Os predadores, segundo a cartilha de Steve Bannon
Nos últimos anos, vivemos a desgraça de ser
liderados por homens destemperados e despreparados que rezam pela cartilha do
guru trumpista Steve Bannon. A extrema direita bannoniana brasileira
que desdenha a democracia é composta por homens ressentidos que sempre
estiveram em diálogo com seus pares fascistas ao redor do mundo.
A trupe recrutada por Bannon conta com associados
como Trump, Bolsonaro e seus homens-fortes, o italiano Matteo Salvini e o
húngaro Viktor Orbán. Os bannonianos topam qualquer parada
para chegar ao poder e têm sabido usar redes sociais e aplicativos de mensagem
para desinformar, disseminar ódio, exercitar uma verve vergonhosa, assassinar a
reputação de desafetos e aniquilar opositores. A gramática política assombrosa
que compreende esse vale-tudo nas redes sociais e aplicativos de mensagem
tornou-se o maior pesadelo do campo progressista brasileiro em 2016, quando
Trump foi eleito, e Bannon, amplamente creditado como o responsável pela
vitória dos republicanos, saiu pelo mundo arrebanhando novos membros para seu
clube de lideranças autoritárias. A extrema direita brasileira, a essa altura,
já estava organizada ao redor do clã Bolsonaro e Bannon viu em Jair Bolsonaro o
grande potencial que de fato tinha. O então deputado federal Jair Bolsonaro
dizia que Bannon era um ícone no combate ao marxismo cultural. Bannon retribuía
os elogios e com frequência chamava Bolsonaro de herói. Analistas políticos
antenados passaram a alertar o Brasil para o risco que corríamos se seguíssemos
à mercê da maquinação dessa gente. Não deu tempo, fomos dragados por um tsunami
reacionário.
Em O negócio do Jair, lançado em 2022, a
jornalista Juliana Dal Piva recapitula a gênese da ascensão do clã Bolsonaro.
Tá tudo lá. Em 2018, a extrema direita brasileira tinha feito a sua lição de
casa e tinha quase todos os recursos para chegar à presidência. Mas a chancela
e a mentoria de Bannon foram críticos para que as forças aglutinadas ao redor
de Bolsonaro soubessem como usar as redes e os aplicativos de mensagem como o
fizeram. Trolls e bots reinaram nas eleições
de 2018, fizeram estrago nas eleições de 2022 e hoje se mostram extremamente
úteis para homens acusados de atentar contra a dignidade sexual de meninas e
mulheres.
Desde 2016, sabemos que o gospel de Bannon
funcionava nas urnas. A novidade é que essa gramática tem sido igualmente
eficaz para manter em silêncio mulheres vítimas de crimes contra dignidade
sexual.
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Trolls, bots do mal e bots do
bem
A cartilha bannoniana adaptada e
aperfeiçoada pela extrema direita brasileira pode ser imperceptível aos olhos
de quem observa apenas o que se passa nos debates, nos programas veiculados
durante o horário eleitoral gratuito e em inserções comerciais veiculadas na TV
e no rádio. Nessas frentes, vemos apenas os golpes que a extrema direita dá, da
cintura pra cima, em adversários. É nas nas redes e nos aplicativos de mensagem
que vemos e vivemos os golpes dados da cintura pra baixo pelo Gabinete do Ódio
e grupos afins. Essa dinâmica é característica dos esforços de guerra bannonianos. Quem
estaria desferindo esses golpes? Quem protagoniza esse vale-tudo?
Frequentemente, trolls e bots.
De acordo com o InternetLab, centro de
pesquisas que é referência para interessados no debate sobre política e
internet, trolls são usuários de redes e aplicativos que
transgridem o que é considerado aceitável no debate público e cujo
comportamento violento performático torna conversas republicanas inviáveis.
Bots, por sua vez,
são um tipo específico de programa de computador que realiza tarefas de forma
autônoma a partir de algoritmos. Há robôs do bem, programados para nos ajudar e
que tornam possível nosso cotidiano. Bots do bem não têm
intenções maliciosas. Alguns, como os crawlers, são robôs que
pesquisam e extraem volumes gigantescos de dados em tempo real e são o motor
por trás dos mecanismos de busca que usamos diariamente. Outros, como a Beta, a
primeira robô feminista do Brasil, têm como
propósito pressionar tomadores de decisão e contribuir para que o debate
público sobre a igualdade de gênero exista e seja vibrante. A Beta,
desenvolvida pelo laboratório de ativismo Nossas, nasceu em 2017 dentro do
Messenger do Facebook. Sua missão era alertar usuárias sempre que um tema
sensível relacionado aos direitos de meninas e mulheres entrava na pauta do
executivo ou do legislativo. Nossa bot feminista tinha amigas
mundo afora, robôs criadas por grupos feministas e que naquele
momento habitavam a fronteira da inovação na luta por direitos humanos. A Beta
foi decisiva em momentos em
que direitos de meninas e mulheres estavam em xeque. Em 2020, a Meta promoveu mudanças em suas políticas de comunidade e a
Beta teve de se aposentar. À época, aproximadamente 170 mil pessoas haviam
chamado a Beta no inbox.
Porém, há os bots do mal, aqueles
usados para automatizar perfis falsos e promover um engajamento artificial,
fraudulento. Bots assim são programados para alavancar
determinados conteúdos, repetir as mesmas ideais ad nauseam e
atacar interlocutores de maneira coordenada. Somadas, essas práticas forjam uma
percepção distorcida da realidade e são capazes de corroer Estados de Direito.
Trolls são
usuários reais que passam dos limites e desejam intimidar e constranger
interlocutores. Bots não são usuários reais, são contas falsas
programadas para atacar, ofender, humilhar. Os trolls atacam
motivados pelos mais variados incentivos. Bots são comprados —
e custam caríssimo. Ambos, trolls e bots, quando
atacam, visam prejudicar seus alvos e interditar debates relevantes. Quem
atiça trolls e compra bots parece mais
popular do que de fato é e suas narrativas parecem ter mais aderência do que de
fato têm. A extrema direita bannoniana brasileira entendeu
rapidamente que trolls e bots, no limite,
manipulam a percepção da realidade e aproveitou todas as brechas que encontrou
para jogar sujo e golpear adversários da cintura pra baixo.
Em Novo jogo, velhas guerras, livro
lançado em 2020, o advogado e diretor executivo do InternetLab Francisco Britto
Cruz fala da “utopia da desintermediação à brasileira”, uma falácia hoje
encarnada no clã Bolsonaro. Britto Cruz emprega o termo para nomear essa falsa
impressão de que alguns políticos não têm medo de usar redes e aplicativos de
mensagens para falar a verdade para o povo sem intermediários. Articular trolls e
comprar bots são elementos constitutivos dos esforços de
guerra da extrema direita. Bannon, Bolsonaro, seus trolls e
seus bots são causa e consequência da utopia da
desintermediação à brasileira.
Infelizmente, veremos adiante que essa turma está
fazendo escola. A gramática política de Bannon e Bolsonaro tem se mostrado
vantajosa para que acusados de atentar contra a dignidade sexual de meninas e
mulheres.
Bots do bem
podem facilitar — e até mesmo salvar — a vida de meninas e mulheres. Bots do
mal que operam em sintonia com trolls para promover agendas
que só interessam a misóginos e autoritários aprofunda vulnerabilidades. A tecnologia
pode acelerar e dar escala a transformações positivas para meninas e mulheres,
mas pode também ser usada para manter mulheres cativas em situações de risco e
em silêncio.
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Bots do mal custam caro
Bannon arregimentou lideranças em diversos países e a
potência de sua gramática política é um fenômeno global. Diante disso,
organizações do mundo todo passaram a trabalhar em diálogo na busca por
remédios que ajudem a curar o estrago que trolls e bots causam
quando conseguem fazer mais barulho que cidadãos preocupados com a democracia e
os direitos humanos. Esforços dessa natureza têm resultado em tipologias
interessantes que guiam quem quer preservar a infraestrutura cívica brasileira.
As definições mencionadas acima, elaboradas pelo time do InternetLab, são
exemplos felizes de esforços dessa natureza. Graças ao empenho de grupos como o
InternetLab, hoje sabemos bem mais sobre trolls e bots do
que sabíamos quando Bannon começou sua busca por Trumps em todos os
continentes. E sabemos algo muito importante: bots do mal
capazes de virar a maré da opinião pública têm um preço salgado. Em resumo,
driblar limites legais e desenvolver automações que emulem personalidades reais
é difícil e caro.
De partida, criar e administrar perfis falsos nas
redes e aplicativos de mensagem demanda conteúdos que usuários reais produzem
naturalmente — foto de perfil, fotos e vídeos de familiares e amigos,
informações sobre trabalho e interesses, opiniões sobre temas variados.
Bots rudimentares
não seguem quase ninguém nas redes, não têm seguidores, compartilham poucas
informações sobre si. Contas fake muitas vezes nem têm foto de
perfil, compartilham poucas fotos e vídeos, não marcam membros da família e
amigos em suas postagens, não compartilham com frequência detalhes sobre suas
trajetórias profissionais. Até os nomes dos bots do mal são um
desafio porque os algoritmos têm dificuldades para criar nomes verossímeis. É
difícil e caro criar personas falsas que reproduzam as especificidades e
nuances de personalidades reais.
Robôs mais sofisticados, do tipo que Bannon e o clã
Bolsonaro gostam e que as plataformas fingem não ver, falam mais de si. Têm
seguidores e seguem várias contas — reais e fake. Os interessados
em ver o mercado dos bots prosperar investem alto como retorno
de automações complexas e mais difíceis de detectar. Ferramentas como o Bot Sentinel, o Botometer ou o brasileiro PegaBot ajudam quem quer ou necessita investigar vestígios da automação,
como o uso de fotos e vídeos roubadas de perfis de usuários reais. Mas é árdua
a vida das organizações que investem recursos escassos e tentam fazer frente ao
orçamento infinito da extrema direita. A cada pleito, os bannonianos brasileiros
investem mais recursos nesse tipo de esforço de guerra e ampliam seu arsenal.
Outro desafio para os scripts dos bots do
mal é a sintaxe. É difícil e caro reproduzir automaticamente a maneira como
pessoas reais se expressam. A sintaxe humana é perfeitamente imperfeita. A
inteligência artificial vive correndo atrás da genuinidade de personalidades
reais. É por isso que a evolução de ferramentas como o Chat GPT anima, mas
também assusta. Por ora, a dificuldade que os bots enfrentam
na reprodução da sintaxe humana real ainda é regra e ferramentas como o
Chat GPT é acessível para muito poucos. Tuítes provenientes de
contas fake, por exemplo, costumam ser repetitivos estereotipados
por serem produtos de algoritmos e não da mente de um indivíduo real. Somas
vultuosas são investidos no desenvolvimento de automações que reproduzem a
autenticidade da sintaxe humana.
O mesmo pode ser dito sobre a semântica. Bots do
mal são usualmente criados para uma finalidade específica. Quem compra bots sabe
o que quer deles: eleger, promover, cancelar, ameaçar… os donos de bots têm
muito dinheiro e legislam em causa própria. São ondeados por poder e isso é
perceptível nas postagens de seus bots. Os posts são
repetitivos, os temas são sempre os mesmos, as referências são sempre os mesmos
links. Os bots estão sempre indignados. Sempre unidos da
verdade mais verdadeira. Eles sempre sabem de algo que o establishment não
quer que o mundo saiba -– só não contam que eles são resultado de uma
quantidade de grana que só o próprio establishment consegue
arrecadar. A semântica dos robôs é pobre, seus donos não.
Ademais, bots do mal demandam
investimento em seus feeds. A linha do tempo de um usuário fake
costumeiramente compreende posts com links, menções e hashtags que
convêm aos seus donos e aquele algo a mais que mantém bots vivos
mesmo quando a Meta topa fazer o mínimo e diz que está fazendo tudo o que pode.
O PegaBot, projeto do Instituto do Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e
do Instituto Tecnologia & Equidade lançado em 2018, permite verificar a
atividade de uma conta de Twitter e identificar a probabilidade do perfil ser
um bot. Os algoritmos do PegaBot selecionam uma amostra de até
100 tweets recentes publicados por perfil sob análise e emite uma nota que
traduz a probabilidade de ser uma conta fake. Outras iniciativas de
natureza semelhante desenvolvidas pelo mundo usam métricas distintas, mas o fim
é o mesmo: observar a linha do tempo e o tom de voz de um perfil é chave para
pegar bots. Perfis que postam pouco e têm um feed escasso têm
mais chance de cair na malha fina das plataformas e dos aplicativos de
mensagem. Donos de bots ganham muito com a longevidade de seus
robôs. Porém, usuários que postam intensamente e compartilham dezenas de posts
por minuto também pode ser um vestígio de automação detectado pelas plataformas
e caem muito rápido. Bots não podem falar demais nem de menos.
Robôs com vida longa se tornam referências, viram pilares de comunidades,
ganham prestígio. E se tornam uma arma cada vez mais eficiente para bannonianos e
afins. Por essa razão, aqueles que desejam bots operando
livremente, manipulando o debate público, destinam muito dinheiro para que
programadores consigam desenvolver bots cuja pegada digital
seja idêntica à pegada digital de um usuário real.
Em suma, incitar trolls e gerar e
gerenciar exércitos de bots é complexo, caro e, sobretudo,
toma muito tempo. O clã Bolsonaro ouviu os conselhos de Bannon e
alimentou bots por anos. Durante as eleições, especialistas
garantem que o clã dobrou essa aposta e investiu pesado em uma estratégia
semiautomatizada: estima-se que os bolsonaristas tenham contratado agências que
oferecem pacotes que compreendem um usuário real administrador e cerca de
aproximadamente 700 contas falsas quentes.
Só quem sabe que vai perder o jogo se jogar limpo
arrecada recursos vultuosos e banca esforços de guerra desenhados para nos
deixar confusos, sem saber o que é orgânico e o que são automatizações
mal-intencionadas. O uso de inteligência artificial sem transparência demanda
dinheiro, tempo e é prova de um profundo desinteresse pela igualdade e pela
justiça.
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Sobre acusados de assédio e seus bots
Em outubro de 2015, Bannon, em uma entrevista
concedida à CNN enquanto cruzava os Estados Unidos com Trump, disse: “What
the media misses is the amount of anger that’s out there. Trump didn’t create
that”. Trata-se de uma afirmação reveladora sobre as forças em movimento à
época e o que conseguiram nos conquistar lá e cá. E é também uma frase que nos
permite compreender o momento em que estamos. Hoje, tendo em mãos uma gramática
política que ensina a alimentar trolls e pagar bots para
obter e manter poder, homens poderosos acusados de discriminação, assédio moral
e assédio sexual sabem muito bem o que priorizar: inocentes se defendem nos
tribunais, munidos dos fatos e representados por advogados competentes e
comprometidos com o Estado de Direito. Os demais gastam com times jurídicos que
extrapolam o razoável e são adeptos do lawfare que usam as
leis como instrumento de combate e atacam vítimas da cintura pra cima e
com trolls e bots, que cuidam dos golpes da
cintura pra baixo. Em casos assim, é vital botarmos reparo nisso,
advogados, trolls e bots costumam repetir a
mesma ladainha: fulano está sendo condenado pela mídia, é um lineamento, é um
injustiça, é um complô, havia consentimento, essas informações carecem de
contexto, são acusações injustas, isso aí é vingança, vocês estão sendo
enganados, acordem, tomem a pílula vermelha.
Trolls e bots podem
ajudar misóginos a se elegerem e podem, também, ajudar misóginos a se
defenderem das consequências de seus próprios atos. Quando é isso que está em
jogo, os bots costumam bradar nas redes diferentes versões de
um mesmo sinal de alerta: parem, não mordam a maçã que Eva disse ser tão
gostosa! Bennon, na frase acima, pontua: a extrema direita não inventou o ódio,
ela apenas sabe surfar nele. O mesmo vale para predadores sexuais. Assediadores
sexuais não inventaram o ódio às mulheres, eles apenas sabem surfar essa onda
melhor do que qualquer um.
No ano passado, a atriz Amber Heard e seu ex-marido,
o também ator Johnny Depp protagonizaram uma longa disputa nos tribunais. O
Caso Johnny Depp tomou conta das manchetes e das redes sociais. O mundo inteiro
acompanhou cenas ora comoventes, ora patéticas. Poucos conseguiram a proeza de
se manter alheios à guerra de narrativas e às teses de defesa das partes.
Contudo, embora o volume de conteúdo a respeito do litígio fosse abissal e os
feeds transbordassem vídeos e fotos de Heard, Depp e seus advogados,
compreender à vera o que se passava era tarefa bem complicada. Aquilo que
parecia para muitos ser informação em abundância era, na realidade,
desinformação e misoginia. Johnny Depp lançou mão de todos os truques possíveis
para garantir que a sua versão dos fatos prevalecesse: cobrou favores, ameaçou
publicamente quem se solidarizou com Heard e os declarou desafetos eternos,
hostilizou a ex-companheira inúmeras vezes para todo mundo ver e em diversas
ocasiões debochou do Estado de Direito. Além disso, Depp recorreu a estratégias
clássicas dos interessados em desinformar para controlar: investiu alto na
mobilização de trolls e na compra de bots.
No Brasil, há diversos paralelos preocupantes. Em
fevereiro, o líder masculinista Thiago Schultz (que nas redes responde por
“Manual Red Pill”) ameaçou a atriz Lívia La Gatto de morte. La Gatto e muitas
das mulheres que saíram em sua defesa foram atacadas por trolls raivosos
e bots do mal que conseguiram a grande proeza de dizer
absurdos ainda maiores do que as ameaças originais proferidas pelo próprio
Schultz. Vítimas, testemunhas, representantes legais e aliadas em outros casos
recentes, trágicos e célebres passaram — e ainda passam — por adversidades
semelhantes. O caso Thiago Brennand, o caso Casas Bahia, o caso Marcius Melhem
são paradigmáticos e guardam semelhanças com o gospel de Bennon, com as
adaptações do cânone bannoniano promovidas pelo clã Bolsonaro e com o Caso
Johnny Depp. Essa lista não é exaustiva, são apenas casos que estão na ponta da
língua e que estão muitíssimo bem documentados. Predadores sexuais andam cada
vez mais replicando práticas da extrema direita antidemocrática. Tem valido a
pena, para tipos que abusam do poder que têm e das mulheres ao seu redor,
usar trolls e bots para inflar artificialmente
a adesão à sua versão dos fatos e silenciar vítimas e testemunhas. Mulheres
vítimas de assédio e o movimento feminista como um todo se beneficiaria de
análises de automação robustas capazes de informar etratégias de resistência.
Durante as eleições, Bolsonaro e
sua tropa de choque registraram um aumento de seguidores fora do padrão nas
redes sociais. O impacto mais significativo se deu no Twitter.
Carla Zambelli (PL-SP), por exemplo, costumava registrar entre 1.000 e 1.500
novos seguidores ao dia. No período eleitoral, esses números explodiram e a
então candidata Zambelli chegou a registrar até 62.000 novos seguidores em
apenas dois dias. A então candidata Bia Kicis (PL-DF) teve desempenho
semelhante. Kicis tinha em média 1.000 novos perfis ao dia e durante as
eleições chegou a registrar mais de 50.000 novos seguidores em um fim de
semana. O uso de inteligência artificial sem transparência, nessas
circunstâncias, tem como objetivo gerar a sensação de que a extrema direita é
composta por lideranças em ascensão e que pesquisas não importam. Quando essa
estratégia é replicada por homens que atentam contra a dignidade sexual de
meninas e mulheres, o que se pretende é convencer todo mundo de que a narrativa
do assediador é mais verossímil que a da vítima. É o mesmo modus
operandi usado para finalidades distintas, mas contíguas —
descredibilizar pesquisas e eleger misóginos ou descredibilizar vítimas e
proteger misóginos.
Em tempos de papos acalorados sobre fake
news e a possibilidade de revisão do marco civil da internet, muito
tem sido dito sobre poder, política, redes sociais e aplicativos de mensagem.
Paralelamente, muito tem sido dito sobre assédio sexual no ambiente de trabalho
e sobre a necessidade de um marco normativo novo a esse respeito. Não podemos
perder de vista que as pautas são conexas. Não podemos nos dar ao luxo de
pensar que se tratam de encruzilhadas históricas distintas. Homens
inconformados querem suas mulheres cativas, suas funcionárias amedrontadas,
suas eleitoras no cabresto e os meios para levar esses planos adiante são os
mesmos, a cartilha é a mesma. Pensar essas agendas como raias paralelas e cobrir
resultados via editorias distintas vai custar a vida de muitas mulheres.
Fonte: Por Manoela Miklos, na Revista Rosa
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