domingo, 9 de julho de 2023

O polêmico plano do Japão de despejar água da usina nuclear de Fukushima no mar

O plano do Japão de despejar no mar águas residuais da usina nuclear de Fukushima, severamente danificada pelo tsunami de 2011, continua enfrentando resistência na região — apesar do projeto ter recebido sinal verde da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recentemente.

A agência afirmou na terça-feira (4/7) que o plano japonês, apresentado há dois anos, atende aos padrões internacionais.

Segundo Rafael Grossi, diretor da AIEA, órgão de controle ligado às Nações Unidas, o plano trará um "impacto radiológico insignificante para as pessoas e para o meio ambiente".

A análise da AIEA, que durou dois anos, constatou que o projeto da Tepco — a empresa de eletricidade que opera Fukushima — e das autoridades japonesas cumpre as normas internacionais de segurança.

Desde o desastre de 11 de março de 2011, mais de 1 milhão de toneladas de águas residuais tratadas se acumularam — e, após o aval da AIEA, o Japão pretende jogá-las no oceano a partir de agosto.

Mas qual é exatamente o plano do Japão e por que ele continua gerando preocupações, mesmo após a avaliação da AIEA?

·         Por que o Japão escolheu essa saída?

Desde o desastre, a Tepco tem bombeado água para resfriar os reatores nucleares de Fukushima.

Com isso, a usina produz diariamente água contaminada — aproximadamente 100 m³ por dia —, que depois passa por tratamento e é armazenada em tanques gigantescos.

Até agora, mais de 1.000 tanques foram enchidos. O Japão diz que esta não é uma solução sustentável a longo prazo e, por isso, quer liberar gradualmente essa água no Oceano Pacífico ao longo de 30 anos.

O lançamento de águas residuais no mar é uma prática rotineira em usinas nucleares, mas como a situação em jogo é resultado de um acidente, não se trata de resíduos nucleares típicos.

A Tepco filtra as águas de Fukushima por meio do Sistema Avançado de Processamento de Líquidos, que reduz a maioria das substâncias radioativas a padrões de segurança aceitáveis, exceto o trítio e o carbono-14.

O trítio e o carbono-14 são, respectivamente, formas radioativas de hidrogênio e carbono. É difícil separá-las da água.

Essas substâncias estão presentes no ambiente natural, na água e até mesmo nos humanos, pois são formadas na atmosfera terrestre e podem entrar no ciclo da água.

Ambas emitem baixos níveis de radiação, mas podem trazer riscos se consumidas em grandes quantidades.

Antes de serem lançadas no oceano, as águas residuais tratadas costumam ser diluídas com água do mar para que as substâncias presentes tenham concentração reduzida.

A Tepco diz que seu sistema de válvulas garante que as águas residuais não serão liberadas acidentalmente.

O governo do Japão acrescenta que os níveis restantes de trítio — cerca de 1.500 becquerel por litro — são muito mais seguros do que os níveis exigidos pelas regras de descarte de resíduos nucleares ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a água potável.

A Tepco garante também que os níveis de carbono-14 estão de acordo com os padrões internacionais de segurança.

A empresa e o governo japonês realizaram estudos para mostrar que a água descartada trará pouco risco para os humanos e para a vida marinha.

Muitos cientistas apoiaram o plano.

“A água descartada será uma gota no oceano tanto em volume quanto em radioatividade. Não há evidências de que esses níveis extremamente baixos de radioisótopos tenham um efeito prejudicial à saúde", disse o patologista molecular Gerry Thomas, que trabalhou com cientistas japoneses em pesquisas sobre a radiação e assessorou a AIEA nos relatórios que a agência produziu sobre Fukushima.

·         O que dizem os críticos?

Mas nem todos estão convencidos pelos argumentos da empresa e do governo japonês.

Antes da aprovação do plano pela AIEA, a ONG Greenpeace publicou relatórios levantando preocupações sobre o processo de tratamento da Tepco, dizendo que ele não é o suficiente para remover substâncias radioativas.

Para os críticos do plano, o Japão deveria, por enquanto, manter a água tratada nos tanques — ganhando tempo com o desenvolvimento de novas tecnologias e com a redução natural da radioatividade.

Alguns cientistas alertam também para os possíveis impactos dos resíduos na vida marinha.

“Vimos uma avaliação inadequada do impacto radiológico e ecológico. Estamos preocupados não só com o fato de o Japão ser incapaz de detectar o que está jorrando na água [do mar], nos sedimentos e nos organismos, mas também, se isso acontecer, de ser incapaz de remover isso [o material contaminado]. Não há como colocar o gênio de volta à garrafa", explicou o biólogo marinho Robert Richmond, professor da Universidade do Havaí, à BBC.

Tatsujiro Suzuki, professor de engenharia nuclear do Centro de Pesquisa para a Eliminação de Armas Nucleares da Universidade de Nagasaki, disse à BBC que o plano "não levaria necessariamente a uma contaminação grave ou prejudicaria o público, se tudo correr bem".

Mas, como a Tepco falhou em 2011 em evitar o desastre, ele teme que um possível acidente possa acabar indo de encontro aos planos.

·         O que dizem os vizinhos do Japão?

A China exigiu que o Japão chegue a um acordo com outros atores regionais e instituições internacionais antes de liberar a água residual no mar.

Pequim também acusou Tóquio de violar suas "obrigações morais e legais internacionais" e alertou que, se o plano seguir em frente, "deve enfrentar as consequências".

Os dois países passam por uma situação tensa no momento — intensificada pela maior militarização do Japão e por recentes ações na região de Taiwan vistas como provocativas pela China.

Tóquio está conversando com os vizinhos sobre a situação de Fukushima e recebeu uma equipe de especialistas sul-coreanos para visitar a usina em maio.

No entanto, não se sabe até que ponto o Japão esperaria obter a aprovação de outros países para seguir com seu plano.

Ao contrário de Pequim, Seul — que tem interesse em fortalecer seus laços com o Japão — aliviou suas preocupações, dizendo na terça-feira que respeita as conclusões da AIEA.

Mas essa postura irritou boa parte da população sul-coreana — 80% das pessoas estão preocupadas com a liberação dos resíduos, de acordo com uma pesquisa recente.

"O governo tem uma forte política para que não se atire lixo no mar... Mas agora o governo não está dizendo qualquer palavra [ao Japão] sobre as águas residuais que vão para o oceano", disse à BBC Park Hee-jun, um pescador sul-coreano.

Milhares de pessoas participaram de protestos em Seul pedindo que o governo da Coreia do Sul tome uma posição mais firme contra o plano.

Em resposta, o parlamento sul-coreano aprovou uma resolução na semana passada se opondo ao projeto. Ainda não está claro o impacto disso na postura do Japão.

As autoridades também estão anunciando uma "inspeção detalhada" das importações de frutos do mar japoneses vindos de regiões próximas à usina de Fukushima.

Para amenizar os temores do público, o primeiro-ministro sul-coreano Han Duck-soo disse que beberia a água tratada da usina de Fukushima para provar que ela é segura.

Além disso, um funcionário do governo disse na semana passada que apenas uma fração da água despejada no oceano chegaria a águas coreanas.

·         Como o Japão está respondendo?

O governo do Japão e a Tepco estão tentando conquistar os críticos apontando para a ciência por trás do processo de tratamento.

O primeiro-ministro japonês Fumuio Kishida garantiu na terça-feira que todo o projeto será conduzido com "um alto nível de transparência".

Segundo alguns textos no site do Ministério das Relações Exteriores do Japão, outras usinas nucleares da região, especialmente na China, liberam água com níveis muito mais elevados de trítio.

A BBC conseguiu confirmar alguns desses números fornecidos pelo governo japonês com informações das usinas nucleares chinesas disponíveis ao público.

 

Ø  EUA eliminam suas últimas armas químicas

 

Numa vasta instalação militar no estado americano do Kentucky, um marco está prestes a ser atingido: trabalhadores do depósito de Blue Grass estão destruindo as últimas armas químicas dos Estados Unidos, o que acabará com o único arsenal do tipo oficialmente declarado restante no mundo.

A destruição dos últimos foguetes remanescentes contendo o agente nervoso GB, também conhecido como sarin, encerrará décadas de campanha pela destruição de um arsenal que ao fim da Guerra Fria totalizava mais de 30 mil toneladas. 

Armas químicas foram usadas pela primeira vez numa guerra moderna na Primeira Guerra Mundial, na qual se estima que essas munições tenham matado ao menos 100 mil pessoas. Apesar de posteriormente banidas pelo chamado Protocolo de Genebra, assinado em 1925 e que entrou em vigor três anos depois, países continuaram a estocar armas químicas durante décadas.

O dia 30 de setembro deste ano foi estabelecido como prazo para os EUA acabarem com seu arsenal no âmbito da Convenção sobre Armas Químicas, acordo internacional que entrou em vigor em 1997 e conta com a adesão de 193 países.

No Kentucky estão sendo eliminados os últimos de um total de 51 mil foguetes contendo o mortal agente sarin que foram armazenados desde os anos 1940 no depósito, localizado próximo à cidade de Richmond. Segundo reportagem publicada pelo New York Times nesta quinta-feira (06/07), a destruição seria concluída nos próximos dias, possivelmente já nesta sexta-feira.

Recentemente outra instalação militar americana, perto de Pueblo, no estado do Colorado, concluiu a destruição das últimas armas químicas que abrigava, iniciada em 2016. A missão de eliminar cerca de 2.600 toneladas de projéteis e morteiros cheios de gás mostarda chegou ao fim no último dia 22 de junho.

Estes representavam cerca de 8,5% do estoque original de 30.610 toneladas do agente. No total, cerca de 800 mil munições contendo gás mostarda foram armazenadas desde a década de 1950 em bunkers de concreto numa área rural ao leste de Pueblo.

·         Décadas de luta

Na década de 1980, moradores dos arredores do depósito militar de Blue Grass, no Kentucky, protestaram contra os planos iniciais de incinerar as 520 toneladas de armas químicas ali armazenadas, iniciando uma batalha de décadas sobre como acabar com o arsenal.

O Exército dos EUA eliminou a maior parte de suas armas químicas incinerando-as em locais mais remotos, como o Atol Johnston, no Pacífico, e um depósito no meio do deserto de Utah. Mas a instalação no Kentucky fica próxima a Richmond, a apenas algumas dezenas de quilômetros de Lexington, a segunda maior cidade do estado, e a menos de 2 quilômetros de uma escola.

Craig Williams, que se tornou a principal voz da oposição popular, afirmou que moradores temiam que a incineração dos agentes químicos liberasse gases tóxicos. Com a ajuda de legisladores, a população conseguiu fazer com que o Exército apresentasse planos alternativos para a destruição.

O depósito de Blue Grass abrigou agente mostarda e os agentes nervosos VX e sarin, grande parte deles dentro de foguetes e outros projéteis, a partir da década de 1940. A usina de descarte do estado foi concluída em 2015 e começou a destruir as armas em 2019.

A instalação usa um processo chamado neutralização para diluir os agentes mortais para que possam ser descartados com segurança. Tanto na usina de descarte do Kentucky quando na de Pueblo, no Colorado, robôs foram usados para eliminar as armas.

·         Armas químicas no mundo

Kingston Reif, que durante anos fez campanha pelo desarmamento e agora atua como vice-secretário adjunto de Defesa dos EUA para redução de ameaças e controle de armas, afirmou que a destruição completa do arsenal químico do país "fechará um importante capítulo na história militar”.

Autoridades consideram a eliminação do arsenal americano um grande passo adiante no âmbito da Convenção sobre Armas Químicas. Somente três países – Egito, Coreia do Norte e Sudão do Sul – não assinaram o tratado. Israel assinou, mas não ratificou o acordo.

Reif destaca que ainda existe a preocupação de que países signatários, especialmente a Rússia e a Síria, possuam estoques não declarados de armas químicas. Oficialmente, a Rússia destruiu seu arsenal em 2017, após o Reino Unido e a Índia fazerem o mesmo em 2007 e 2009, respectivamente.

A Convenção sobre Armas Químicas não acabou com o uso desse tipo de munição. Na guerra civil na Síria, forças leais ao presidente Bashar al-Assad usaram armas químicas no país diversas vezes entre 2013 e 2019. E de acordo com o IHS Conflict Monitor, organização baseada em Londres que analisa dados de inteligência, os combatentes do "Estado Islâmico" usaram armas químicas ao menos 52 vezes no Iraque e na Síria de 2014 a 2016, aponta reportagem do New York Times.

Ativistas pelo controle de armas esperam que o marco alcançado pelos EUA possa motivar os países que ainda não destruíram suas armas químicas a fazê-lo e também ser usado como modelo para a destruição de outros tipos de munição.

"Isso mostra que países podem realmente banir armas de destruição em massa", afirma Paul F. Walker, vice-presidente da Associação de Controle de Armas e coordenador da Coalizão da Convenção sobre Armas Químicas. "Se países quiserem fazer isso, é preciso apenas vontade política e um bom sistema de controle."

 

Fonte: BBC News Mundo/Deutsche Welle

 

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