Congresso
impõe derrotas a Marina, e aval de Lula empodera centrão
O Congresso Nacional impôs, em um mesmo dia, uma
série de derrotas à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede) -a principal
delas, após a articulação política do governo ceder à pressão do centrão com
aval de Lula (PT).
O desgaste da ministra e da pauta ambiental, que já
vinha sendo alvo de embates dentro do governo com a disputa entre Ibama e
Petrobras devido ao plano de exploração de petróleo na foz do Amazonas, foi
agravado diante do avanço nesta quarta-feira (24) de uma medida provisória de
reorganização da Esplanada dos Ministérios.
A MP foi aprovada por uma comissão mista formada por
deputados e senadores e prevê mudanças na estrutura do governo que fortalecem o
centrão e retiram poder de Marina.
À noite, Marina sofreu ainda outras derrotas no
plenário da Câmara. Deputados votaram uma MP editada no final do governo Jair
Bolsonaro (PL) e retomaram trechos que afrouxam as regras de proteção da mata
atlântica -itens que tinham sido retirados pelo Senado. O texto segue para
sanção de Lula.
A Câmara ainda aprovou um pedido de urgência (para
acelerar a tramitação) para um projeto do Marco Temporal, que limita a
demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da
Constituição de 1988. O requerimento foi aprovado por 324 a 131.
Em relação à MP de reorganização da Esplanada dos
Ministérios, o texto, de autoria do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr.
(AL), desidratou a política ambiental do governo. Competências de órgãos que
atualmente estão com o Meio Ambiente e os Povos Indígenas serão transferidas
para outras pastas. O texto foi aprovado por 15 votos a 3.
A orientação do governo era para que parlamentares
da base votassem a favor do texto --uma vez que o Executivo tem pressa, já que
a MP perderá sua validade no dia 1º de junho. A medida provisória ainda precisa
ser votada nos plenários da Câmara e do Senado.
A MP original foi editada por Lula logo no início do
governo com a nova organização da Esplanada dos Ministérios. Foi ela que
ampliou, por exemplo, o número de ministérios de 23 para os atuais 37.
Mas o texto aprovado pelos deputados na comissão
enfraqueceu Marina e gerou uma reação da própria ministra.
A gestão da ANA (Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico), hoje com o Meio Ambiente, foi transferida para o Ministério
da Integração e do Desenvolvimento Regional. A pasta é comandada por Waldez
Góes --apesar de ser do PDT, ele foi uma indicação de parlamentares da União
Brasil.
O relatório de Isnaldo ainda passou o CAR (Cadastro
Ambiental Rural), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em
áreas de preservação, do ministério chefiado por Marina para o da Gestão e
Inovação em Serviços Públicos.
O órgão é considerado importante por gerenciar a
fiscalização de crimes ambientais em propriedades rurais, como grilagem e
desmatamento.
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Parlamentares ligados à pauta ruralista defendiam a transferência do CAR para o
Ministério da Agricultura --retomando a estrutura do governo Bolsonaro.
Também houve derrota significativa no Ministério dos
Povos Indígenas. A comissão retirou das competências da pasta a demarcação de
novas terras indígenas e colocou essa responsabilidade no Ministério da
Justiça, comandando por Flávio Dino (PSB).
Durante as negociações sobre a MP, o governo Lula
agiu para tentar evitar derrotas em áreas prioritárias e acabou dando aval para
a desidratação do ministério de Marina.
A articulação política do governo cedeu à pressão do
centrão, principalmente dos ruralistas, para blindar a Casa Civil, responsável
pela execução dos projetos mais importantes para o presidente, como o PPI
(Programa de Parceria de Investimentos).
A ideia de retirar poderes do ministro Rui Costa
(Casa Civil) foi debatida por líderes do Congresso em meio a insatisfações com
a articulação política do governo. Rui adotou um perfil mais técnico no comando
da pasta, em vez de também participar de negociações com parlamentares.
Interlocutores de Lula também atuaram para evitar
que o relator propusesse a recriação da Funasa, extinta no início do governo. O
centrão pressionou para a reativação do órgão.
A avaliação no Planalto é que as concessões
previstas no relatório de Isnaldo seriam inevitáveis com a atual correlação de
forças no Congresso. A ala política tinha o diagnóstico de que seria muito
difícil enfrentar a articulação da bancada ruralista na área agrária e
ambiental.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe
Rodrigues (sem partido-AP), vocalizou essa avaliação.
Segundo ele, o Executivo tentou ao longo da manhã um
acordo com o relator para tentar reverter pontos relativos à pauta ambiental
--sem obter sucesso.
"Nós, o governo, não conseguimos avançar embora
tenhamos advogado, mas nenhum dos aspectos da questão ambiental conseguimos ter
avanços", afirmou.
Randolfe disse, porém, que o governo sai vitorioso,
por ter conseguido manter 90% da medida provisória enviada ao Congresso.
"Pressionado por uma circunstância que não foi
do governo -o impasse entre Câmara e Senado [pela tramitação das MPs]--, o
objetivo final e central do governo, de aprovação em tempo hábil, [...] esse
objetivo está sendo alcançado", completou.
Marina, por sua vez, não escondeu sua contrariedade.
Ela já enfrenta uma queda de braço interna no governo na área ambiental.
O Ministério de Minas e Energia pediu que a
Petrobras insista em um polêmico projeto de exploração de petróleo na foz do
Amazonas, empreendimento que contrapõe o ministro Alexandre Silveira (PSD) a
Marina. O Ibama não concedeu o licenciamento ambiental.
Nesta quarta, Marina se queixou da desidratação do
Meio Ambiente.
"Não basta a credibilidade do presidente Lula,
ou da ministra do Meio Ambiente. O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver
que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a estrutura do
governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas", disse, em
audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Segundo ela, as mudanças podem colocar em xeque o
acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, uma vez que os europeus vêm
tentando impor restrições ambientais firmes para a assinatura do termo.
Marina disse ainda que vai tentar reverter as
alterações durante a tramitação no Congresso. "Vamos ter que fazer o
debate, espero que haja o necessário entendimento para evitar que a gente faça
essa amputação", afirmou.
Ela chamou ainda de "desserviço"
"qualquer tentativa de desmontar o sistema ambiental brasileiro".
Em um sinal de falta de empenho do governo em sua
defesa, Marina foi rebatida pelo próprio ministro Alexandre Silveira, que
também participou de audiência no Congresso nesta quarta.
"O embaixador do meio ambiente do Brasil,
reconhecido mundialmente, é o presidente Lula", disse. "Ele é o
grande embaixador da defesa da legalidade, da questão ambiental. A gente não
precisa de outro."
Isnaldo Bulhões Jr., que é o líder do MDB na Câmara,
se uniu à artilharia contra Marina e sugeriu que ela agia por "espírito
narcisístico".
"Quando ela fala, não sei se movida por um
espírito narcisístico, que o Ministério do Meio Ambiente ou a política de
proteção ao meio ambiente está sendo esvaziada, isso não é verdade. As
competências estão todas sendo preservadas, isso é uma política de Estado, não
é uma política individual, de pessoa", disse, em entrevista à GloboNews.
O parecer da MP avalizado nesta quarta pelos deputados
também fortalece ministérios comandados pelo centrão.
Além da ida da ANA para a Integração, sistemas de
informações que estavam sob a alçada de Marina foram enviados para o ministério
das Cidades, chefiado por Jader Filho (MDB-PA).
São eles: Sinisa (Sistema Nacional de Informações em
Saneamento Básico), Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos
Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos).
Parte das competências da Conab (Companhia Nacional
de Abastecimento), por sua vez, deixaram o Ministério do Desenvolvimento
Agrário e foram para a Agricultura, sob o comando de Carlos Fávaro (PSD). A
versão preliminar do relatório previa uma migração de competências ainda maior,
mas o ministro Paulo Teixeira (PT) conseguiu reverter o movimento e impedir um
maior esvaziamento de sua estrutura.
O novo relatório restabeleceu ainda a devolução das
atividades de inteligência federal para a estrutura do GSI (Gabinete de
Segurança Institucional) -pavimentando a volta da Abin (Agência Brasileira de
Inteligência) para o órgão militar.
>>>> ENTENDA A MP DA ESPLANADA E AS
POLÊMICAS EM TORNO DELA
• O que
é a Medida Provisória?
A MP da Esplanada dos Ministérios foi assinada por
Lula durante a posse, a fim de reorganizar o primeiro escalão e suas funções -o
petista aumentou de 23 no governo Jair Bolsonaro (PL) para 37 as pastas, e
distribuiu algumas funções para os novos titulares
• Quando
o ato perde validade?
A Medida Provisória tem duração de 60 dias, com
prorrogação para mais 60. Lula assinou a reorganização da Esplanada em 1º de
janeiro, dia de sua inauguração no governo, mas ela só passou a tramitar em
fevereiro, quando se encerrou o recesso parlamentar. Com isso, ela deve ser
votada até 1º de junho, ou perderá seus efeitos.
• Como
anda a tramitação da MP?
A comissão mista para análise da medida aprovou o
relatório nesta quarta-feira (24). O texto deve agora ser votado pelo plenário
da Câmara dos Deputados e do Senado, para se tornar permanente
• Por
que a medida é importante para o Planalto?
A MP basicamente define a organização do governo
federal, o que também interfere nas competências de cada ministério, e,
portanto, até onde uma pasta pode executar em termos de política pública
• Quais
as polêmicas em torno da reorganização?
O relator da Medida Provisória e líder do MDB na
Câmara, o deputado federal Isnaldo Bulhões Jr. (AL), desidratou a política
ambiental do governo -competências de órgãos que atualmente estão com o Meio
Ambiente e os Povos Indígenas serão transferidas para outras pastas. Ele também
empoderou os ministérios com partidos do centrão, que terão mais funções em sua
alçada. Marina Silva (Rede), titular do Meio Ambiente, é quem mais perde
atribuições, enquanto trava disputa interna sobre a exploração da foz do rio
Amazonas pela Petrobras
• Quais
são as principais mudanças?
Marina perderá alguns sistemas de informações em
saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos para o Ministério das
Cidades. Também deixará de comandar a ANA (Agência Nacional de Águas), movida
para o Desenvolvimento Regional, e o CAR (Cadastro Ambiental Rural),
transferido para o Ministério da Gestão
Ministério
dos Povos Indígenas critica relatoria de MP do novo governo
A decisão do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL),
relator da Medida Provisória (MP) que define a estrutura do novo governo de
Luiz Inácio Lula da Silva, provocou indignação no Ministério dos Povos
Indígenas (MPI). Em seu parecer, Bulhões Jr. retirou do ministério sua
principal atribuição, a de demarcar terras de povos originários, devolvendo-o à
pasta da Justiça e Segurança Pública.
Em nota, o MPI concluiu que o relatório do emedebista
traz a evidência de que os indígenas do Brasil seguem sendo vítimas de vários
tipos de violência. E sugere que as emendas de Bulhões Jr., que extinguem ou
reconfiguram atribuições da pasta, indicam “o apagamento social e cultural” dos
indígenas.
A nota, compartilhada pela ministra Sonia Guajajara
nas redes sociais, ressaltou a importância do ministério e de suas atribuições.
Ao mesmo tempo, afirmou que acatar as emendas propostas pelo relator significa
ir na contramão do entendimento da comunidade internacional.
“Acatar as emendas propostas e excluir das
atribuições do Ministério dos Povos Indígenas a demarcação de terras é ir na
contramão do mundo nos objetivos globais de enfrentamento à crise do clima,
abrindo espaço para a devastação ambiental que tanto ameaça nossos biomas.
Somente territórios indígenas protegidos e demarcados podem garantir ao Brasil
e ao mundo uma alternativa para conter a emergência climática”.
• Mudanças
As emendas de Bulhões Jr. ao texto da MP não
incomodaram apenas o MPI. O relator propõe ainda a redistribuição de
atribuições da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que passou a ser
vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, para o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ao qual a Conab pertencia antes.
Na área ambiental, o parecer retira do Ministério do
Meio Ambiente e Mudança do Clima a responsabilidade pela gestão do Cadastro
Ambiental Rural (CAR), que é um cadastro eletrônico obrigatório a todas as
propriedades e posses rurais. As informações do cadastro serão declaratórias,
de responsabilidade do proprietário ou possuidor rural, e fazem parte do
Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. Na mudança, o CAR passou a ser
atribuição do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
Contudo, não há um clima de indignação generalizada
no governo. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, por
exemplo, elogiou o relatório. “Eu considero um relatório equilibrado. Tem
reformulações que são as visões do relator, do presidente da comissão. Vamos
analisar amanhã para poder estar na votação”, disse o ministro a jornalistas
nesta terça-feira (23).
A votação do relatório está prevista na pauta da
comissão mista da MP nesta quarta-feira (24). O colegiado é presidido pelo
senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A MP precisa ser aprovada na Câmara
e no Senado até o dia 1º de junho para não perder a validade e, com isso,
desmontar toda a estrutura atual da Esplanada dos Ministérios.
Câmara
aprova urgência para marco temporal de terras indígenas e governo libera base
A Câmara aprovou na noite desta quarta-feira, 24,
com amplo apoio, um requerimento para urgência na tramitação do projeto de lei
que define um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no País.
Foram 324 votos favoráveis, 131 contrários e uma abstenção. O PT orientou sua
bancada a votar contra dar celeridade ao texto, mas a liderança do governo
liberou a base aliada para se posicionar como quisesse. De acordo com o
presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o mérito da matéria deve ser votado na
semana que vem.
A sessão no plenário da Câmara foi encerrada às
pressas após a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) protestar contra o marco
temporal. “Vocês são assassinos do nosso povo indígena”, declarou a
parlamentar, que teve o microfone cortado. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ),
por sua vez, levantou cartazes no plenário com as frases “Lei ordinária não
altera a Constituição” e “Demarcação é direito! PL 490 não!”.
A intenção da Câmara ao dar celeridade ao projeto é
se antecipar ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto,
marcado para o dia 7 de junho. A tendência é a Corte derrubar a tese, que
define a data da promulgação da Constituição como marco temporal para a
definição da ocupação de terras por indígenas.
Ou seja, pelo marco temporal, uma terra indígena só
poderia ser demarcada se fosse comprovado que os índios estavam no local na
data da promulgação da Constituição – no dia 5 de outubro de 1988. Quem
estivesse fora do local nesta data ou depois dela, não poderia pedir a
demarcação.
O projeto conta com o apoio da Frente Parlamentar da
Agropecuária (FPA), composta por 300 deputados, que pressionava Lira a pautar o
tema. Deputados da bancada ruralista ouvidos pela reportagem consideram um
“absurdo” o STF “legislar” sobre a demarcação das terras indígenas. O
requerimento de urgência foi apresentado pelo deputado Zé Trovão (PL-SC). Já a
autoria do projeto é do deputado Arthur Maia (União Brasil-BA).
“Estamos falando de áreas urbanas, de municípios que
deixariam de existir, caso não haja um marco temporal para se tornar
pertencente à terra. É um risco para a soberania do país e temos ponderado
isso, inclusive com os ministros do Supremo Tribunal Federal”, afirmou o
presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), em nota divulgada pela
bancada ruralista após a aprovação da urgência.
O marco temporal vai na contramão da bandeira do
Palácio do Planalto e de indígenas, que fazem parte da base de apoio do
Executivo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a criar o Ministério
dos Povos Originários, comandado por Sônia Guajajara (PSOL). Mesmo assim, a
liderança do governo na Câmara liberou os deputados para votarem como
quisessem.
A federação PT-PCdoB-PV, por sua vez, orientou os
deputados a votarem contra a urgência do projeto. Já o bloco liderado pelo PP e
pelo União Brasil liberou os parlamentares a votarem como quisessem, já que PSB
e PDT eram contrários à urgência, enquanto outros partidos da aliança eram
favoráveis.
Na segunda-feira, 22, o ministro da Agricultura,
Carlos Fávaro (PSD), defendeu o marco temporal. Segundo ele, a medida traz
“segurança jurídica ao campo”. “Mas sou favorável também a que nós possamos
minimizar os impactos e arrumar um ‘pedaço de chão maior’ àqueles povos
indígenas que estão espremidos e sem a menor condição de bem-estar”, avaliou
Fávaro, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.
Fonte: FolhaPress/Dinheiro Rural
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