"Nosso desafio
é aproximar o Arquivo Público da sociedade baiana", diz Jorge X
Na
comunicação oficial referente ao seu cargo, o novo diretor do Arquivo Público
do Estado da Bahia ainda assina seu nome de batismo, Jorge Vieira, enquanto
aguarda liberação jurídica para poder se apresentar formalmente com seu nome
político, Jorge X. Uma forma de expressar a sua rejeição aos sobrenomes
impostos pela colonização portuguesa no Brasil. E esse tema deve ganhar
relevância em sua gestão.
Nesta
entrevista, Jorge X explica como pretende chamar a população baiana para
pesquisar, através da documentação oficial, as suas origens étnicas na África.
LEIA
A ENTREVISTA:
• Primeiro, a grande curiosidade. Já extinguiu-se o risco de o Arquivo Público
do Estado perder essa sede em um leilão?
Não.
O processo ainda corre em relação ao leilão do imóvel.
• Como é o perfil de quem procura o
Arquivo para pesquisar documentos? Quais são os papéis mais procurados?
Na
nossa gestão, vai ter uma mudança. Inclusive a gente teve uma reunião sobre
isso agora. Vamos ampliar em 50% o número de documentos a que
pesquisadores, historiadores e
arquivistas terão acesso aqui no Arquivo Público do Estado da Bahia. Hoje, são
dez documentos por pesquisa. A partir de
abril, vamos ampliar para quinze documentos.
As
consultas podem ser feitas atualmente uma vez por semana, mas agora essa
consulta será diária. Os documentos custodiados aqui no Arquivo Público do
Estado da Bahia são atas notoriais dos períodos colonial e republicano, os
alvarás de compra e venda de escravizados.
São
documentos que retratam a importância do Arquivo Público do Estado da Bahia.
Aqui também está um conjunto documental destacado como memória do mundo. O
Arquivo Público do Estado da Bahia só perde em importância para o Arquivo
Nacional.
• Eu conversei com um pesquisador que não
mora no Brasil e ele demonstrou preocupação com o prazo para reserva de vaga na
pesquisa porque ele só tinha uma semana a mais disponível antes de viajar e
temia não conseguir fazer a pesquisa. Como estão os prazos para reserva?
A
pessoa reserva e o Arquivo Público tem uma capacidade de reserva de 48 horas
para a documentação ser preparada. Nosso patrimônio arquivístico é muito
sensível, há documentos de 1823 custodiados aqui. Se não houver um preparo para
que fiquem disponíveis para os
pesquisadores, eles podem se degradar ou sofrer algum tipo de acidente. Então,
assim. Não é tão simples. A gente
precisa de uma equipe para ir até o depósito do arquivo e deixar pronta essa
documentação.
• Quantos pesquisadores em média visitam o
arquivo em um mês?
No
último ano, tivemos 732 pessoas que vieram ao Arquivo Público do Estado da
Bahia. Nossa sala de pesquisa tem capacidade para acomodar 16 pesquisadores.
Nosso sistema de pesquisa parte do princípio da isonomia e da impessoalidade do
serviço público. Um pesquisador que venha de longe faz a reserva e tem a
garantia do acesso à documentação. Com esse sistema, a gente garante uma fila
de acesso. Sem esse sistema, a consulta
pode ficar difusa. E aí tem uma relação de poder estabelecida diante do
arquivo, nós não queremos isso. A administração pública preza pelos princípios
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da
eficiência. Nós, nesse lugar, estamos prezando por isso. Para nossa gestão,
todos são iguais no acesso ao que temos aqui salvaguardado.
• Qual o tamanho do acervo do Arquivo
Público do Estado da Bahia e quais os
documentos mais consultados?
Temos
por volta de 41 milhões de documentos. Arquivisticamente, são 7,5 mil metros
lineares, um cálculo que os arquivistas utilizam para medir a documentação no
seu espaço de custódia. Os documentos mais procurados são, com certeza, os do
acervo jurídico, que dão direito a dupla nacionalidade, os documentos fundiários para acesso a terras, imóveis.
• Recentemente, houve o centenário da
morte de Ruy Barbosa e tem essa questão dos documentos comprobatórios de origem
de pessoas escravizadas, destruídos
quando ele foi ministro da Fazenda. Aqui
no Arquivo Público do Estado da Bahia há documentos que podem mapear a origem
ancestral de cidadãos baianos?
Sim,
com certeza há registros da escravidão e é bom que se informe também que a
Fundação Pedro Calmon desenvolveu uma experiência de rastreamento genético, do
qual eu fiz parte como estudante, que é justamente resgatar esses registros,
uma parte desses registros, já que não foram todos destruídos por Ruy Barbosa.
Hoje,
eu sei que minha ancestralidade vem do povo Ticar, no atual país de Camarões.
Razão pela qual eu registrei meu filho com o último sobrenome Ticar. Esse
resgate faz com que ele leve nossa ancestralidade que foi tirada no processo de
colonização. Essa experiência tecnológica colocou a fundação na vanguarda dessa
questão e o nosso dever é fazer um pareamento entre a tecnologia e os registros
que nós salvaguardamos.
• O senhor considera a possibilidade de
fazer um chamamento ou mesmo uma campanha especificamente para
que os baianos tentem descobrir a sua ancestralidade exata?
Com
certeza. Junto com o professor Vladimir Pinheiro, presidente da Fundação Pedro
Calmon, já estamos falando sobre isso. A ideia é aproximar os serviços do
Arquivo Público do Estado da Bahia da sua população. A história da comunidade
negra, da comunidade indígena, da população soteropolitana e baiana está aqui
registrada.
O
nosso desafio é aproximar o Arquivo da sociedade baiana, nesse sentido. E aí o
que não falta é ideia. Dinamização da comunicação, trazer as escolas públicas
para dentro do Arquivo, aumentar o fluxo das universidades, que já estão
presentes aqui. Os pesquisadores também colaboram muito com nossa gestão, dando
sugestões, dicas. E estamos numa perspectiva de uma gestão participativa.
Ontem
(segunda, 20), eu tive uma reunião com historiadores, na pessoa do grande
pesquisador João Reis. Aliás, não chamo aquilo de uma reunião, foi uma
consultoria. Aprendi muito e estou
trazendo contribuições valorosas.
• Tipo...
Ampliar
o número de acessos, dinamizar as redes sociais, ampliar a ideia de abertura do
Arquivo Público, e futuramente a construção de um prédio inteligente, que possa
salvaguardar a história do povo baiano.
Seria um prédio talvez no Centro Administrativo, com estruturas de aço e
vidro, que não sejam inflamáveis.
• Uma pessoa que queira descobrir a origem
histórica de sua família na África, em quanto tempo consegue a resposta?
Há
alguns procedimentos em relação aos documentos aqui custodiados. É preciso
preencher o nosso formulário de direito de uso de imagem, isso é
importantíssimo. Se o documento puder ser fotografado, a pessoa pode tirar
foto. Informar os dados pessoais, os documentos que pretende acessar e o
período da documentação, colonial, Império.
Em
48 horas, a pessoa tem acesso à documentação solicitada. A documentação será
retirada do depósito, higienizada e preparada para consulta. Se ela não estiver
em condições de manuseio pelo público externo, haverá um técnico para
auxiliar. O Arquivo Público é um
instrumento da sociedade baiana. A
sociedade tem o direito de acessar.
• O senhor trabalhou no arquivo da
Chesf. Como é a experiência de um
trabalho dessa natureza em uma organização desse porte?
Foi
um trabalho interessantíssimo. Na época, eu era funcionário da PA Arquivos, uma
grande empresa do setor e eu fiquei responsável pela documentação de pessoal de
funcionários da Chesf, de 2004 a 2005. Eram documentos antigos. Cartão de
ponto, ficha cadastral, atestado médico, férias, holerite (contra-cheque). E a
gente classificava por ordem alfabética, para que a Chesf não perdesse esse legado e também
pudesse responder juridicamente a eventuais processos.
A
documentação de pessoal tem uma prescrição de mais de 90 anos para fins
previdenciários, transmissão de herança, benefícios. Nós tivemos um trabalho gigantesco de
salvaguardar, organizar e também descartar documentos que não faziam parte da
descrição de documentos de pessoal. Eu
sou servidor da Defensoria Pública da União.
• O senhor também integra o Projeto
Acesso, que ajuda pessoas vulneráveis a receber benefícios do Estado que elas desconhecem
que têm ou não sabem o caminho para atingi-los. Como isso funciona?
Eu
sou formado em Arquivologia, que está ligada a arquivos e papéis. Mas a população precisa saber que esse é um
trabalho ligado às informações orgânicas das organizações. Eu sou servidor da
Defensoria, que é um órgão jurídico.
E
nesse lugar de compreender como a informação transforma e viabiliza direitos,
nós construímos o Projeto Acesso,
justamente por entender que nas comunidades há um problema de compreensão dos
ritos processuais existentes na esfera pública. A pessoa tem o direito de
auferir um benefício assistencial ou previdenciário, mas não sabe chegar até
esse objetivo porque não conhece os ditames.
O
Projeto Acesso nasce justamente como uma ponte entre o cidadão e o serviço
público. A gente desmistifica
terminologicamente aquela burocracia que a população não compreende. O que mais
a gente identificou foi pessoas que
possuem vulnerabilidade social, estão registradas no CadÚnico (Cadastro Único
para Programas Sociais), têm 68, 70 anos, morando sozinhas e com direito ao
BPC-LOAS (Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência
Social).
O
Projeto Acesso chega para essas pessoas e pergunta se elas sabem que têm
direito a um benefício social pelas condições que se apresentam e elas dizem
que não. A gente faz o cadastro da pessoa e em três semanas ou um mês ela
começa a receber o benefício de um salário-mínimo e isso restabelece a
dignidade da pessoa. A gente não quer substituir o poder público.
Pelo
contrário, a gente quer trazer para o
poder público uma metodologia que consideramos inovadora, com busca ativa na
comunidade. A gente passa com o carro de
som, deixa o Whatsapp (99414.4444) à disposição.
Fonte:
A Tarde
Nenhum comentário:
Postar um comentário