sexta-feira, 10 de março de 2023

O que é o golpe do 'abate do porco', que manipula vítimas e esvazia suas contas bancárias

Quem não quer ter uma vida melhor? É esta premissa que impulsiona o golpe chamado de "pig butchering" (o "abate do porco", em tradução livre).

Os golpistas primeiro frequentam as redes sociais em busca da próxima vítima a ser iludida. Eles então se apresentam, por exemplo, como o parceiro que ela sempre quis ou o irmão que ela nunca teve, para depois começar a falar de investimentos.

Trata-se de um golpe financeiro de longo prazo relativamente novo. Nele, as vítimas - que os golpistas chamam de "porcos" - são "abatidas" depois de sofrerem forte manipulação emocional. Elas são convencidas a investir grandes valores em supostas plataformas comerciais, conduzidas com criptomoedas.

"A metodologia é nova, mas usa as mesmas características dos golpes amorosos", segundo Luis Orellana, especialista da Polícia de Investigações do Chile (PDI) e secretário-executivo da rede de luta contra o cibercrime na Europa e América Latina (Cibela).

"A diferença deste delito é o tempo dedicado pelos criminosos para 'engordar' a vítima antes de 'abatê-la' quando conseguem o investimento. É principalmente relacionado a investimentos com criptomoedas ou moedas virtuais", afirma Orellana.

·         Como o golpe é aplicado?

Tudo começa com uma mensagem inocente pelo WhatsApp ou alguma rede social - algo como "olá, tenho você nos meus números de contato, parece que nos conhecemos em algum lugar" ou um suposto erro, "oh, desculpe, eu me enganei" - ou através de plataformas de encontros como o Tinder, onde eles cativam a vítima com fotos atraentes.

"Eles fazem tudo parecer normal e, quando conseguem iniciar a conversa, começam a falar da vida, dos gostos etc.", detalha Orellana. "As conversas se transformam em algo comum e sempre por mensageiros instantâneos. Eles nunca falam por telefone."

Em conjunto com a Cibela, Orellana faz parte do programa de assistência contra o crime internacional organizado entre a Europa e a América Latina, conhecido em espanhol como El PAcCTO.

As vítimas são pacientemente "preparadas" durante semanas. Eles se apresentam, por exemplo, como aquela pessoa que oferece o apoio que você estava procurando.

"É assim que eles ganham a sua confiança para finalmente manipulá-la contra ela própria. Tudo isso gera grande manipulação emocional", explica à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Grace Yuen, da Gaso, uma organização internacional de luta contra este tipo de golpe.

Depois de estabelecerem um forte vínculo de confiança, os golpistas não pedem dinheiro diretamente, mas apresentam às vítimas um website ou aplicativo de investimento falso, no qual as vítimas sentem-se seguras para depositar dinheiro.

·         A mudança de rumo para os investimentos

"Eles levam o tempo que for necessário", segundo Orellana. "Depois de criarem os laços de confiança, começa a segunda etapa, quando eles começam a falar de investimentos e dos lucros que eles oferecem."

"Tivemos casos no Chile em que eles falam de informações privilegiadas de um suposto tio ou primo que trabalha em um banco de investimento em criptomoedas e comentam sobre sua alta rentabilidade", relata ele.

"Todas as pessoas querem ter uma vida melhor e entregam dinheiro a quem elas acreditam que pode ajudar a fazê-lo crescer", explica Yuen. "Os criminosos dizem que querem ajudar as pessoas a oferecer uma vida melhor para suas famílias. Esse tipo de coisas faz com que elas caiam e invistam fortunas nas plataformas."

Os golpistas afastam qualquer desconfiança que suas vítimas possam apresentar, fazendo com que elas acreditem que será um investimento conjunto, ou seja, se o investimento for de US$ 20 mil, cada um deles investirá a metade, por exemplo.

Pouco a pouco, eles indicarão com investir montantes de dinheiro cada vez maiores, com uma série de técnicas psicológicas e artimanhas no website ou aplicativo controlado por eles, que mostra supostos lucros dos seus investimentos. São aplicativos ou websites similares aos originais, mas, neste caso, eles são falsos e controlados pelos criminosos todo o tempo.

"Tivemos pessoas no Chile que começaram com investimentos pequenos e depois acabaram pedindo empréstimos, usando dinheiro das suas aposentadorias... o problema surge quando elas querem retirar parte dos lucros", afirma Orellana.

"Muitos desses golpes estão relacionados às páginas de encontros. Especialmente durante a pandemia, este tipo de plataforma era muito comum", segundo Yuen.

"Mas nem todos os golpes são apenas românticos. Estamos vendo agora muitas vítimas que conheceram os criminosos no Instagram, Facebook ou LinkedIn - isso, para falar dos grandes, mas, na verdade, eles usam qualquer rede social", acrescenta ela.

·         Quem são as vítimas?

Diferentemente do que se poderia pensar, muitas das vítimas deste golpe são pessoas estudadas e até com conhecimentos financeiros.

"Cerca de 80% ou mais das vítimas têm diplomas universitários e uma grande parte tem mestrado ou doutorado", segundo Yuen.

"As vítimas são de todas as profissões: desde enfermeiras e advogados até especialistas em informática e engenheiros de telecomunicações. Todos são pessoas com alta formação, normalmente com 24 até mais de 40 anos de idade. E agora estamos também observando vítimas mais idosas", detalha ela.

Os golpistas mantêm um roteiro que é adaptado a pessoas de qualquer idade. Qualquer um pode ser alvo desse golpe que começou na China no final de 2019, mas que se espalhou pelo mundo nos anos seguintes, principalmente nos Estados Unidos.

"Qualquer pessoa pode estar sujeita a este golpe", afirma Yuen. Ela também indica que existem vítimas na América Latina, embora os golpistas se concentrem principalmente nas regiões onde eles acham que possa haver um volume de dinheiro mais alto, como a Califórnia, nos Estados Unidos, onde os salários são muito altos.

Eles procuram maximizar seus lucros. "Muitas vítimas da Califórnia nos procuram, por exemplo, porque perderam facilmente um milhão de dólares neste golpe", explica a porta-voz da organização Gaso, criada em 2021 por uma mulher que foi vítima deste tipo de fraude.

"Mas é claro que também há vítimas na América do Sul [e em outras regiões]. Conhecemos pessoas do Peru, do Brasil e da Espanha, por exemplo, que foram enganadas. Não é nada incomum", acrescenta ela.

Este perfil de vítima existe em todos os países. "Temos recebido denúncias de pessoas com estudos e conhecimentos digitais, além de outras que trabalham na área financeira. E também aposentados, que investem suas aposentadorias. São pessoas de todo tipo", indica Orellana, sobre o perfil das vítimas no Chile.

·         Como elas são selecionadas?

Os criminosos sabem fazer excelente uso das redes sociais para escolher suas possíveis vítimas. Mas a ferramenta mais útil para eles é o LinkedIn.

"Existem ali ótimas informações para os golpistas", afirma Yuen. "Eles sabem seu nível de estudos, o que já diz muito. Se você foi a uma universidade renomada, há uma boa possibilidade de que esteja ganhando muito dinheiro. Da mesma forma, se você trabalhar em uma empresa mundialmente reconhecida."

"Eles podem também calcular a sua idade a partir da data de graduação e ver há quantos anos você trabalha em um dado setor. Eles irão começar conversas normais, perguntando há quantos anos você trabalha na indústria de tecnologia, por exemplo. Conversas que podem surgir quando você conhece alguém em uma festa. Tudo isso serve para que eles vejam se você é um bom alvo e se vale a pena investir tempo em você", explica Yuen.

·         Prejuízo milionário

Em 2021, o Centro de Denúncia de Delitos na Internet do FBI recebeu mais de 4,3 mil denúncias relacionadas ao "pig butchering", totalizando mais de 429 milhões de dólares (cerca de R$ 2,2 bilhões) de prejuízo.

É muito difícil recuperar o dinheiro neste tipo de fraude, pois o saque ocorre imediatamente no momento em que o montante é recebido. E, normalmente, a vítima enviou os valores há muito tempo e o rastro do dinheiro já foi perdido.

Cerca de 2 mil pessoas apresentaram denúncias através da Gaso desde meados de 2021 e o prejuízo médio deste tipo de golpe é de US$ 173 mil (cerca de R$ 900 mil) por vítima.

A organização reconhece que "esta é apenas a ponta do iceberg" de um golpe que costuma ser operado em centros localizados na Ásia. E, em alguns casos, como ocorre em países como o Camboja, Laos e Mianmar, os golpistas também são vítimas do tráfico de pessoas.

Entre suas denúncias, a Gaso tem casos como o de uma mulher de cerca de 60 anos, encontrada por um golpista no LinkedIn.

"O perfil do criminoso a fazia recordar seu filho", relata Yuen. Ela também era imigrante. Havia deixado a China e se mudado para os Estados Unidos muitas décadas atrás e identificou-se com a história do jovem que havia acabado de mudar-se da China para os EUA quatro anos antes e ainda sofria com os choques culturais."

"Seus instintos maternos foram despertados e projetados sobre o golpista. E ele a convenceu a investir mais de um milhão de dólares [cerca de R$ 5,2 milhões] através da plataforma", prossegue ela.

"Existem muitas histórias trágicas, como a de uma mulher que era divorciada e investiu todas as suas economias em uma plataforma", indica Yuen. "Temos muitas mulheres viúvas ou divorciadas, preparadas para prosseguir nas suas vidas, que foram usadas pelos criminosos."

·         Golpes na América Latina

No caso da América Latina, embora seja difícil obter dados exatos sobre o número total de pessoas afetadas, a Cibela mediu os resultados da campanha informativa do programa de assistência El PAcCTO durante 60 dias.

Ao todo, havia 298 denúncias relacionadas a golpes com criptomoedas. Entre os países mais afetados, encontra-se o Chile, seguido pelo Equador, Argentina e Colômbia.

Segundo o estudo, 65% das vítimas de "pig butchering" eram homens e 35% eram mulheres. O grupo mais numeroso era o das pessoas com 30 a 50 anos de idade e os valores perdidos variavam de US$ 200 a US$ 150 mil (cerca de R$ 1 mil a R$ 780 mil).

"No Chile, tivemos o caso de uma pessoa que foi lesada em US$ 150 mil [cerca de R$ 780 mil]", segundo Orellana. E, às vezes, as mesmas vítimas podem ser alvo de novos golpes.

"Tivemos o caso de uma pessoa que sofreu um golpe com criptomoedas por meio de um site falso", relembra Orellana. "Quatro meses depois, ela recebeu uma mensagem de um escritório de advocacia americano, dizendo que o site que a havia roubado está sendo investigado nos Estados Unidos, que eles estavam preparando uma ação coletiva e queriam saber se ela gostaria de fazer parte."

"Até aqui, não pediram dinheiro, só perguntaram se estaria de acordo", segundo ele. "Depois de um tempo, eles disseram que a ação seguia tramitando e que só no final cobrariam um percentual do dinheiro recuperado. Mas, enquanto isso, eles pediram dinheiro para um perito e, com isso, a pessoa sofreu um novo golpe."

Orellana insiste na velha máxima de "nunca acreditar nem confiar em pessoas que você não conhece".

·         Como proteger-se?

O FBI resume suas orientações em cinco pontos:

  • Nunca envie dinheiro, negocie, nem invista com base nos conselhos de alguém que você só conheceu na internet;
  • Não comente sua situação financeira atual com pessoas desconhecidas e que não sejam de sua confiança;
  • Não forneça seus dados bancários, números de documentos, cópias de documentos de identidade ou passaporte e nenhuma outra informação pessoal a ninguém online, nem a um website que você não saiba que é legítimo;
  • Se um site de investimento ou comércio online promover benefícios aparentemente impossíveis, o mais provável é que eles sejam exatamente isso: impossíveis;
  • Tenha cuidado com as pessoas que afirmem ter oportunidades de investimento exclusivas e insistam que você deve agir com rapidez.

 

Ø  A medida simples para evitar cair em golpes online. Por Yaniv Hanoch e Nicholas J. Kelley

 

Manter-se atento e atualizado sobre os últimos golpes digitais é exaustivo. Os golpistas parecem estar sempre um passo à frente.

Mas nosso estudo mostrou que há algo simples que você pode fazer para reduzir drasticamente a chance de perder dinheiro com golpes na internet: desacelerar.

Na verdade, entre as várias técnicas usadas pelos golpistas, criar um senso de urgência ou a necessidade de agir ou responder rapidamente é provavelmente a mais prejudicial.

Assim como acontece com muitas vendas legítimas, agir rápido reduz sua capacidade de pensar com cuidado, avaliar informações e tomar uma decisão cuidadosa.

  • Perdas de centenas de milhões

Os lockdowns impostos pela pandemia de covid-19 nos tornaram mais dependentes de serviços online, como compras e transações bancárias.

Os golpistas foram rápidos em se aproveitar desta tendência, aumentando a incidência e a variedade das fraudes online.

A empresa de segurança cibernética F5 descobriu que os ataques de phishing aumentaram mais de 200% durante o pico da pandemia, em comparação com a média anual.

Um tipo de golpe do qual muita gente é vítima são os sites falsos (de empresas ou de governos).

De acordo com a organização sem fins lucrativos Better Business Bureau, que lida com reclamações de consumidores, sites falsos são um dos principais golpes denunciados.

Eles causaram perdas estimadas no varejo de aproximadamente US$ 380 milhões nos EUA em 2022. Na verdade, as perdas provavelmente são muito maiores porque muitos casos não são denunciados.

Desenvolvemos uma série de experimentos para avaliar que fatores afetam a capacidade das pessoas de distinguir entre sites reais e falsos.

Em nossos estudos, os participantes visualizaram capturas de tela de versões reais e falsas de seis sites: Amazon, ASOS, Lloyds Bank, site de doações para covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS), PayPal e HMRC (órgão britânico equivalente à Receita Federal).

O número de participantes variou, mas tivemos mais de 200 em cada experimento.

Cada estudo envolveu perguntar aos participantes se eles achavam que as capturas de tela mostravam sites legítimos ou não.

Na sequência, eles também fizeram testes para avaliar seus conhecimentos de internet e raciocínio analítico.

Pesquisas anteriores mostraram que o raciocínio analítico afeta nossa capacidade de distinguir entre notícias reais e falsas e e-mails de phishing.

As pessoas tendem a usar dois tipos de processamento de informações — sistema um e sistema dois.

O sistema um é rápido, automático, intuitivo e relacionado às nossas emoções.

Sabemos que os especialistas confiam no sistema um para tomar decisões rápidas. O sistema dois é lento, consciente e trabalhoso.

A capacidade de ter um bom desempenho em tarefas de raciocínio analítico tem sido associada ao sistema dois de pensamento, e não com o sistema um.

Então usamos as tarefas de raciocínio analítico como um indicador para nos ajudar a dizer se as pessoas estão mais inclinadas ao sistema um ou dois de pensamento.

Um exemplo de uma das perguntas em nosso teste de raciocínio analítico é: "Um taco e uma bola de beisebol juntos custam US$ 1,10. O taco custa US$ 1,00 a mais que a bola. Quanto custa a bola?"

Nossos resultados mostraram que uma maior capacidade de raciocínio analítico estava vinculada a uma melhor capacidade de diferenciar sites falsos e reais.

Outros pesquisadores descobriram que a pressão do tempo reduz a capacidade das pessoas de detectar e-mails de phishing. Também tende a envolver o sistema um de processamento, em vez do sistema dois.

Os golpistas não querem que a gente avalie cuidadosamente as informações, mas se envolva emocionalmente com elas. Por isso, nosso próximo passo foi dar aos participantes menos tempo (cerca de 10 segundos, em comparação com 20 segundos no primeiro experimento) para executar a tarefa.

Desta vez, usamos um novo grupo de participantes. E descobrimos que os participantes que tinham menos tempo para julgar a credibilidade de um site apresentavam uma pior capacidade de discriminar entre sites reais e falsos.

Eles eram aproximadamente 50% menos precisos em comparação com o grupo que teve 20 segundos para decidir se um site era falso ou real.

Em nosso estudo final, fornecemos a um novo grupo de participantes 15 dicas sobre como identificar sites falsos (por exemplo, verifique o nome do domínio).

Também pedimos à metade deles que priorizasse a precisão e levasse o tempo que fosse necessário, enquanto a outra metade foi instruída a decidir o mais rápido possível.

Trabalhar com agilidade, em vez de com precisão, se mostrou ligado a um desempenho pior e a não se lembrar bem das 15 dicas que havíamos fornecido anteriormente.

Com o aumento do uso da internet entre todas as faixas etárias, os golpistas estão capitalizando em cima da tendência das pessoas de usar mecanismos de processamento de informações mais intuitivos para avaliar se um site é legítimo.

Os golpistas costumam elaborar suas solicitações de maneira que incentive as potenciais vítimas a agir rapidamente porque sabem que as decisões tomadas nessas condições são a seu favor.

Eles podem anunciar, por exemplo, que uma promoção vai terminar em breve.

Um monte de conselhos sobre como identificar sites falsos sugere que você analise cuidadosamente o nome do domínio, procure o símbolo do cadeado, use verificadores de sites como Get Safe Online, busque erros de ortografia e desconfie de ofertas que parecem boas demais para ser verdade.

Estas sugestões, obviamente, exigem tempo e ação deliberada. Sem dúvida, possivelmente o melhor conselho que você pode seguir é: desacelere.

 

Fonte: BBC News Mundo/The Conversation

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