sábado, 27 de janeiro de 2024

Ansiedade e pensamentos suicidas: os riscos de bebidas energéticas para crianças e adolescentes

A venda de todas as bebidas energéticas a jovens e crianças no Reino Unido deveria ser proibida, aponta uma das mais recentes pesquisas sobre os seus efeitos na saúde.

O estudo ligou o consumo dessas bebidas a mais riscos do que os anteriormente encontrados - identificando ansiedade, estresse e pensamentos suicidas.

Essas bebidas geralmente contêm altos níveis de cafeína e açúcar e são vendidas como "fontes de energia".

A maioria dos supermercados do Reino Unido introduziu uma proibição voluntária da venda de bebidas energéticas a menores de 16 anos.

Uma proibição total, que abrangeria também lojas menores, revendedores online e máquinas de venda automática, foi proposta na Inglaterra e Escócia em 2019.

Autoridades de saúde na Inglaterra disseram que darão uma resposta ao assunto "no devido tempo".

No final da revisão, 40 organizações relacionadas à saúde escreveram uma carta à Secretária de Saúde britânica, Victoria Atkins, para repetir os pedidos para restringir as vendas de bebidas energéticas.

"Muitas dessas bebidas contêm grandes quantidades de cafeína, em alguns casos entre 160-200 mg por lata. Essa quantidade é o dobro da encontrada em uma xícara média de café (cerca de 80 mg, dependendo da intensidade)", diz a carta.

A embalagem das bebidas costuma dizer que elas não são adequadas para crianças, mas podem ser facilmente compradas por menores de 18 anos em pequenas mercearias, dizem os pesquisadores e especialistas.

As bebidas energéticas são comercializadas como estimulantes físicos e mentais e fornecem mais energia do que os refrigerantes convencionais.

É um mercado enorme e em crescimento. Até um terço das crianças do Reino Unido consomem esse tipo de bebida ao menos uma vez por semana.

Amelia Lake, professora de nutrição em saúde pública na Universidade de Teesside, que liderou a revisão dos estudos, analisou 57 pesquisas recentes sobre bebidas energéticas e o seu impacto na saúde dos jovens. Mais de 1 milhão de crianças de 21 países foram incluídas.

"A evidência é clara de que as bebidas energéticas são prejudiciais à saúde mental e física das crianças e jovens, assim como ao seu comportamento e educação", disse ela.

"Precisamos agir agora para protegê-los desses riscos."

A pesquisa descobriu que os meninos eram mais propensos do que as meninas a tomar bebidas energéticas.

E o consumo regular da bebida tinha maior probabilidade de levar os jovens a consumirem drogas, a serem violentos e a praticarem sexo sem proteção.

Problemas de sono, mau desempenho escolar e dieta pouco saudável também estavam intimamente relacionados ao uso de bebidas energéticas, concluiu a revisão.

Lake disse que, embora a sua pesquisa não tenha conseguido provar que as bebidas energéticas causaram danos diretos à saúde — porque os estudos dietéticos são sempre observacionais —, os resultados foram importantes e constituem as melhores provas disponíveis.

É possível que as bebidas energéticas estejam associadas a danos à saúde porque aqueles que as consomem com frequência têm maior probabilidade de adquirirem outros hábitos não saudáveis — como fumar ou beber álcool, por exemplo.

·        Avisos sobre cafeína

A orientação oficial diz que as pessoas não devem consumir mais do que 3 mg de cafeína por quilograma de peso corporal.

"É muito fácil um jovem tomar essa quantidade", diz Lake, com a cafeína equivalente a dois cafés numa lata grande de bebida energética.

Há também um elevado teor de açúcar que pode danificar os dentes das crianças e, se já não se alimentarem de forma saudável, contribuir para a obesidade.

Alguns países, como a Letônia e a Lituânia, já proibiram a venda de bebidas energéticas às crianças, mas é muito cedo para avaliar o impacto da medida.

Outros países, como a Finlândia e a Polônia, podem seguir o exemplo.

A Inglaterra e a Escócia realizaram uma consulta pública sobre o fim da venda para crianças há quatro anos, e o País de Gales perguntou sobre a mesma questão em 2022.

As regras atuais determinam que as bebidas que contenham cafeína de qualquer fonte, em níveis superiores a 150 mg por litro, devem ter uma indicação no rótulo: "Alto teor de cafeína. Não recomendado para crianças, mulheres grávidas ou lactantes".

"Fizemos uma consulta pública para acabar com a venda de bebidas energéticas a crianças menores de 16 anos na Inglaterra e apresentaremos a nossa resposta completa no seu devido tempo", afirmou um porta-voz do Departamento de Saúde e Assistência Social britânico.

"Entretanto, muitos grandes comércios e supermercados aplicaramvoluntariamente uma proibição da venda de bebidas energéticas a menores de 16 anos."

Recomenda-se que crianças e outras pessoas sensíveis à cafeína a consumam apenas com moderação.

William Roberts, da Royal Society for Public Health, disse que o estudo "aumenta as evidências crescentes de que as bebidas energéticas podem ser prejudiciais à saúde física e mental de crianças e jovens, tanto a curto como a longo prazo".

"É por isso que precisamos que o governo do Reino Unido intensifique e cumpra o seu compromisso de 2019 de proibir a venda de bebidas energéticas a menores de 16 anos."

 

Ø  'O vício em energéticos tem arruinado minha vida'

 

Uma escocesa que consome mais de 30 latas de energéticos por dia diz que sua dependência da bebida é pior do que o vício em jogos de apostas, do qual já conseguiu se recuperar.

Emma Forrest consome 3 mil calorias por dia - o equivalente a 200 colheres de chá em açúcar - e diz que ela preferiria cortar os laços com sua irmã gêmea do que abrir mão da bebida.

Aos 29 anos, ela se levanta cinco vezes por noite para saciar o vício e faz apenas uma refeição por dia para equilibrar o peso.

Agora, ela pede ajuda para lidar com o vício.

Forrest, que já foi viciada em apostas, gasta por semana 250 libras (cerca de R$ 1.159) em bebidas energéticas e refrigerantes.

·        2 mil latas

Ela contou sua história à BBC.

"Tudo começou há cerca de três anos e meio", lembra. "Eu costumava beber três latas, depois seis, e depois mais e mais. Eu me lembro de chegar a 20 latas por dia. E hoje, sem isso, eu fico com muita dor de cabeça".

"Eu nunca deixo de ter uma lata em minhas mãos. Estou sentada neste exato momento segurando duas latas - uma de refrigerante e outra de energético".

"Eu mantenho um estoque de 2 mil latas em casa e outras 48 na casa da minha irmã".

Forrest, que vive na cidade de Selkirk, no sul da Escócia, se vê forçada a levar uma mala cheia de latinhas quando viaja de férias.

"Se eu não beber, fico com dor de cabeça e tremores. Então, consumir essas bebidas faz eu me sentir normal como todo mundo o dia inteiro, todos os dias", explica.

Apesar de dizer não conseguir abrir mão das bebidas, ela defende a proibição para que menores de 16 comprem energéticos - para evitar que outros jovens cheguem a tal nível de dependência.

·        'Não estou feliz'

"Odeio ver crianças e jovens consumindo essas bebidas", diz Forrest. "São tão viciantes. Se elas (crianças e jovens) começarem a beber com 10 anos, ao chegarem aos 16 elas estarão viciadas. Só precisei de três anos para chegar a este ponto".

A escocesa reconhece que seu vício está lhe fazendo mal.

"Eu não estou feliz. Tive muito sofrimento quanto a isso".

Contrariando as expectativas, no entanto, ela recebeu um atestado de boa saúde bucal de seu dentista e não ganhou peso com o vício. Para isso, porém, ela segue uma dieta no mínimo atípica.

"Eu só faço uma refeição por dia. Não como café da manhã e me alimento por volta de 15h. Ontem, comi uma baguete e só."

Mas ela quer se livrar desse hábito.

Diante do vício em apostas, ela conseguiu se recuperar se proibindo de ir a casas de jogos. Mas ela teme ser impossível evitar lojas em que os energéticos e refrigerantes são vendidos.

"Eu diria com convicção, tendo sido viciada antes, que com certeza sou dependente. Não acho que é uma escolha. Eu preciso disso (das bebidas)".

Forrest está prestes a se consultar com uma psicóloga especialista em vícios e espera que isto possa livrá-la do hábito.

Para a psicóloga comportamental Judy James, Forrest pode ser bem-sucedida no combate ao vício se conseguir a mesma força de vontade que teve ao superar a dependência de jogos de apostas.

"Parece que ela tem uma personalidade inclinada a vícios, mas isso não quer dizer que não haja esperança para ela. Ela ainda pode ter controle da situação. Emma precisa construir um senso de controle. Seria ótimo se ela conversasse com algum especialista médico para ficar sabendo das perspectivas a longo prazo se parasse de consumir essas bebidas. As dores de cabeça e outras coisas (efeitos colaterais) irão embora. Ela claramente foi capaz de interromper o vício em apostas. Há um caminho de saída. Ela tem força para parar (com o vício)".

Enquanto isso, porém, a nutricionista Kawther Hasham adverte que Forrest tem consumido uma quantidade de açúcar extremamente danosa à saúde.

"Os níveis de açúcar em alguns energéticos são excessivamente altos. Isso leva a um risco maior de obesidade e diabetes do tipo 2", afirma a nutricionista.

A isso se somam os malefícios da dieta autoimposta por Forrest. "É preocupante, porque uma pessoa precisa de diferentes nutrientes de grupos alimentícios distintos. Assim, fazer uma só refeição (por dia) é um problema. Nessas bebidas (energéticas e refrigerantes), não há nutrientes, só calorias vazias sem valor nutricional. E a cafeína traz um elemento de vício e consequências como insônia."

 

Fonte: BBC Saúde 

 

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