas a impedir uma nova escalada, forças que têm protegido mais recentemente navios civis no mar Vermelho de ataques houthis.

No entanto, a ausência de um projeto de lei de despesas anual acordado para o Departamento de Defesa deixou os militares sem os fundos necessários para estas operações. Os legisladores estão agora considerando opções como incorporar os custos na lei de despesas anuais, adicioná-los ao suplemento de emergência para a Ucrânia e Israel, ou criar um suplemento autônomo para os custos de guerra.

Um funcionário, reconhecendo o desafio financeiro, comentou que a conta que surge precisa ser paga.

"É uma conta devida e teremos que pagá-la dentro de uma quantidade limitada de recursos", ponderou.

Embora as negociações estejam em curso, há incerteza sobre se o financiamento para o Oriente Médio deve ser incluído no suplemento. A presidente de dotações do Senado, Patty Murray, enfatizou a necessidade de avaliar o quadro completo antes de tomar uma decisão. O presidente dos Serviços Armados do Senado, Jack Reed, sugeriu que, dados os custos inesperados, um suplemento separado poderia ser necessário.

À medida que o Congresso avança nestas discussões, a urgência do financiamento se torna ainda mais evidente, com alguns senadores argumentando que os militares não podem esperar muito mais tempo.

"Eles precisam disso mais cedo. Eles estão ficando sem fundos rapidamente", disse a senadora Susan Collins, a republicana mais importante no Comitê de Dotações do Senado.

Os custos associados às operações não planejadas no Oriente Médio, abrangendo o período de 120 dias de outubro a janeiro, se dividem em custos de pessoal militar, operações e manutenção, aquisições, investigação e desenvolvimento e transporte.

A projeção do Pentágono de manter estas operações durante um ano inteiro coloca o preço total em US$ 2,2 bilhões (R$ 108,3 bilhões). A necessidade de uma resolução é cada vez mais premente, uma vez que o Pentágono enfrenta um déficit financeiro crescente na sequência dos compromissos militares imprevistos no Oriente Médio.

 

Ø  'Orgulho e preconceito': a importância do Hamas para o discurso político de Benjamin Netanyahu

 

Em 2007, um telegrama vazado do chefe de inteligência militar do Exército israelense afirmava algo que poucos pareciam acreditar. Tratava-se de uma conversa com o embaixador dos Estados Unidos em Tel Aviv, no qual o oficial dizia estar feliz pelo Hamas ter assumido o controle de Gaza, pois assim Israel poderia tratar Gaza como um "país hostil".

O conteúdo desse telegrama teve lugar apenas um ano depois de o Hamas ter vencido as eleições locais palestinas, resultando no controle do grupo sobre o território conhecido como Faixa de Gaza. Inicialmente, tanto para os Estados Unidos quanto para Israel, a vitória do Hamas em 2006 foi um acontecimento indesejável. Afinal, o Hamas era um grupo extremista que prometia usar de violência para atingir seus objetivos políticos, além de declaradamente não admitir a existência do Estado de Israel na região. A partir de 2006, eles estavam no controle da Faixa de Gaza e a praticamente uma hora de distância de Tel Aviv.

Contudo, mesmo antes de o Hamas chegar ao poder, as tensões entre grupos palestinos e setores da direita israelense já eram bastante altas. E é justamente de setores da direita nacionalista israelense que se origina o atual primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu. Por anos, Netanyahu vem discursando sobre os "perigos iminentes" ao Estado de Israel, oriundos da Palestina. Com isso, ele conseguiu justificar políticas mais restritivas com os palestinos durante seus sucessivos governos, consolidando uma imagem de "líder forte" e o único capaz de lidar com a ameaça de uma nova "intifada".

Com Netanyahu à frente no poder, aumentou também a instalação de assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia, assim como o cerco a Gaza, o que amplificou o sofrimento de palestinos em ambas as regiões. Ao mesmo tempo, o governo israelense reprimia e assassinava palestinos em busca de elementos terroristas dentro da população local. Diante desse cenário, o Hamas, que chegou ao poder em Gaza, foi ganhando cada vez mais força, prometendo lutar contra Israel (a "potência ocupante") até a vitória final do povo palestino.

Ao passo que o Hamas escolheu a violência como sua linguagem política, as ações de Netanyahu e de seu gabinete de fragmentar as terras palestinas, oprimir partes da população local e em seu incentivo aos assentamentos ilegais na Cisjordânia também acabaram por produzir mais violência na região. Todas essas ações foram contraproducentes até mesmo para Israel, pois ajudaram a criar um inimigo cada vez mais determinado e sedento por vingança.

No passado, Benjamin Netanyahu foi inclusive um dos líderes políticos mais influentes a se posicionar contra os Acordos de Oslo. Na ocasião — no começo da década de 1990 —, representantes de Israel e da Palestina começavam a empreender negociações secretas na Noruega para chegar à paz. Um dos resultados dessas negociações, por exemplo, foi o estabelecimento de uma autoridade governamental palestina, que recebeu poderes para controlar o território da atual Cisjordânia. Os palestinos também obtiveram o controle sobre quase toda a Faixa de Gaza, embora ainda existissem colonos israelenses em ambos os locais.

Entretanto, setores da direita israelense, dos quais pertencia Netanyahu, começaram a realizar comícios públicos, chamando o primeiro-ministro da época, Yitzhak Rabin, de traidor por ter feito concessões aos palestinos durante as negociações em Oslo.

Em consequência das tensões políticas provocadas por essas manifestações, Rabin foi assassinado em 1995 por um ativista israelense de extrema-direita. No ano seguinte, Benjamin Netanyahu foi eleito primeiro-ministro de Israel. Aquela tinha sido então a maior vitória política de sua carreira. Como líder do país, Netanyahu pôde implementar sua visão particular quanto à questão palestina, visão esta fortemente matizada por estereótipos e preconceitos. Para Netanyahu, a única forma de fornecer segurança ao povo judeu era impedir a obtenção de um Estado nacional pelo povo palestino.

Netanyahu acreditava que o principal empecilho para a paz na região se tratava da insistente exigência pelo estabelecimento de um Estado palestino que, segundo ele, colocaria Israel em um estado de "guerra permanente". Por outro lado, defendia Netanyahu, se os palestinos desistissem de seu Estado nacional, o caminho para uma paz real e genuína poderia enfim ser atingido. Essas eram as visões do atual primeiro-ministro israelense quando chegou ao poder em 1996. Não sem razão, Netanyahu fez de tudo para sabotar os acordos de paz, alegando que a ocupação de novos territórios por Israel era sua única garantia de segurança e de estabilidade para o povo judeu.

Assim, foi sob a supervisão de Netanyahu que colonos israelenses se moveram com ainda mais afinco para a Cisjordânia, alterando a configuração étnica da região e violando normas do direito internacional. Tais esforços eram justificáveis para Netanyahu, dada a sua profunda desconfiança com relação à ideia de um Estado palestino independente. Não sem razão, os palestinos — tanto na Cisjordânia quanto na Faixa de Gaza — chegaram à conclusão de que Israel não deseja lhes fornecer qualquer tipo de autonomia, a menor que seja, e muito menos aceitar a ideia de uma Palestina livre. Enquanto isso, Netanyahu e seu governo enrijecem o discurso político extremado, baseado no orgulho nacional.

Seja como for, o Hamas foi um ator importante na eclosão da violência recente que vemos hoje, ao cometer os atentados do dia 7 de outubro, mas nem de longe o único. Israel e o governo de Netanyahu também têm parte no ocorrido, por conta de suas ações ao longo dos últimos anos, que resultaram na repressão de grande parte da população palestina, não só em Gaza, mas também na Cisjordânia, onde o Hamas não está presente.

Ao final, Netanyahu poderá usar os ataques do dia 7 para continuar a defender sua visão profundamente negativa dos palestinos, enquanto faz promessas de segurança ao povo judeu. O problema é que as políticas de Netanyahu e de seu governo não são o melhor caminho para esse fim. Mais muros, mais barreiras, mais postos de controle, mais assentamentos, nada disso vai tornar Israel mais seguro. Pelo contrário, apenas ampliam as perspectivas de um conflito que parece não ter fim.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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