sexta-feira, 26 de maio de 2023

Congresso impõe derrotas a Marina, e aval de Lula empodera centrão

O Congresso Nacional impôs, em um mesmo dia, uma série de derrotas à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede) -a principal delas, após a articulação política do governo ceder à pressão do centrão com aval de Lula (PT).

O desgaste da ministra e da pauta ambiental, que já vinha sendo alvo de embates dentro do governo com a disputa entre Ibama e Petrobras devido ao plano de exploração de petróleo na foz do Amazonas, foi agravado diante do avanço nesta quarta-feira (24) de uma medida provisória de reorganização da Esplanada dos Ministérios.

A MP foi aprovada por uma comissão mista formada por deputados e senadores e prevê mudanças na estrutura do governo que fortalecem o centrão e retiram poder de Marina.

À noite, Marina sofreu ainda outras derrotas no plenário da Câmara. Deputados votaram uma MP editada no final do governo Jair Bolsonaro (PL) e retomaram trechos que afrouxam as regras de proteção da mata atlântica -itens que tinham sido retirados pelo Senado. O texto segue para sanção de Lula.

A Câmara ainda aprovou um pedido de urgência (para acelerar a tramitação) para um projeto do Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição de 1988. O requerimento foi aprovado por 324 a 131.

Em relação à MP de reorganização da Esplanada dos Ministérios, o texto, de autoria do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), desidratou a política ambiental do governo. Competências de órgãos que atualmente estão com o Meio Ambiente e os Povos Indígenas serão transferidas para outras pastas. O texto foi aprovado por 15 votos a 3.

A orientação do governo era para que parlamentares da base votassem a favor do texto --uma vez que o Executivo tem pressa, já que a MP perderá sua validade no dia 1º de junho. A medida provisória ainda precisa ser votada nos plenários da Câmara e do Senado.

A MP original foi editada por Lula logo no início do governo com a nova organização da Esplanada dos Ministérios. Foi ela que ampliou, por exemplo, o número de ministérios de 23 para os atuais 37.

Mas o texto aprovado pelos deputados na comissão enfraqueceu Marina e gerou uma reação da própria ministra.

A gestão da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), hoje com o Meio Ambiente, foi transferida para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. A pasta é comandada por Waldez Góes --apesar de ser do PDT, ele foi uma indicação de parlamentares da União Brasil.

O relatório de Isnaldo ainda passou o CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, do ministério chefiado por Marina para o da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

O órgão é considerado importante por gerenciar a fiscalização de crimes ambientais em propriedades rurais, como grilagem e desmatamento.

Newsletter Brasília hoje Receba no seu email o que de mais importante acontece na capital federal; exclusiva para assinantes. *** Parlamentares ligados à pauta ruralista defendiam a transferência do CAR para o Ministério da Agricultura --retomando a estrutura do governo Bolsonaro.

Também houve derrota significativa no Ministério dos Povos Indígenas. A comissão retirou das competências da pasta a demarcação de novas terras indígenas e colocou essa responsabilidade no Ministério da Justiça, comandando por Flávio Dino (PSB).

Durante as negociações sobre a MP, o governo Lula agiu para tentar evitar derrotas em áreas prioritárias e acabou dando aval para a desidratação do ministério de Marina.

A articulação política do governo cedeu à pressão do centrão, principalmente dos ruralistas, para blindar a Casa Civil, responsável pela execução dos projetos mais importantes para o presidente, como o PPI (Programa de Parceria de Investimentos).

A ideia de retirar poderes do ministro Rui Costa (Casa Civil) foi debatida por líderes do Congresso em meio a insatisfações com a articulação política do governo. Rui adotou um perfil mais técnico no comando da pasta, em vez de também participar de negociações com parlamentares.

Interlocutores de Lula também atuaram para evitar que o relator propusesse a recriação da Funasa, extinta no início do governo. O centrão pressionou para a reativação do órgão.

A avaliação no Planalto é que as concessões previstas no relatório de Isnaldo seriam inevitáveis com a atual correlação de forças no Congresso. A ala política tinha o diagnóstico de que seria muito difícil enfrentar a articulação da bancada ruralista na área agrária e ambiental.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), vocalizou essa avaliação.

Segundo ele, o Executivo tentou ao longo da manhã um acordo com o relator para tentar reverter pontos relativos à pauta ambiental --sem obter sucesso.

"Nós, o governo, não conseguimos avançar embora tenhamos advogado, mas nenhum dos aspectos da questão ambiental conseguimos ter avanços", afirmou.

Randolfe disse, porém, que o governo sai vitorioso, por ter conseguido manter 90% da medida provisória enviada ao Congresso.

"Pressionado por uma circunstância que não foi do governo -o impasse entre Câmara e Senado [pela tramitação das MPs]--, o objetivo final e central do governo, de aprovação em tempo hábil, [...] esse objetivo está sendo alcançado", completou.

Marina, por sua vez, não escondeu sua contrariedade. Ela já enfrenta uma queda de braço interna no governo na área ambiental.

O Ministério de Minas e Energia pediu que a Petrobras insista em um polêmico projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas, empreendimento que contrapõe o ministro Alexandre Silveira (PSD) a Marina. O Ibama não concedeu o licenciamento ambiental.

Nesta quarta, Marina se queixou da desidratação do Meio Ambiente.

"Não basta a credibilidade do presidente Lula, ou da ministra do Meio Ambiente. O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas", disse, em audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara.

Segundo ela, as mudanças podem colocar em xeque o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, uma vez que os europeus vêm tentando impor restrições ambientais firmes para a assinatura do termo.

Marina disse ainda que vai tentar reverter as alterações durante a tramitação no Congresso. "Vamos ter que fazer o debate, espero que haja o necessário entendimento para evitar que a gente faça essa amputação", afirmou.

Ela chamou ainda de "desserviço" "qualquer tentativa de desmontar o sistema ambiental brasileiro".

Em um sinal de falta de empenho do governo em sua defesa, Marina foi rebatida pelo próprio ministro Alexandre Silveira, que também participou de audiência no Congresso nesta quarta.

"O embaixador do meio ambiente do Brasil, reconhecido mundialmente, é o presidente Lula", disse. "Ele é o grande embaixador da defesa da legalidade, da questão ambiental. A gente não precisa de outro."

Isnaldo Bulhões Jr., que é o líder do MDB na Câmara, se uniu à artilharia contra Marina e sugeriu que ela agia por "espírito narcisístico".

"Quando ela fala, não sei se movida por um espírito narcisístico, que o Ministério do Meio Ambiente ou a política de proteção ao meio ambiente está sendo esvaziada, isso não é verdade. As competências estão todas sendo preservadas, isso é uma política de Estado, não é uma política individual, de pessoa", disse, em entrevista à GloboNews.

O parecer da MP avalizado nesta quarta pelos deputados também fortalece ministérios comandados pelo centrão.

Além da ida da ANA para a Integração, sistemas de informações que estavam sob a alçada de Marina foram enviados para o ministério das Cidades, chefiado por Jader Filho (MDB-PA).

São eles: Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos).

Parte das competências da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), por sua vez, deixaram o Ministério do Desenvolvimento Agrário e foram para a Agricultura, sob o comando de Carlos Fávaro (PSD). A versão preliminar do relatório previa uma migração de competências ainda maior, mas o ministro Paulo Teixeira (PT) conseguiu reverter o movimento e impedir um maior esvaziamento de sua estrutura.

O novo relatório restabeleceu ainda a devolução das atividades de inteligência federal para a estrutura do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) -pavimentando a volta da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para o órgão militar.

>>>> ENTENDA A MP DA ESPLANADA E AS POLÊMICAS EM TORNO DELA

•        O que é a Medida Provisória?

A MP da Esplanada dos Ministérios foi assinada por Lula durante a posse, a fim de reorganizar o primeiro escalão e suas funções -o petista aumentou de 23 no governo Jair Bolsonaro (PL) para 37 as pastas, e distribuiu algumas funções para os novos titulares

•        Quando o ato perde validade?

A Medida Provisória tem duração de 60 dias, com prorrogação para mais 60. Lula assinou a reorganização da Esplanada em 1º de janeiro, dia de sua inauguração no governo, mas ela só passou a tramitar em fevereiro, quando se encerrou o recesso parlamentar. Com isso, ela deve ser votada até 1º de junho, ou perderá seus efeitos.

•        Como anda a tramitação da MP?

A comissão mista para análise da medida aprovou o relatório nesta quarta-feira (24). O texto deve agora ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado, para se tornar permanente

•        Por que a medida é importante para o Planalto?

A MP basicamente define a organização do governo federal, o que também interfere nas competências de cada ministério, e, portanto, até onde uma pasta pode executar em termos de política pública

•        Quais as polêmicas em torno da reorganização?

O relator da Medida Provisória e líder do MDB na Câmara, o deputado federal Isnaldo Bulhões Jr. (AL), desidratou a política ambiental do governo -competências de órgãos que atualmente estão com o Meio Ambiente e os Povos Indígenas serão transferidas para outras pastas. Ele também empoderou os ministérios com partidos do centrão, que terão mais funções em sua alçada. Marina Silva (Rede), titular do Meio Ambiente, é quem mais perde atribuições, enquanto trava disputa interna sobre a exploração da foz do rio Amazonas pela Petrobras

•        Quais são as principais mudanças?

Marina perderá alguns sistemas de informações em saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos para o Ministério das Cidades. Também deixará de comandar a ANA (Agência Nacional de Águas), movida para o Desenvolvimento Regional, e o CAR (Cadastro Ambiental Rural), transferido para o Ministério da Gestão

 

       Ministério dos Povos Indígenas critica relatoria de MP do novo governo

 

A decisão do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), relator da Medida Provisória (MP) que define a estrutura do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, provocou indignação no Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Em seu parecer, Bulhões Jr. retirou do ministério sua principal atribuição, a de demarcar terras de povos originários, devolvendo-o à pasta da Justiça e Segurança Pública.

Em nota, o MPI concluiu que o relatório do emedebista traz a evidência de que os indígenas do Brasil seguem sendo vítimas de vários tipos de violência. E sugere que as emendas de Bulhões Jr., que extinguem ou reconfiguram atribuições da pasta, indicam “o apagamento social e cultural” dos indígenas.

A nota, compartilhada pela ministra Sonia Guajajara nas redes sociais, ressaltou a importância do ministério e de suas atribuições. Ao mesmo tempo, afirmou que acatar as emendas propostas pelo relator significa ir na contramão do entendimento da comunidade internacional.

“Acatar as emendas propostas e excluir das atribuições do Ministério dos Povos Indígenas a demarcação de terras é ir na contramão do mundo nos objetivos globais de enfrentamento à crise do clima, abrindo espaço para a devastação ambiental que tanto ameaça nossos biomas. Somente territórios indígenas protegidos e demarcados podem garantir ao Brasil e ao mundo uma alternativa para conter a emergência climática”.

•        Mudanças

As emendas de Bulhões Jr. ao texto da MP não incomodaram apenas o MPI. O relator propõe ainda a redistribuição de atribuições da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que passou a ser vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ao qual a Conab pertencia antes.

Na área ambiental, o parecer retira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima a responsabilidade pela gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é um cadastro eletrônico obrigatório a todas as propriedades e posses rurais. As informações do cadastro serão declaratórias, de responsabilidade do proprietário ou possuidor rural, e fazem parte do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. Na mudança, o CAR passou a ser atribuição do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

Contudo, não há um clima de indignação generalizada no governo. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, por exemplo, elogiou o relatório. “Eu considero um relatório equilibrado. Tem reformulações que são as visões do relator, do presidente da comissão. Vamos analisar amanhã para poder estar na votação”, disse o ministro a jornalistas nesta terça-feira (23).

A votação do relatório está prevista na pauta da comissão mista da MP nesta quarta-feira (24). O colegiado é presidido pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A MP precisa ser aprovada na Câmara e no Senado até o dia 1º de junho para não perder a validade e, com isso, desmontar toda a estrutura atual da Esplanada dos Ministérios.

 

       Câmara aprova urgência para marco temporal de terras indígenas e governo libera base

 

A Câmara aprovou na noite desta quarta-feira, 24, com amplo apoio, um requerimento para urgência na tramitação do projeto de lei que define um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no País. Foram 324 votos favoráveis, 131 contrários e uma abstenção. O PT orientou sua bancada a votar contra dar celeridade ao texto, mas a liderança do governo liberou a base aliada para se posicionar como quisesse. De acordo com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o mérito da matéria deve ser votado na semana que vem.

A sessão no plenário da Câmara foi encerrada às pressas após a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) protestar contra o marco temporal. “Vocês são assassinos do nosso povo indígena”, declarou a parlamentar, que teve o microfone cortado. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), por sua vez, levantou cartazes no plenário com as frases “Lei ordinária não altera a Constituição” e “Demarcação é direito! PL 490 não!”.

A intenção da Câmara ao dar celeridade ao projeto é se antecipar ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, marcado para o dia 7 de junho. A tendência é a Corte derrubar a tese, que define a data da promulgação da Constituição como marco temporal para a definição da ocupação de terras por indígenas.

Ou seja, pelo marco temporal, uma terra indígena só poderia ser demarcada se fosse comprovado que os índios estavam no local na data da promulgação da Constituição – no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora do local nesta data ou depois dela, não poderia pedir a demarcação.

O projeto conta com o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), composta por 300 deputados, que pressionava Lira a pautar o tema. Deputados da bancada ruralista ouvidos pela reportagem consideram um “absurdo” o STF “legislar” sobre a demarcação das terras indígenas. O requerimento de urgência foi apresentado pelo deputado Zé Trovão (PL-SC). Já a autoria do projeto é do deputado Arthur Maia (União Brasil-BA).

“Estamos falando de áreas urbanas, de municípios que deixariam de existir, caso não haja um marco temporal para se tornar pertencente à terra. É um risco para a soberania do país e temos ponderado isso, inclusive com os ministros do Supremo Tribunal Federal”, afirmou o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), em nota divulgada pela bancada ruralista após a aprovação da urgência.

O marco temporal vai na contramão da bandeira do Palácio do Planalto e de indígenas, que fazem parte da base de apoio do Executivo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a criar o Ministério dos Povos Originários, comandado por Sônia Guajajara (PSOL). Mesmo assim, a liderança do governo na Câmara liberou os deputados para votarem como quisessem.

A federação PT-PCdoB-PV, por sua vez, orientou os deputados a votarem contra a urgência do projeto. Já o bloco liderado pelo PP e pelo União Brasil liberou os parlamentares a votarem como quisessem, já que PSB e PDT eram contrários à urgência, enquanto outros partidos da aliança eram favoráveis.

Na segunda-feira, 22, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), defendeu o marco temporal. Segundo ele, a medida traz “segurança jurídica ao campo”. “Mas sou favorável também a que nós possamos minimizar os impactos e arrumar um ‘pedaço de chão maior’ àqueles povos indígenas que estão espremidos e sem a menor condição de bem-estar”, avaliou Fávaro, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.

 

Fonte: FolhaPress/Dinheiro Rural

 

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