quinta-feira, 9 de março de 2023


 As leis brasileiras não estavam preparadas para um criminoso serial na presidência

Bolsonaro vai responder a mais de 30 processos, por crimes políticos, eleitorais e comuns. É um recorde infame. Nenhum ex-presidente cometeu tantos. A lista contempla um leque vastíssimo.

Ataques ao STF e a seus ministros, discurso racista (o quilombola que pesa arrobas), apologia do estupro (só não te estupro porque você é feia), disseminação de notícias falsas durante a pandemia (cloroquina cura), incitação ao crime (máscara é para os frouxos), divulgação de investigações sigilosas (sobre ataque hacker ao TSE), injúria e calúnia (dos ministros do STF Luiz Roberto Barroso e Alexandre de Moraes), improbidade administrativa (caso Wal do Açaí, do tempo em que era deputado e que será retomado agora), estímulo a atos e discursos anti-democráticos (gabinete do ódio), incitação à intentona de 8/1 (reunião no Planalto para grampear Alexandre de Moraes, minuta do golpe com seu nome), genocídio yanomami (por incentivar invasão de garimpeiros), abuso de poder político (reunião com embaixadores colocando em dúvida o processo eleitoral), abuso de poder político e econômico durante a campanha de 2022 (empréstimo consignado, antecipação de parcelas do Auxílio Brasil, aumento do número de beneficiados, usurpação da festa dos 200 anos da Independência) são apenas alguns deles.

Mas os danos que ele causou ao país vão muito além.

Tentou ideologizar a educação. Atacou a imprensa e os jornalistas diariamente. Criou inimigos gratuitos, como o presidente da França, ao caluniar sua mulher. Isolou o Brasil e o transformou em pária internacional. Jogou a população contra as Forças Armadas. Estimulou a compra e o uso de armas, mas não de livros. Rompeu a laicidade do estado. Prevaricou ao fechar os olhos às transações clandestinas envolvendo vacinas. Quebrou o decoro presidencial inúmeras vezes. Interferiu ilegalmente em investigações de seu interesse. Gastou fortunas no cartão corporativo em transações suspeitas.

Apesar da impressionante capivara, a punição não será proporcional aos danos que causou.

Os processos eleitorais não dão cadeia, apenas impedem de concorrer nas eleições. Por, no máximo, oito anos. Se condenado, Bolsonaro, que tem 63, quando tiver 71 poderá concorrer de novo. O correto seria, no seu caso, proibi-lo de se candidatar para todo o sempre.

Nos processos criminais há punições severas, até 15 anos no caso de genocídio e de atentado ao estado democrático de direito.

Como cada um dos processos será tocado por um magistrado diferente da Justiça Federal, por sorteio, tanto poderá cair com algum bolsonarista - que tenderá a arquivar - como a um magistrado técnico, que o levará adiante.

Nem todos os processos que estão no STF vão descer à primeira instância. Sobretudo os relatados por Alexandre de Moraes.

Os que descerem, vão enfrentar um longo caminho até a condenação ou absolvição final, no STF.

Ainda que Bolsonaro seja condenado a, digamos, 20 anos de prisão, vai cumprir apenas , no máximo, como acontece com todos os condenados que têm bons advogados.

Como ele é ex-presidente, terá a prerrogativa de cumprir a pena numa “sala especial”, em alguma dependência policial ou militar. Não irá para a Papuda. Por tudo o que fez, deveria ser afastado do convívio social para sempre.

As leis brasileiras não estavam preparadas para um criminoso serial na presidência. Nenhum legislador previu que um dia surgiria um tal de Bolsonaro.

 

Ø  A marca de batom na cueca de Campos Neto. Por Florestan Fernandes Jr

 

Em 29 de abril de 2021, toma posse o primeiro presidente do “tal” Banco Central autônomo, justamente Roberto Campos Neto, que já comandava o BC por indicação de Paulo Guedes e teve seu mandato prorrogado por Bolsonaro até dezembro de 2023. 

Na prática, ao entrar em vigor no meio do mandato de Bolsonaro, a lei Complementar 179/2021 permitiu ao ex-presidente da República, mesmo estando fora do poder, continuar determinando a política monetária do país. 

A estratégia é perfeita, não fossem os deslizes de Campos Neto na sua ligação umbilical com a extrema-direita bolsonarista. Deixou-se fotografar em manifestações com a camisa amarela, participou ativamente da reeleição de seu "chefe" e era ativista num grupo de WhatsApp dos ministros de Bolsonaro. 

Hoje (13/02), a coluna de Guilherme Amado no Metrópoles publica a prova incontestável dessa relação despudorada de Roberto Campos Neto com Bolsonaro, a marca indelével de sua adesão apaixonada ao projeto político bolsonarista.

Durante a campanha eleitoral do ano passado, o presidente do “BC Independente” fazia previsões estatísticas em grupo de WhatsApp que garantiam a vitória de seu dileto candidato, cuja reeleição era dada como certa por Campos Neto. Mais do que eleitor, entusiasta da campanha, o atual presidente do BC alimentava animadamente a Confraria dos vilões da democracia. 

Toda essa situação é extremamente preocupante. Seja porque ficou evidente que Campos Neto não é capaz de demonstrar ou mesmo inspirar a necessária postura de independência política e econômica que o cargo exige; seja porque já dá para cravar que o presidente do BC anda longe da expertise em projeções e estatísticas... lembrando que a função do BC é a de prever os riscos de inflação e determinar a taxa de juros adequadas para o controle da nossa economia. 

Pelo seu próprio histórico de parcialidade política e econômica, não existe mais a imparcialidade fundamental para manter Campos Neto na presidência do BC. Não resta outra saída ao presidente Lula senão encaminhar imediatamente denúncia ao Senado Federal pedindo a substituição imediata de Campos Neto, antes que seja tarde demais e o quadro de recessão que se avizinha se torne irreversível.

 

Ø  A escolha de Campos Neto é sabotar Lula (e o país). Por Paulo Moreira Leite

 

A crítica de Lula a Roberto Campos Neto,  presidente do Banco Central, não envolve qualquer debate sobre idéias econômicas no século XXI.      

Os números da campanha eleitoral mostram que brasileiros e brasileiras foram capazes de elaborar uma visão clara das diferenças entre o espírito desenvolvimentista que animou a campanha de Lula e o monetarismo tosco de Paulo Guedes-Bolsonaro, responsável pela tragédia economica que o país atravessa.        

Nessa situação, é difícil negar que, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e da defesa dos interesses do país, Lula tenha 100% de razão ao denunciar a natureza predatória da gestão de Campos Neto.

Para quem ainda não foi convencido, basta acompanhar artigos e entrevistas de outro economista,  André Lara Rezende, um dos principais formuladores do Real,  projeto econômico de Fernando Hernando Cardoso.  

Exibindo uma rara coragem intelectual para encarar os fatos e reconhecer os resultados mesmo quando se mostram decepcionantes, o balanço da obra levou Lara Rezende refazer  o caminho numa autocrítica lúcida e corajosa. 

Integrado a uma diretoria do BNDES, hoje Lara Rezende contribui com idéias e sugestões para a equipe econômica de Lula.

Verdade que, no plano teórico, o debate econômico envolve um grau de erudição profundo demais para a maioria dos brasileiros, inclusive este jornalista. 

No plano político, no entanto, a verdade é fácil de compreender. Graças à regras impostas ao país após o golpe de 2016, que importou as leis e costumes que o neo-liberalismo impôs às principais economias capitalistas do planeta, ocorreu uma mudança de fundo em nossas instituições financeiras.  

Numa estratégia ardilosa, aprovou-se uma regra que retira do presidente da República o direito de escolher o presidente do Banco Central de sua preferência, de acordo com suas ideias e convicções, para assegurar a hegemonia da célebre mão invisível do mercado.  A lei, aprovada após a queda de Dilma, definiu que os mandatos -- de presidente da república e presidente do BC -- não sejam coincidentes, permitindo, assim, que a força sagrada da soberania popular fosse neutralizada na definição de centro nevrálgico da economia de qualquer país, a taxa de juros.

Bolsonarista assumido, Campos Neto é afilhado direto de Paulo Guedes, neo-liberal da escola Pinochet.  Sua função num posto estratégico da área economica do Estado brasileiro é sabotar o projeto Lula, referendado pelas urnas da campanha presidencial, em nome da cartilha neoliberal que lhe abriu as portas para o cargo que ocupa hoje. 

Se Bolsonaro tivesse sido vencido em outubro, Campos Neto seria o executivo coerente com ideias do candidato vitorioso. Mas em 2022 o eleitorado mostrou que sua vontade política era outra -- e, neste caso, Campos Neto não tem lugar na equipe que Lula tenta montar para reconstruir o país.      

Passado pouco mais de um mês da posse, deixou claro que tem apenas um serviço de destruição e sabotagem a executar,  bloqueando todo e qualquer esforço do novo governo para construir uma política econômica que o povo considera mais adequada para o país.     

Essa era a vontade do revanchismo reacionário que animou os golpistas que derrubaram Dilma há pouco mais de seis anos. Campos Neto mostra-se fiel a ela.     

Alguma dúvida?

 

Ø  O governo ainda está infestado de bolsonaristas. Por Moisés Mendes

 

Não são apenas os militares de Bolsonaro que continuam sentados em seus gabinetes e nas mais variadas repartições dos escalões intermediários no governo Lula. São também os civis em cargos comissionados. São milhares.

A direita nunca se afastou com facilidade de coisas antigas, como departamentos, seções e repartições públicas. Com a extrema direita, é mais complicado. A extrema direita adora uma repartição.

O esperado seria que ocupantes de cargos de confiança, que não fazem parte de quadros do Estado, pedissem para sair logo depois da fuga de Bolsonaro.

Mas se sabe que eles não pedem. É parte do dilema de um quebra-cabeças sempre presente em troca de governo.

Não mexam com todo mundo, aleatoriamente, e muito menos com aquele cara ali, porque pode ser um extremista, mas é afilhado do Kassab. É preciso contemplar demandas dos aliados.

Não há como substituir com afobação. Não há como saber, em pouco mais de 40 dias de governo, quais dos 6 mil militares empregados por Bolsonaro são de fato bolsonaristas ou simpatizantes de ideias golpistas e quais podem ter a chance de permanecer, se é que devem.

Mas há militares que não são golpistas? Claro que há. Mas há dentro do governo, em cargos de confiança cedidos por Bolsonaro e pelos seus militares tutores que ocupavam posição superior?

É possível que existam militares democratas nas mais variadas funções. Assim como existiram mais de 6 mil militares democratas perseguidos pela ditadura depois de 1968.

A maior infestação nem é a de militares que passam a ser avaliados pelo novo governo, para que setores estratégicos não sejam ocupados por infiltrados. É a infestação de civis mesmo.

Os expurgos são do jogo da alternância no poder. E ainda mais presentes numa democracia que procura reabilitar suas forças depois de quatro anos de fascismo.

Os civis são em maior número entre mais de 30 mil comissionados. Mas são os militares o maior desafio para Lula. Como tirar da cadeira os que continuam sentados?

É uma turma grande. Um retrato da militarização do governo, com o levantamento de fardados em cargos e funções comissionadas, foi feito por Flávia de Holanda Schmidt, técnica do Ipea. O estudo dá a dimensão do desafio.

O levantamento abrange o período de 2013 a 2021, a partir de dados do Tribunal de Contas da União, e mostra que o governo tinha 6.157 militares em cargos de confiança em 2020.

O número de militares aumentou 59% no período. Mas o número de militares em funções que deveriam ser de civis aumentou 193%.

Há estimativas de que o número total de militares tenha passado de 10 mil. Não houve atualização do estudo, até porque Flávia ocupava uma diretoria do Ipea e foi demitida com toda a direção em março de 2022.

Gente do governo Lula ainda divide salas, cadeiras, mesas e cafezinho com gente do tempo de Bolsonaro. Não há como trocar todo mundo, até porque nem todo mundo será trocado.

A infestação que permanece cria desconforto, inquietação e desconfiança num cenário nunca experimentado antes. Lula recebeu o governo de Fernando Henrique Cardoso em 2003.

Foi uma transição com queixas, mas hoje se sabe que foi uma barbada. E Lula passou o governo a Dilma em 2011. Passaram-se duas décadas desde 2003. São 20 anos de saudade da direita tucana.

Bolsonaro destruiu o Estado loteado de militares que o tutelavam em troca de poder e emprego. Muitos em funções para as quais não estavam habilitados, inclusive no primeiro escalão.

Lula não está se livrando de um projeto de poder militar para o país, porque esse projeto, por mais que se procure, nunca existiu. Existia um projeto de poder para empregar militares.

Livrar-se dos generais de Bolsonaro foi a etapa politicamente mais complexa, ainda inconclusa. Agora é preciso livrar-se dos coronéis, majores e capitães, e essa é a missão de operação mais complicada.

Porque envolve embates diretos das novas chefias com gente convencida de que nunca mais deixaria o governo.

Uma transição normal, em todas as instâncias, acontece naturalmente a cada mudança de governo, mesmo que com alguma demora e alguns traumas. Uma transição em meio a uma infestação pede urgência.

 

Fonte: Por Alex Solnik, em Brasil 247

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