Sobre as crises: o
capitalismo ensina, nós não aprendemos
A
quebra do Silicon Valley Bank e a quase-quebra do Credit Suisse reprisam os
episódios de um drama conhecido: a instabilidade da finança capitalista. O
capítulo seguinte também é conhecido: as autoridades econômicas vão ao socorro
do sistema financeiro para impedir uma ruptura sistêmica do crédito e do gasto.
Essa série, exibida nos canais da história moderna, podemos chamar de
Capitalismo.
Relendo
“Os Antecedentes da Tormenta” de Luiz Gonzaga Belluzzo, senti como é necessário
empregar o mesmo espírito crítico que José Carlos Braga invocou certa vez. Por
isso, lançarei um olhar sobre a crise a partir de uma perspectiva “Belluzzeana”
dos acontecimentos recentes.
Ainda
que conhecido nosso drama, Belluzzo insiste que a capacidade inventiva do
capitalismo altera a “morfologia da crise”, aprofundando e transformando as
conexões entre o crédito, a riqueza financeira e o gasto capitalista – isto é,
as raízes da crise.
Quando
olhamos para a crise de 2008, a quebra do Lehman Brothers precipitou a
deterioração da estrutura de ativos altamente arriscados e securitizados que
sustentaram o “efeito-riqueza” durante o boom da economia global entre 2003-07.
O sistema de crédito estava comprometido pela orgia entre bancos de depósito,
instituições financeiras e agências de classificação de risco.
As
regulações haviam sido obliteradas e a crença na autorregulação dos mercados
permitiu a tomada de riscos pelos agentes privados sem qualquer parâmetro do
envolvimento sistêmico entre as posições de dívida e de alocação dos recursos
financeiros. As assimetrias no plano monetário e produtivo espalharam os riscos
entre as praças financeiras do mundo, entulhando a responsabilidade de manter a
inflação de ativos na grande caçamba da dívida norte-americana.
A
denúncia do superaquecimento da economia yankee incitou a subida dos juros e a
elevação dos riscos de recessão. A paralisação do crédito veio junto com a
destruição dos ativos financeiros ancorados na capacidade de gasto e
endividamento de empresas e famílias. A crise se instalou. Sua morfologia
estava aprimorada: não se tratava de um risco localizado, mas de uma estrutura
altamente conectada cujo centro era Wall Street.
As
famílias assistiram suas poupanças serem sugadas pelo redemoinho da deflação de
ativos. Trabalhadores perderam seus empregos e as empresas foram afundadas por
dívidas impagáveis. A estruturação do sistema financeiro implicava, portanto,
um salvamento em massa, missão que os governos compreenderam tardiamente. Os
Bancos Centrais e Tesouros Nacionais foram forçados a posição de compradores
universais de títulos privados que não valiam nada.
A
crise era igual e diferente. A “endemia” de euforia e pânico, própria de uma
Economia Monetária da Produção, foi alavancada pela interpenetração do
dinheirismo dos capitalistas e a torpeza de políticos e reguladores, elementos
de fertilidade para a criatividade financeira.
A
crise que assistimos agora é igual. Também é diferente. A desregulamentação
persiste, os impulsos tecnológicos, as ondas cripto e a mudança do papel dos
Bancos Centrais, de 2008 até então, alongaram a trilha da busca do capitalismo
pela perfeição.
As
novidades nas manifestações dessa perfeição “imperfeita” estão registradas nos
balanços dos Bancos Centrais, abertos para colecionarem novos ativos que não
valem nada. Ativos esses empenhados na difusão das tecnologias 4.0, nas
astúcias informacionais dos algoritmos que decidem qual ativo comprar ou
vender.
Seguindo
as exigências pelo aumento global das taxas de juros para controle de uma
inflação de oferta, os Bancos Centrais, agora, se veem forçados pelos mercados
à redução compulsória. Os economistas aprontam seus discursos para tirar Keynes
do calabouço. Novos gastos estatais, alheios aos controles de endividamento
público, serão exigidos.
A
concentração da riqueza que forçou a crise retornará para resolvê-la depois da
tormenta. Belluzzo, lembrando Marx, atesta: “as formas concretas realizam os
conceitos que as determinam”. O conceito de riqueza financeira, amparada no
futuro, é, uma vez mais, realizado pela forma universal da riqueza monetária.
Enquanto
isso, nas encostas da liquidação da riqueza velha, o horizonte visível é o
mesmo:
“No
mundo em que mandam os mercados da riqueza já produzida, os vencedores e
perdedores dividem-se em duas categorias: os que, ao acumular capital fictício,
gozam de ‘tempo-livre’ e do ‘consumo de luxo’, e os que se tornam dependentes
crônicos da obsessão consumista e do endividamento, permanentemente ameaçados
pelo desemprego e, portanto, obrigados a competir desesperadamente pela
sobrevivência. Apresentados como provas da soberania do indivíduo, esses
controles suaves e despóticos foram se apoderando das mentes e das almas”.
A
construção de novos horizontes requer, talvez, a vacina Keynesiana que os
economistas negam, assim como negam o vírus financeiro:
A
regulamentação financeira, o controle de capitais especulativos, a partilha da
soberania monetária na construção de um sistema monetário “verdadeiramente”
internacional, a socialização dos investimentos, a tributação progressiva sobre
a riqueza, a utilização do progresso técnico a serviço das necessidades humanas
e não como cupido do amor do homem ao dinheiro.
Certamente,
a perspectiva Belluzzeana recomenda a vacinação imediata.
Desafios da construção de um novo projeto
de modernização. Por Marcio Pochmann
Vivemos
o despertar de uma nova ordem mundial. São tempos confusos, cujas ideias
parecem se fragmentar, pasteurizadas em torno das referências do passado. Mas a
consciência que resulta dos problemas mundiais atuais está a demandar outro
projeto de modernização. Os limites impostos pelo decrescente horizonte de
expectativas mundiais refletem uma espécie de cancelamento do futuro, pois
predominam imagens da guerra, da destruição ambiental, da desigualdade e do
desemprego estrutural, acompanhado pela tragédia da pandemia viral.
Desde
o estrangulamento do comércio entre o Oriente avançado e a primitiva Europa na
metade do século 15, quando ocorreu a queda de Constantinopla, emergiu o
projeto de modernidade ocidental fundamentado na economia de guerra e de uso da
natureza como mero recurso ilimitado. O aparecimento das armas de fogo e o seu
uso difundido por impérios ocidentais da época coincidiram com a própria
constituição inicial do mercado mundial.
A
integração de diferentes continentes (escravos da África, minérios e plantation
da América e consumo de mercadorias na Europa) se tornou possível mediante a
formação do sistema colonial europeu. Por três séculos, o colonialismo permitiu
a difusão de valores associados à extração de riquezas de territórios ocupados
por civilizações originárias que compreendiam a natureza diferente do modo de
vida imposto pelo colonizador.
A
partir do final do século 18, as lutas anticoloniais permitiram a formação de nações
independentes, porém integradas e subordinadas à continuidade do projeto de
modernidade Ocidental. Mesmo com a superação do velho colonialismo, o novo
sistema hierárquico capitalista se tornava dominante no mundo cada vez mais
assentado na economia de guerra e de extração da natureza.
No
século 20, as duas grandes guerras mundiais revelaram o poder destrutivo da
própria humanidade pela sofisticação das armas de fogo, especialmente em sua
fase nuclear. Mesmo como fim da Guerra Fria (1947-1991), o esperado período
dourado do projeto de modernidade Ocidental, conforme verificado após a derrota
do nazi-fascismo em 1945, terminou não ocorrendo.
Nos
últimos cinco séculos, a perspectiva Ocidental de modernidade se consolidou
pela força das armas de fogo, bem como pela indústria cultural centrada na
concepção universal determinada pelo Norte global, trazida pelo iluminismo. Um
projeto de modernidade que separou o modo de vida humano da convivência com a
natureza, transformada a exaustão como simples fator de produção de uso
ilimitado.
Ao
mesmo tempo, o projeto de modernidade Ocidental resultou na ocultação de
civilizações formadas por povos originários, com saber e modo de vida
compatível com a natureza. Os problemas que hoje afligem o mundo, como as
guerras, a mudança climática, as crises virais, entre outros, estão diretamente
relacionados aos limites do projeto de modernidade Ocidental.
Neste
começo da terceira década do século 21, o deslocamento do centro dinâmico do
mundo do Ocidente para o Oriente tem sido acompanhado pelo aparecimento de
novos pressupostos de modernidade, distintos do nortecentrismo global. O seu
conhecimento e a sua difusão no mundo se tornam fundamentos necessários para
além da esfera econômica e, sobretudo, comercial.
Outra
cultura de convivência com a diversidade dos povos, especialmente com as
especificidades da natureza, deve emergir constituída pela nova participação
política democrática que a Era Digital possibilita. Mesmo que não reconhecida
plenamente, a digitalização das sociedades contempla nova dimensão da cidadania
que ultrapassa a velha concepção de participação política exercida
exclusivamente pela presença física e protagonismo humano.
Novos
sujeitos, para além da ação humana, tornaram-se decisivos, como a biosfera, a
mudança climática, a natureza, os vírus. Da mesma forma, as crescentes
possibilidades tecnológicas convertidas em partes da indumentária humana
(luvas, óculos e outros) fazem da conectividade com o mundo virtual o campo
estendido e complexo da nova vida política democrática.
A
esperança reside na construção de uma outra ordem internacional fundamentada na
tradicional democracia política que não seja a repetição do passado de domínio
Ocidental, muitas vezes incapaz de reconhecer a igualdade e a soberania entre
os povos como a unidade necessária para o desenvolvimento de um futuro comum.
Para tanto, as economias de guerra e da destruição ambiental, próprias do
domínio da centralidade do norte global nos últimos cinco séculos, precisam
urgentemente ser substituídas por um novo projeto de modernização.
Do
contrário, a marcha atual da insensatez tende a se prorrogar, cancelando o
futuro em torno do protagonismo das emergências do presente. O estabelecimento
de inéditas instituições, construídas coletivamente, encontra no dinamismo do
Sul Global as oportunidades de um novo tempo da modernidade, como o BRICS que
pode vir a definir um novo projeto de modernização e liderá-lo.
Entre sorrisos e abraços, Haddad e Rui
Costa repetem disputa de Dirceu e Palocci
O
encontro recente dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa
Civil) que terminou com os dois abraçados e sorridentes é, praticamente, um
repeteco de cena protagonizada pelos ex-ministros Antônio Palocci e José Dirceu
no início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há 20
anos.
Os
dois principais homens de confiança de Lula em 2023 entraram em rota de colisão
por conta de vazamentos envolvendo as reuniões sobre o projeto da nova âncora
fiscal, mas o que ronda os desentendimentos nos bastidores é a pressa do
governo para destravar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) num cenário
de juros altos.
A
disputa de hoje se assemelha, em grande medida, à de 2003, quando Dirceu foi
porta-voz da insatisfação do PT com a política econômica de ajuste fiscal
patrocinada por Palocci - e apontada na época como uma reedição do governo FHC.
A aproximação de Palocci com o mercado era vista com desconfiança e a ação do
BNDES, motivo de divisão como agora.
Na
época, Lula chamava Dirceu de "capitão" e Palocci de
"craque" do time. Palocci só conseguiu ganhar mais espaço sobre
Dirceu quando o PIB começou a reagir.
Na
semana passada, Rui Costa foi apelidado pelo presidente de "Dilma de
calças". Já Haddad tem buscado na articulação política apoio a seu projeto
fiscal, e tem encontrado respaldo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O ministro aposta no arcabouço para ganhar confiança e levar ao início da queda
de juros.
• 'Alinhamento'
Rui
Costa foi até o Ministério da Fazenda, na quinta-feira passada, para
"selar a paz", mostrar "alinhamento" com Haddad e afirmar
em público que não há brigas. "Olha o sorriso dele e o sorriso meu",
disse o chefe da Casa Civil, abraçado a Haddad. Os dois fizeram questão de
posar juntos para as câmeras.
Nos
bastidores, há ainda ressentimentos. Na área econômica, existe a visão de que o
ministro da Casa Civil não teria entendido por completo o projeto do novo
arcabouço. Avalia-se também que existiria muita gente no governo falando de
temas econômicos e tomando medidas sem consultar o Ministério da Fazenda, como
ocorreu com a redução dos juros do consignado do INSS.
No
Palácio do Planalto, ao contrário, há uma leitura de que houve uma amplificação
de ruídos em torno da abertura de espaço para investimentos, que não existiriam
na prática. Lula não permitiu o anúncio do novo arcabouço, previsto para a
semana passada, e adiou a divulgação, ainda sem data marcada. O Estadão ouviu
integrantes do governo que reconheceram que o embaraço entre Haddad e Costa
sinaliza um embate antecipado pela disputa da sucessão de Lula. O
vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Planejamento, Simone Tebet,
outros dois presidenciáveis, têm dado apoio a Haddad.
• Meta para o PIB
Lula
definiu como prioridade neste início de governo acelerar o PIB. Por isso, o
governo tem acionado medidas de estímulo ao crescimento, que acabam tendo
impacto negativo nas contas públicas e no ajuste fiscal já anunciado por
Haddad.
O
Estadão apurou que a meta de crescimento que o governo persegue é entre 2,5% e
3%, mas os números até aqui, ao contrário, mostram a economia brasileira
perdendo tração em março.
A
pesquisa Focus, feita pelo Banco Central com analistas de mercado, aponta um
crescimento bem mais débil do que o desejado pelo presidente: uma projeção média
de 0,88% para o PIB neste ano.
Nesse
sentido, o ajuste fiscal proposto por Haddad para 2023 e uma nova âncora fiscal
que leve à reversão do déficit das contas públicas em 2024 é encarado como uma
pedra no caminho, e motivo que acionou o "fogo amigo" na direção de
Haddad e a artilharia contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto
- transformado pelo governo no principal vilão do crescimento econômico com a
taxa Selic no patamar de 13,75%.
No
mercado financeiro, analistas falam em dois cenários para este primeiro ano do
novo governo: um otimista, com probabilidade baixa, e um
intermediário/negativo, o mais provável.
No
cenário mais otimista, o governo faria uma inflexão de imediato, tendo à frente
Haddad, com um discurso e ações concretas na linha do ajuste fiscal e da
retomada da agenda de reformas. A Fazenda precisaria passar a atuar com mais
pulso na busca do ajuste fiscal e numa linha de contraponto à agenda política.
Já
no cenário apontado como mais provável, o intermediário/negativo, haveria uma
espécie de continuidade dos sinais observados na transição e uma disputa cada
vez menos velada entre áreas políticas e econômicas do governo. O governo
tenderia a falar de equilíbrio fiscal, mas sem implementar um plano muito
robusto. Ao longo do primeiro semestre, a tendência seria de piora gradual do
quadro econômico geral, por conta das pressões inflacionárias ainda
resilientes, taxa Selic alta, recuo da atividade e pressões por gastos.
Nesse
cenário, o risco que precisaria ser contido é de uma deterioração da inflação e
dos preços de mercado. A pergunta que se faz agora é se Lula cederá ao mercado
ou vai fazer uma aposta dobrada numa política desenvolvimentista.
Fonte:
Por Nathan Caixeta, no Brasil Debate/Teoria Política/Correio
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