Por que o Carf é a
“galinha dos ovos de ouro” do governo
No
apagar das luzes do Congresso antes do recesso, o governo obteve vitória
crucial para o plano fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O Planalto
conseguiu um acordo para a aprovação do projeto de lei que retoma o voto de
qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), após momentos
ao longo da semana em que se acreditava que o tema só seria apreciado em
agosto.
O
voto de qualidade, em que o governo tem a palavra de desempate em questões
tributárias julgadas no Carf, havia sido derrubado em 2020. O governo estima
que pode arrecadar, neste ano, em torno de R$ 50 bilhões adicionais com a
mudança, embora os números sejam incertos.
Inicialmente,
o governo Lula tentou estabelecer a volta do voto de qualidade por medida
provisória. Mas, sem acordo com o Congresso, a MP caducou, o que obrigou o
Planalto a enviar um projeto de lei.
Após
a aprovação nesta sexta-feira (7/7), o ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, atribuiu a mudança no Carf ao que chamou de “trabalho
incansável” de Haddad.
Nos
últimos dias, o ministro chegou a ventilar que votar o PL do Carf antes do
recesso poderia ser tão ou mais importante do que apreciar a reforma
tributária, também aprovada na Câmara nesta semana.
Desde
o começo do ano, retomar a palavra final nos julgamentos no Carf é uma pequena
obsessão de Haddad. O ministro falou repetidas vezes sobre o tema e o inseriu
logo em sua primeira apresentação de medidas para reduzir o rombo fiscal, ainda
em janeiro.
“Não
há nenhum país no mundo que tenha esse sistema de solução de litígio”, disse o
ministro ao defender a volta do voto de qualidade. “Nenhum país da OCDE ou do
G20 tem esse sistema.”
• Recursos
O
Carf é um órgão colegiado responsável por julgar recursos administrativos de
questões fiscais e tributárias – no geral, disputas entre governo e
contribuintes, com a maioria das grandes causas relacionadas a débitos
tributários de empresas. O órgão é formado por representantes da Fazenda e dos
contribuintes, sobretudo associações empresariais.
Com
o voto de qualidade, a palavra final em caso de empate fica a cargo do
presidente do Carf (sempre um representante da Fazenda). O mecanismo foi
derrubado em 2020, por medida provisória no governo Jair Bolsonaro. Desde
então, o contribuinte passou a ser favorecido no caso de empate.
“A
verdade é que não são números tão significativos perante o que o fisco ganha,
porque poucos processos chegam ao cenário de voto de desempate. Mas houve uma
revolta muito grande por parte do fisco [com o fim do voto de qualidade em
2020]”, diz William Almeida, diretor da Alldax Contabilidade e Consultoria.
Em
2022, pouco menos de 2% dos casos empataram no Carf. Ainda assim, o olho do
governo no tema vem da soma de recursos que tramita no colegiado: o Instituto
Justiça Fiscal (IJF) considera um estoque atual de mais de R$ 1 trilhão em
disputa no Carf. A Fazenda afirmou no começo do ano que só 130 empresas
respondiam por metade do montante, quase R$ 600 bilhões.
Com
o que ficou represado de anos anteriores, o IJF estima que mais de R$ 250
bilhões em autuações da Receita sofreriam cancelamento sem o voto de qualidade.
Muitos
casos levam anos até serem julgados, e é impossível, por ora, precisar quanto
dinheiro entraria no caixa da União e quando.
O
próprio governo fala em números diversos a cada declaração. Nas contas da
Fazenda em declarações públicas, a volta do voto de qualidade do Carf pode
gerar, só em 2023, até R$ 50 bilhões por processos represados. No começo do
ano, Haddad chegou a apontar estimativa menor, de R$ 35 bilhões, em seu
primeiro plano fiscal.
Rodrigo
Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial do Coppead, escola de
negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que o valor
pode ser menor do que os R$ 50 bilhões sugeridos pelo governo. Isso ocorreria
devido ao volume menor de processos nos últimos anos. “O governo fala dos
montantes de 2019, antes da pandemia. Com o que foi julgado em 2022, acredito
que o ganho pode ser menor, de R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões”, diz.
Para
os próximos anos, o governo também fala em potenciais ganhos de R$ 15 bilhões
de forma permanente. Na defesa do tema, a equipe econômica espera ainda um
potencial estímulo ao combate à sonegação com as mudanças no Carf, mesmo nos
casos em que um processo não for decidido por voto de qualidade.
• Mudanças no texto
Na
outra ponta, para angariar consenso, o relator Beto Pereira (PSDB-MS)
apresentou novo substitutivo no último dia 3 de junho com menos custos para
perdedores de processos no Carf, uma das principais reclamações das empresas
anteriormente. O tema era demandado também pela Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), que chegou a entrar na Justiça contra a volta do voto de qualidade.
“Em
algumas penalidades, estão tirando multa. Incentiva o contribuinte a querer
quitar logo a questão, a depender do caso”, diz Almeida, da Alldax.
Outra
das principais mudanças foi a possibilidade de causas menores recorrerem ao
Carf. O governo propunha o mínimo de mil salários mínimos (R$ 1,32 milhão) para
uma causa chegar ao Carf, mas o relator manteve o limite em 60 salários mínimos
(R$ 79,2 mil).
“Na
proposta do governo, uma dívida de R$ 80 mil iria diretamente para a Justiça
comum. Agora, pode recorrer ao Carf, o que atrasa o julgamento, porque se cria
mais uma instância”, afirma Leite, do Coppead/UFRJ.
“Então,
essa aprovação, embora positiva para o governo, veio com algumas mudanças em
relação ao que era desejado originalmente”, diz o professor.
Ainda
assim, parte do impacto da volta do voto de qualidade para o governo foi
constatado já nos primeiros meses do ano, período em que o mecanismo valeu por
medida provisória. Com a volta do peso duplo do fisco, quase 95% dos processos
com empate terminaram com decisão a favor da União, segundo levantamento do
site especializado Jota.
Hoje,
o déficit nas contas públicas para 2023 é projetado em R$ 136 bilhões (1,3% do
PIB), e Haddad tem dito que quer o déficit em R$ 100 bilhões ou menos, podendo
ficar abaixo de 1% do PIB. Além disso, a meta no novo marco fiscal é chegar
perto de zerar o déficit, o que é visto como difícil por analistas de mercado.
Para chegar minimamente perto desse objetivo, e com a pouca disposição atual
para cortar gastos, o governo correrá atrás de todos os bilhões que puder – e o
Carf será medida central nesse processo, neste e nos próximos anos.
Em vitória de Haddad, Carf retoma ‘voto
de qualidade’
A
Câmara deu nova vitória ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao aprovar
nesta sexta, 7, de forma simbólica, o projeto de lei que retoma o chamado “voto
de qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O texto
segue agora para avaliação no Senado.
Um
dos trunfos da equipe econômica para aumentar a arrecadação e cumprir as metas
de resultado primário do arcabouço fiscal, a matéria virou barganha política
nos últimos dias. Deputados queriam um aceno concreto do Palácio do Planalto
com a entrega de ministérios ao Centrão depois da aprovação da reforma
tributária.
A
definição do Carf formava com a reforma tributária e o projeto do novo
arcabouço fiscal um pacote que o governo tentava aprovar ainda nesta semana,
antes do recesso parlamentar. Dos três, ficou sem decisão o texto das regras
fiscais. Em entrevista à Globonews, o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), disse que ele será votado com “alterações mínimas”, mas só em agosto.
Antes
da votação de ontem, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha,
chegou a dizer que o governo estava aberto a discutir a entrada de outras
forças políticas na Esplanada. Ele foi à Câmara negociar o Carf com Lira e
líderes partidários. Padilha confirmou que houve ainda uma conversa por
telefone entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Lira. Haddad também se
reuniu ontem com Lira e lideranças da Casa.
O
Carf é o tribunal que julga conflitos tributários entre a Receita Federal e os
contribuintes. Até 2020, existia o chamado “voto de qualidade”, um desempate a
favor do Fisco nos julgamentos. Naquele ano, o Congresso derrubou o
dispositivo, que foi retomado em janeiro deste ano pelo governo Lula por meio
de uma medida provisória. A MP venceu sem ser votada pelos deputados, mas
Haddad elaborou um projeto de lei com urgência constitucional com o mesmo
conteúdo.
O
relator da proposta, Beto Pereira (PSDB-MS), retomou o “voto de qualidade”, mas
excluiu as multas cobradas dos contribuintes em caso de derrota, como
estabelecido por acordo firmado entre o governo e a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB).
O
deputado, contudo, manteve a regra atual sobre o chamado “limite mínimo de
alçada” para acesso ao Carf. Hoje, podem recorrer ao tribunal contribuintes
cujo valor da ação em disputa seja a partir de 60 salários mínimos. O governo
tentou alterar esse piso para mil salários mínimos na MP, com objetivo de
reduzir o número de casos julgados pelo tribunal, mas o relator discordou da
alteração.
• Deputados barram ‘Refis’ para declaração
de débito
No
parecer votado ontem, o relator do projeto do Carf, Beto Pereira (PSDB-MS),
retirou a possibilidade de a Receita Federal firmar transações com os
contribuintes na cobrança de créditos tributários não inscritos em dívida ativa
da União. A inclusão da medida na versão anterior do relatório havia gerado uma
insatisfação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), única autorizada
hoje a realizar esse tipo de procedimento. Segundo Pereira, ficou decidido que
o governo vai enviar um projeto de lei à Câmara para regulamentar essas
transações.
A
Câmara acatou ainda um destaque apresentado ao texto que retirou a
possibilidade de implementar uma espécie de “Refis” para contribuintes que
confessarem de forma espontânea débitos tributários.
O
destaque foi apresentado pelo segundo maior bloco partidário da Casa, composto
por MDB, Republicanos, PSD e Podemos. A proposta inicial estabelecia que
contribuintes que confessassem de forma espontânea a existência de débitos
tributários teriam condições de parcelamento da dívida. Era uma espécie de
“autorregularização tributária”, sugerida por emenda apresentada pelo deputado
Baleia Rossi (MDB-SP).
Volta do voto de qualidade ao Carf pune
contribuintes, mas podia ser muito pior. Por Rafa Santos
A
aprovação pela Câmara dos Deputados do retorno do voto de qualidade aos
julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ocorrida
nesta sexta-feira (7/7), é uma derrota para o contribuinte brasileiro, mas a
situação poderia ser muito pior. Ao menos é isso o que afirmam os advogados
tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Na
opinião de Rafael Fabiano, sócio do escritório RFtax Advogados e Consultores,
embora o atual cenário — sem o voto de qualidade — seja mais benéfico aos
contribuintes, a aprovação do PL 2384/23 não pode ser considerada uma derrota
completa.
"O
texto final acabou, ao menos, 'destravando' o caminho para que o contribuinte
possa buscar o Poder Judiciário para discutir o caso, principalmente por
permitir que o valor e o tipo de garantia possam ser alvo de negociação,
retirando, desse modo, a imposição de que a mesma tenha de se dar apenas por
meio de depósito em dinheiro do valor integral da dívida, seguro-garantia ou
fiança bancária", comentou ele.
Jordão
Luís Novaes Oliveira, da banca Zilveti Advogados, por sua vez, acredita que o
texto ainda pode mudar no Senado. Mesmo assim, ele diz que, do modo como foi
aprovado pela Câmara, o novo voto de qualidade é menos punitivo do que o anterior.
"O
acordo feito entre a Ordem dos Advogados do Brasil e a Câmara dos Deputados
fixou a dispensa dos juros e da multa quando o contribuinte perder em razão do
voto de qualidade. Então esse é um ponto positivo. Além disso, o PL trouxe
outras alterações positivas, como a possibilidade de sustentação oral na
primeira instância. Esse sempre foi um requerimento dos advogados, e isso é um
avanço. De uma forma macro, o PL trouxe avanços porque chegou-se a um
meio-termo", defendeu Oliveira.
• Indecisão e paridade de armas
A
aprovação do voto de qualidade pela Câmara pode não ter sido uma ótima notícia
para os contribuintes, mas ao menos acaba com o cenário de indecisão provocado
pelo fim da vigência da Medida Provisória 1.160, que acabou caducando no Congresso
sem ter sido convertida em lei.
A
MP foi a primeira tentativa do governo de retomar o voto de qualidade, o que
começa a se materializar de modo definitivo com a aprovação do PL 2384/23.
"Todo
o cenário que envolveu a demora na análise da medida provisória paralisou mais
uma vez o Carf e interferiu na vida regular do órgão — já que as matérias em
que o governo tinha pretensão de ganhar, e em que achava que podia dar empate,
estavam sendo retiradas de pauta. É uma situação que complica o andamento do Carf,
que está com as atividades prejudicadas desde a pandemia", explicou
Kildare Araújo Meira, sócio do Covac Sociedade de Advogados.
Já
Augusto Fauvel tem opinião distinta: "A aprovação em lei do voto de
qualidade desequilibra a relação entre Fisco e contribuinte, tornando
desproporcional o processo administrativo fiscal, beneficiando o Fisco e
quebrando drasticamente a paridade de armas."
• Novo voto de qualidade
A
primeira versão do parecer do PL 2384/23 foi apresentada pelo relator do
projeto, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), no último dia 3. O texto não agradou
a parte da base governista, nem à bancada ruralista.
Após
negociações entre os deputados, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério
da Fazenda, chegou-se ao novo parecer, apresentado para votação nesta sexta.
O
novo texto é menos punitivo para as empresas que forem derrotadas com o voto de
qualidade, já que permite que seja apresentada uma proposta de acordo em até 90
dias. Além disso, é possível que os débitos fiscais sejam parcelados em até 12
vezes.
Outra
novidade é que o contribuinte que fechar acordo no prazo deixará de pagar multa
e juros sobre os débitos fiscais. E o relator da matéria vetou a proposta do
governo de aumentar o limite mínimo para o contribuinte acionar o Carf.
Atualmente, casos que envolvem débitos maiores do que R$ 79,2 mil são julgados
pelo tribunal administrativo. O governo queria aumentar esse valor para R$ 1,3
milhão.
Fonte:
Metrópoles//IstoÉ/Conjur
Nenhum comentário:
Postar um comentário