quarta-feira, 26 de junho de 2024

Quando a floresta amazônica era considerada senil

Uma década se havia passado entre a primeira conferência mundial tratando da relação entre o desenvolvimento, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, e um intenso debate, que lotou um dos auditórios da reunião anual da SBPC, em São Paulo, sobre a “questão amazônica”. A Amazônia foi um dos temas principais por ser considerada o pulmão do mundo, produzindo oxigênio sem o qual aumentaria a quantidade de gás carbônico na atmosfera.

A tese foi apregoada em tom apocalíptico, espalhando-se por muitos países. Divulgada de forma distorcida, acabou prejudicando a compreensão da região. Mas serviu de instrumento à sua ocupação desordenada e devastadora, consumindo a sua floresta, em tal escala como nunca ocorrera na história da humanidade.

Um dos participantes mais destacados do debate no campus da USP foi Nestor Jost, que fora presidente do Banco do Brasil e comandava o programa Grande Carajás, do governo militar, ao qual servia. No aceso clima de discussões, Jost disse que a floresta amazônica precisava ser derrubada e substituída por novas árvores porque atingira o máximo de massa. Agora era senil. Presente ao debate, respondi que o único mérito da tese era permitir uma rima rica ao criticá-la. A risada foi geral. O próprio Jost riu.

Em 1990, ao visitar Hilgard O’Reilly Sternberg (brasileiro, apesar do nome), na Universidade de Berkeley, na Califórnia, onde era professor, conversamos longamente a respeito. Ele me deu cópia de um artigo que apresentou em 1982, que se mostra ainda muito importante. Reencontrei o documento por acaso e decidi publicar vários dos seus trechos, eliminando os formalismos de uma publicação acadêmica.

O professor, um dos pioneiros da geografia no Brasil, faleceu em 2011, aos 94 anos. Creio que suas reflexões, baseadas em anos muitos anos de pesquisas e de excursões à região, ajudarão os interessados na Amazônia a discernir os absurdos contra ela cometidos, não sem um propósito, geralmente não revelado – ou com interesse danoso, incapaz de ser completamente escondido.

Exemplifica-se nesta comunicação o vezo de enroupar com linguagem científica os argumentos com que se pretende justificar toda uma série de acometidas contra a hileia amazônica. O caso focalizado trata da tentativa de legitimar a destruição do meio ambiente, feita em nome do desenvolvimento, com a afirmação de que, do ponto de vista do ecossistema telúrico, a derrubada da floresta pluvial poderia ser até benéfica! A fim de colocar tão espantosa proposição no contexto devido, convém começar com uma entrevista concedida por Harald Sioli, então Diretor do Departamento de Ecologia Tropical do Instituto Max Planck de Limnologia. Para muitos le itores, seria talvez dispensável lembrar que se trata de cientista com longa e continuada vivência na Amazônia.

Ora bem, em 1971 a United Press International submeteu a Sioli uma série de perguntas em torno das ameaças que vêm pairando sobre o meio ambiente amazônico. Um dos quesitos dizia respeito a possíveis repercussões que teria a derrubada da mata amazônica sobre o balanço oxigênio/gás carbônico na atmosfera terrestre. Em resposta fornecida por escrito, o biólogo, tendo em vista o grande volume de carbono que se encontra armazenado na vegetação hileiana, emitiu a opinião de que a destruição da mesma levaria a perceptível aumento no volume do dióxido de carbono atmosférico. A importância de um tal evento decorre, é claro, do chamado “efeito de estufa.”

A previsão de Sioli, inicialmente noticiada de forma fiel, viria a ser completamente adulterada, quando alguns órgãos da imprensa passaram atribuir ao entrevistado o haver prognosticado uma diminuição no teor de oxigênio atmosférico. O cientista inclinara-se a aceitar certas estimativas, segundo as quais o volume de carhono armazenado na cobertura vegetal amazônica equivaleria grosseiramente a uns 25 por cento do que se encontra presente na atmosfera sob forma de gás carbônico.

O parecer, deturpado em sua essência, foi transformado numa conjectura sem qualquer fundamento: a de que a hileia produz 25 por cento – em versões posteriores, 30 e até 50 por cento – do oxigênio que o mundo respira. Com a deturpação, revestiu-se a citação de intensa carga emotiva, por tocar de maneira imediata no instinto de preservação da espécie. Ouriçou, por outro lado, alguns espíritos, graças à ilação que dela se pode tirar: ser necessário subordinar as decisões do Brasil, no tocante à Amazônia, à obrigação de preservar um componente essencial do sistema que sustenta a vida humana sobre a terr a.

Considere-se a reação do então ministro da Fazenda, Delfim Neto, citado textualmente em um artigo intitulado “O Pulmão Verde” (Beting 1971): “Quem quiser oxigênio que pague. Q máximo que doravante poderemos fazer é abrir mão do seguro e do frete da mercadoria … ” E o ministro, “entre dois sorrisos de fina ironia”, devidamente registrados pelo articulista, continua: o Brasil poderá cobrar “royalties” substanciais pela economia externa que vem proporcionando, de graça, ao resto do mundo. É bom lembrar que o Brasil não cobrou até agora nenhum centavo pelo oxigênio que entrega ao mundo nem recebeu qualquer tostão de ajuda externa para manter a gigantesca usina de oxigênio em funcionamento.

Por analogia com o fenômeno observado em recinto envidraçado próprio, no qual a energia .solar, que penetra através do vidro, é por este retido, tornando a estufa mais quente que o ar exterior. No caso da atmosfera, a maior ou menor retenção da radiação terrestre (infravermelha) é determinada pela composição do envoltório gasoso de nosso planeta, v.g, pelo teor de gás carbônico. Foi o que fizeram, por exemplo, O Estado de São Paulo e o Estado de Minas, em suas edições de 13 de novembro de 1971.

A consulta dirigida pela United Press International a Harald Sioli, diretor do Departamento de Ecologia Tropical do Instituto MaxPlanck, [na Alemanha] [foram motivadas pela] declarações de Warwick Kerr, então Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que previa a extinção da mata amazônica dentro de poucas décadas. O quarto quesito indaga a respeito das consequências que teria a remoção total ou parcial da mata amazônica sobre as condições da atmosfera terrestre v.g. o balanço oxigênio/gás carbônico.

Trecho da carta-entrevista de Harald Sioli, com data de 8 de novembro de 1971, aborda uma série de quesitos submetidos pela United Press International. Na resposta dada à quarta pergunta, Sioli refere a pesquisas de seu departamento, segundo as quais estaria imobilizado no lenho da floresta amazônica um volume de carbono equivalente a uns 25% do carbono existente na atmosfera sob forma de gás carbônico.

O entrevistado é de parecer que a eliminação da floresta traria sensível aumento no teor de dióxido de carbono atmosférico. Em 1972, ao ensejo da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente (Estocolmo), a revista Manchete retomava o tema em artigo epigrafado “O ar é nosso?”. Nele, se denunciava o aparecimento de um número crescente de “estranhos e esquisitos ataques da imprensa estrangeira à construção da nossa Amazônia”, ataques que teriam como base o argumento de “que a devastação da mata privará a Humanidade de 40% do oxigênio de que ela atualmente necessita” (MELO FILHO, 1972). E, abordando a s declarações atribuídas a Sioli: Esses jornais e revistas passaram a dar guarida às declarações de ecologistas famosos, como o professor alemão Harald Sioli, segundo o qual a floresta amazônica devia ser intocável para não prejudicar a oxigenação do Hemisfério Norte.

Ao tomar conhecimento do artigo, que indigitava “engenhosas manobras e campanhas”, o cientista atingido lavrou enérgico protesto, classificando de calunioso o ato de lhe assacar uma afirmação insensata e reptando a revista a dizer onde ele teria feito qualquer declaração acerca do efeito de um desmatamento da Amazônia sobre o teor de oxigênio da atmosfera “ou coisa semelhante.”

A direção de Manchete publicou trechos da refutação de Sioli, o qual, em sucessivas entrevistas a órgãos da imprensa brasileira, perseverou em desmentir categoricamente a falácia que se lhe imputara. Não obstante, o parecer apócrifo atribuído a Sioli tem sido veiculado pelo mundo afora, tornando-se parte de uma sorte de “mitologia ecológica”. A verdade é que, na resposta que dera às perguntas submetidas pela U.P I, não houve a menor referência a oxigênio.

Registre-se, à guisa de pano de fundo do episódio, o fato de haver efetivamente quem se preocupe com a possibilidade de ocorrer perigosa redução no volume de oxigênio atmosférico, em consequência do ritmo acelerado com que se efetua, por um lado, o consumo desse gás pela tecnologia industrial e, por outro, a derrubada de florestas e a poluição oceânica. Quando tais temores vêm à tona, são geralmente afastados pela simples consideração das imensas reservas que existem de oxigênio livre, o qual, constituindo aproximadamente 21 por cento do volume total da atmosfera, nela é excedido apenas pelo azoto, com 78 por cento.

Embora não se tenha observado mudança apreciável no teor de oxigênio atmosférico, nem, por via de regra, se preveja tal mudança para futuro próximo, igual afirmação não se pode fazer com respeito ao gás carbônico, que, em média, representa apenas 0,03 por cento do volume da atmosfera. Mesmo no decorrer de um espaço de tempo relativamente curto, a atividade humana pode produzir incrementos n o teor deste gás que sejam potencialmente capazes de ocasionar elevação perceptível da temperatura à superfície da terra.

Considerável apreensão causa, portanto, a evidência de uma elevação no teor de dióxido· de carbono existente na atmosfera. O aumento total registrado, de meados do século dezenove para cá, foi de uns 13 por cento; destes, uns 5 por cento ocorreram desde 1957 – fato que reflete a aceleração da taxa de incremento. Não obstante, permanece essencialmente sem resposta o desafio implícito nas estimativas preliminares de Sioli, no sentido de serem suas projeções investigadas no contexto da Amazônia.

Entrementes, tem-se gasto boa quantidade de tinta de impressão no tratamento do problema – espúrio, nos termos em que foi colocado – da produção de oxigênio pela mata amazônica. O tema tem servido, quer como alvo de irrisão, quer, a nível mais sério, como ensejo de elucubrações teóricas. Quando o conceituado fisiologista vegetal e ecólogo Paulo de Tarso Alvim, Diretor Científico da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), se propôs a explicar “porque a grande floresta não pode ser o pulmão do mundo”, parece ter baseado sua argumentação em modelo de progressão etária em floresta, como a quele originalmente ideado por KIRA e SHIDEI. Quiseram estes cientistas explicar a evolução da produtividade líquida de um maciço homogêneo de coníferas no norte da ilha de Hocaido.

As linhas essenciais da “interpretação hipotética,” dos autores japoneses, naquilo que diz respeito ao assunto em tela, podem resumir-se em poucas palavras, conforme o parágrafo seguinte.

Em uma floresta incipiente, o carbono, extraído por fotossíntese do gás carbônico da atmosfera, se acumula no tecido vegetal novo em ritmo superior ao de seu consumo pelos organismos que compõem a floresta. Há, pois, um aumento líquido na biomassa do sistema. À medida que evolui para a maturidade, a floresta vai deixando de crescer — como um conjunto, bem entendido – e passa a manter-se, tão somente. Visto haver a liberação de uma molécula de 02 para cada átomo de carbono Incorporado na matéria orgânica, o sistema juvenil constitui um produtor líquido de oxigênio. Entretanto, alcançada relativa estabilidade, ou seja, a fase frequentemente denominada “climax,” a produtividade líquida do ecossistema se aproxima de zero e o oxigênio liberado pela fotossíntese tende a ser consumido pela respiração dos seres vivos que integram o conjunto e pela decomposição da matéria orgânica nele gerado.

A floresta amazônica, salienta A!vim, tendo cessado de crescer, em termos de biomassa total, deixou, ipso facto, de produzir um rendimento líquido de oxigênio. A observação não causa inquietação a esse pesquisador, pois ele se coloca entre os que rejeitam a ideia de uma ameaça próxima para o mundo, em virtude da diminuição de oxigênio atmosférico. Ao investir contra a proposição de que a remoção da floresta fará diminuir a produção de oxigênio, Alvim desenvolve interessante raciocínio. É de que, embora a Amazônia seja “uma região com alto potencial de produção de oxig& ecirc;nio”, para que este potencial se realizasse, seria necessário “cortar as florestas em estágio de clímax para que crescessem de novo”.

Alvim deixa bem claro que não está “recomendando a exploração da Amazônia com o objetivo de se produzir mais oxigênio, porque isso não tem sentido.” O que ele recomenda é, apenas, “a exploração da Amazônia com fins econômicos”. Mais recentemente, Alvim reconheceu “que o mito da produção de oxigênio pela floresta … nunca [foi] levado a sério em círculos científicas,” afirmando que, não obstante, “continua sendo até hoje um dos argumentos favoritos dos movimentos populares a favor da preservação da natureza, especialmente quando se fala da região Amazônica”.

Outro estudioso retomando à crítica da imagem que apresenta a hileia como fornecedora de oxigênio, julga que a mesma servia a um objetivo específico: “o mito de que a Amazônia é o pulmão do mundo, que se generalizou na última década, visou em grande parte impedir o desmatamento da Amazônia. Entretanto, os fatos aqui respingados sugerem que a metáfora do “pulmão verde” foi, na realidade, popularizada no decorrer de reação, liderada pelos partidários do desenvolvimento econômico, contra o que alguns perceberam como uma tentativa de obstruir a valorização da hileia, como uma ingerência de estrangeiros em assunto de interess e exclusivamente nacional.

O fato é que o raciocínio aduzido por Alvim para contestar uma proposição oriunda de “barriga” jornalística tem encontrado eco, não só na imprensa brasileira e estrangeira, como também em diversos escritos científicos. Considere-se, por exemplo, o Anexo que trata das “consequências do desflorestamento” em um dos volumes do Projeto Radam, especificamente o trecho intitulado “Influência da floresta sobre o oxigênio do ar.” Nele se propõe que o desmatamento, seguido de reflorestamento de parte mínima da área e utilização agropecuária do restante, significaria “maior quantidade de oxigênio liberado em re lação à cobertura florestal anterior.”

Outro exemplo. É o que fornece uma notícia estampada no órgão da Associação dos Empresários da Amazônia. Segundo o que aí se lê, o então presidente do Instituto Brasileiro de Defesa Florestal, ao manifestar-se durante uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, teria tomado de empréstimo, praticamente palavra por palavra, a formulação de Alvim. Vale transcrever a citação:
“Entende o presidente do IBDF que a produção de oxigênio só ocorre quando a vegetação está em crescimento e torna-se praticamente nula quando atinge o estágio de “clímax”. Exatamente aí – lembrou Beruti – uma solução científica seria cortar as florestas em estado de “climax” para que crescessem de novo, o que permitiria o aumento da produção de oxigênio e o aproveitamento da madeira como fonte de energia”. (AMAZÔNIA. 1976)

Tudo isso leva a desejar mais pesquisas em torno daquilo que Alvim, possivelmente com ironia, denominou “uma solução científica para aumentar a produção líquida de oxigênio”. Acode logo perguntar, por exemplo, se a floresta derrubada consegue, de fato, reconstituir-se de forma completa.

Aumenta a tendência de responder pela negativa. Isto, devido à persuasão de que, quando arrasado através de extensa superfície, o ecossistema da mata úmida intertropical, no qual se eliminaram numerosas espécies de plantas e animais, é simplesmente incapaz de renovar-se
Dúvida mais séria é suscitada pela omissão, no equacionamento do problema, de uma circunstância muito pertinente. Refiro-me ao fato de que a associação vegetal que sucede à derrubada surge por entre os resíduos ricos em carbono de um sistema outrora vivente.

A quantidade de oxigênio liberada pela fotossíntese durante os estágios iniciais da vegetação emergente deve ser contrabalançada com a que é consumida. na mineralização dos detritos orgânicos da mata que lhe precedeu. Ao lançar na conta corrente do oxigênio livre aquela receita e esta despesa, é necessário considerar duas situações distint as. Numa, a floresta é abatida com o objetivo de implantar em seu lugar culturas ou pastos; noutra, visando a produção de madeiras e seus derivados.

A primeira destinação caracteriza-se pela sequência, tantas vezes descrita, da derrubada e da queimada. Contra o oxigênio livre levado a crédito e correspondente ao que é produzido pela vegetação secundária, deve debitar-se aquele consumido, de plano, na combustão e, finalmente, na decomposição de toda parcela, subaérea ou subterrânea, da fitomassa que tiver sido poupada pelo fogo.

É bem verdade que, conforme foi postulado por SEILER & CRUTZEN, certa quantidade de carbono orgânico será preservada, em virtude da queima, sob forma de carvão vegetal, vale dizer, sob forma resistente à decomposição. Entretanto, o carbono que, desta forma, se segrega e imobiliza, não há de representar, no caso de uma única queimada. Se não pequena fração daquele presente na vegetação.
Em um dos raros pontos da Amazônia brasileira onde se chegou a efetuar um levantamento quantitativo da massa vegetal viva, calculou-se a mesma em cerca de mil toneladas por hectare, cabendo pouco mais da quarta parte a raízes e outros órgãos subterrâneos (FITTKAU & KLINGE).

Nos casos em que o objetivo da derrubada é deixar espaço para a agricultura ou a pecuária, a totalidade dessa fitomassa concorre, pela oxidação, para o consumo do oxigênio livre da atmosfera. Ainda que o objetivo do corte seja a extração de toras e demais produtos madeireiros, restará no terreno grande volume de matéria orgânica, que, ao combinar-se com o oxigênio livre da atmosfera, contribuirá para reduzir o rendimento líquido que se vai obter deste gás, quando e à medida que a vegetação recolonizar a área talada.

Com efeito, todo o carbono vegetal, exceto aquele incluído no volume de madeira que se remove e que acaba sequestrado sob forma de produtos duradouros (como, por exemplo, móveis, madeira de construção e assoalhos), permanecerá disponível para o consumo a curto prazo de oxigênio. A indústria madeireira tradicional na Amazônia desprezava a ramagem das árvores abatidas, limitando-se a considerar a madeira dos fustes. Porém, mesmo no caso dos troncos, somente uma fração mínima de madeira acabaria imobilizada nesses repositórios a médio prazo de carbono, que são os produtos de madeira duráveis. A extração visava exclusivamente a a lgumas poucas espécies conhecidas, com boa cotação no mercado, e se limitava a áreas acessíveis ao transporte por água. Em última análise, não obstante o elevado desperdício observado em cada árvore abatida, era relativamente modesto o volume total de matéria vegetal que se largava sobre o chão, a apodrecer.

Certamente, não é este o tipo de operação de que se cogita· ao avançar a tese de que seria possível obter um acréscimo líquido de oxigênio livre, se, primeiro, se cortassem as florestas “clímax”, para, em seguida deixá-las renascer. O que aqui se há de subentender é o corte raso. Este se prenderia à exportação integrada, visando à comercialização, não só da madeira, mas também de produtos como chapas de aglomerado ou de fibra. Esta explotação utilizaria e, portanto, segregaria em produtos duráveis numa fração maior da biomassa, valorizando o que antes era reje ito e deixando menos refugo a se decompor no local. Menos, isto é, por árvore. As operações passarão a ter em mira, não árvores individuais, porém tratos extensos, sendo de prever que nestes persistam aJguns dos fatores responsáveis pelo desperdício já assinalado no caso da extração de tipo mais rudimentar e disperso. Fração considerável da fitomassa total da área (raízes e parte aérea) será, pois, abandonada insitu, ficando a consumir oxigênio na oxidação do carbono, com o consequente desprendimento de gás carbônico.

Em resumo: seja qual for o ganho “líquido” com que se imagina favorecer as reservas de oxigênio atmosférico, graças à reconstituição das florestas, a verdade é que o benefício projetado terá sido “pago”, mais ou menos adiantadamente, no decorrer das transformações por que passa a matéria orgânica oriunda das matas abatidas. Esta observação é válida, independentemente de a derrubada ter sido efetuada visando a objetivos agropecuários ou florestais. E mais: se a biomassa total da vegetação sucessória permanecer a nível inferior ao da floresta primitiva, a escrituração acusa rá perda líquida no volume do oxigênio livre. São, pois, altamente disputáveis as teorizações avançadas com o objetivo de refutar uma proposição apócrifa, tornada dramática pela metáfora (por sinal, inapropriada) que coloca na Amazônia os “pulmões do mundo.”

É tempo de se deixar de acometer moinhos de vento, para levar adiante pesquisas sérias referentes ao papel da floresta amazônica nos ciclos geoquímicos do planeta. Dada a natureza premente dos problemas ambientais vinculados ao ciclo de carbono, é provável que ele venha a ser abordado com prioridade. Não pode, entretanto, deixar de figurar na pauta das investigações a serem empreendidas no campo da ecologia sucessorial a questão da variação temporal no rendimento líquido de oxigênio, em função da idade da vegetação secundária. Os fluxos do oxigênio atmosférico constituem assunto de grande interesse científico, cu jo estudo é até indispensável para o conhecimento mais preciso do ciclo do gás carbônico (TANS).

Um dos motivos para a urgência de tais pesquisas reside no fato de que, neste, como noutros casos análogos, os argumentos formulados em linguagem científica são, com demasiada frequência, tomados de empréstimo por terceiros, que servem aos interesses de grupos econômicos. A declaração do Presidente da Associação dos Empresários da Amazônia ao defender, há tempos [em 1979], a ocupação de, pelo menos, um milhão e meio de quilômetros quadrados de floresta amazônica parece fornecer oportuno fecho tragicômico: para a presente comunicação: “A Amazônia e uma floresta senil e não contribui para a re novação de oxigênio; portanto, o meIhor seria cortar a floresta e deixar que ela cresça”.

 

Fonte: Por Lúcio Flávio Pinto, para Amazônia Real

 

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