segunda-feira, 3 de junho de 2024

Partido de Mandela perde maioria absoluta do Parlamento da África do Sul pela 1ª vez em 30 anos

O partido do Congresso Nacional Africano (ANC), que governa a África do Sul, foi um dos grandes derrotados das eleições realizadas nesta semana, segundo a apuração de quase todos os votos divulgada neste sábado (1/6).

Apesar de conquistar 40% dos votos, o ANC perdeu a maioria que possuía no parlamento sul-africano pela primeira vez em 30 anos. Este foi o pior resultado eleitoral do partido de Nelson Mandela desde a sua grandiosa vitória de 1994, após o fim do sistema racista do apartheid.

O resultado eleitoral é um duro golpe para o presidente Cyril Ramaphosa e o seu partido. Muitos especialistas previam que o partido chegaria perto de 50% e, na pior das hipóteses, perto de 45%. Na eleição anterior, o partido havia conquistado 58% dos votos.

Com 97% dos distritos eleitorais já com resultados declarados, o ANC está com 40% das cadeiras. Os sul-africanos foram às urnas na quarta-feira (29/5). O resultado final deve ser divulgado no domingo (2/6).

Analistas dizem que muitos eleitores culpam o ANC por elevados níveis de corrupção, criminalidade e desemprego no país.

·        O que acontece agora?

O ANC será forçado a formar uma coligação, inaugurando uma nova era para a política sul-africana. Analistas dizem que a escolha do parceiro de coalizão terá enorme impacto na direção futura da África do Sul.

As suas opções são o Aliança Democrática (DA), que está em segundo lugar na apuração dos votos, com 22%, o partido uMkhonto we Sizwe (MK) liderado pelo ex-presidente Jacob Zuma, com 15%, ou os radicais Combatentes pela Liberdade Económica (EFF) com 9%.

A liderança do ANC já começou a realizar consultas internas para se preparar para negociações complexas de formação de coligação.

O partido MK, liderado por Zuma, disse que não formará coalizão com o ANC enquanto Ramaphosa continuar como seu líder. Ramaphosa substituiu Zuma como presidente e líder do ANC, após uma disputa ferrenha pelo poder em 2018.

A Aliança Democrática, um partido com uma forte política pró-mercado livre, ficou em segundo lugar e poderia ser uma alternativa para o ANC. Mas existe resistência dentro do partido à uma coligação com a DA por causa da sua agenda e da sua reputação como partido da minoria branca.

O presidente do ANC, Gwede Mantashe, disse que é improvável que o seu partido forme uma aliança com a DA.

Ele disse que precisaria haver "alinhamento político" entre os partidos para formar um acordo de coalizão.

Tanto a EFF como o MK defendem a apreensão de terras pertencentes a brancos e a nacionalização das minas do país.

Os eleitores do MK celebraram durante a noite em Durban, o maior reduto do partido, na província de KwaZulu-Natal. O partido só recém-formado em dezembro.

Não está claro se o presidente Cyril Ramaphosa permanecerá no poder. Neste sábado, havia especulações de que ele poderia renunciar.

"O ANC pode transformá-lo num bode expiatório, e grupos dentro do partido podem fazer pressão para que ele seja substituído pelo seu vice, Paul Mashatile. A EFF e o MK também provavelmente exigirão sua demissão antes de concordarem com qualquer coligação com o ANC”, disse o professor William Gumede, presidente da organização sem fins lucrativos Democracy Works Foundation, à BBC antes da divulgação dos resultados.

Um analista disse à BBC que outra alternativa para o ANC seria fazer um convite para negociações com os partidos da oposição.

Os sul-africanos não votam diretamente para presidente. Em vez disso, elegem os membros do parlamento que escolherão o presidente.

Os resultados mostraram que o ANC sofreu pesadas perdas para o MK, especialmente em KwaZulu-Natal, onde o partido de Zuma lidera com 43% dos votos contra 21% do ANC.

Zuma causou uma grande surpresa ao anunciar, em dezembro, que estava abandonando o ANC para fazer campanha pelo MK.

KwaZulu-Natal é a região natal de Zuma e a província com o segundo maior número de votos, o que a tornou crucial para determinar se o ANC manteria a sua maioria parlamentar.

Embora Zuma tenha sido impedido de concorrer ao parlamento devido a uma condenação por desacato ao tribunal, o nome dele ainda apareceu no boletim de voto como líder do MK.

·        Longas filas

Um responsável eleitoral em Joanesburgo disse à BBC que as filas do pleito deste ano lembravam as históricas eleições de 1994, quando os negros puderam votar pela primeira vez.

Sifiso Buthelezi, que votou no Joubert Park de Joanesburgo – o maior colégio eleitoral da África do Sul – disse à BBC: "A liberdade é ótima, mas precisamos combater a corrupção."

A mudança tem sido um sentimento recorrente, especialmente entre os eleitores mais jovens.

"A participação entre eles foi elevada e votaram contra o ANC", diz o professor Gumede.

Ayanda Hlekwane, membro da chamada geração "nascida livre" da África do Sul, o que significa que nasceu depois de 1994, disse que, apesar de ter três diplomas, ainda não tem um emprego.

"Estou trabalhando na minha proposta de doutorado para poder voltar a estudar caso não consiga um emprego", disse ele à BBC em Durban.

Mas Hlekwane disse estar otimista quanto à possibilidade de as coisas mudarem.

O apoio ao ANC é maior entre a geração mais velha.

Uma mulher de 89 anos, Elayne Dykman, disse à BBC que espera que os jovens na África do Sul não considerem o voto dela como garantido.

Concorreram um recorde de 70 partidos e 11 independentes, com os sul-africanos votando num novo parlamento e em nove legislaturas provinciais.

O DA assinou um pacto com dez deles, concordando em formar um governo de coligação se obtiverem votos suficientes para tirar o ANC do poder.

 

¨      O que significa para África do Sul a derrota do partido de Mandela?

O partido governante da África do Sul, o Congresso Nacional Africano (ANC), deve perder a maioria pela primeira vez em 30 anos, após as eleições nacionais desta semana, marcando a maior mudança política no país desde o fim do Apartheid.

Com a contagem de votos quase total, o apoio ao ANC foi de pouco mais de 40%, uma enorme queda em relação aos 57,5% que recebeu nas últimas eleições.

O partido oficial da oposição, a Aliança Democrática (DA), teve cerca de 22% dos votos.

Atrás deles estavam dois partidos dissidentes do ANC: o recém-formado Partido uMkhonto weSizwe (MK), liderado pelo ex-presidente Zuma, teve quase 15% dos votos, e os Combatentes pela Liberdade Económica (EFF)  tiveram quase 10%, de acordo com dados da comissão eleitoral do país.

A reposta dos eleitores nas urnas ao partido de Nelson Mandela, é resultado de anos de escândalos de corrupção e má gestão económica. Com a derrota, o ANC será forçado a formar uma coligação para governar o país.

Cyril Ramaphosa, o presidente da África do Sul e do ANC – e dado como o favorito de Mandela para o suceder como líder – prometeu um “novo amanhecer” quando assumiu em 2018 após o ex-presidente Jacob Zuma.

Mas muitos sentem que essas promessas nunca se concretizaram e os resultados eleitorais refletem uma população profundamente frustrada com a direção do país.

Os sul-africanos poderão agora enfrentar semanas de incerteza política, enquanto o ANC procura chegar a um acordo de coligação com antigos rivais.

A resposta não foi inesperada, refletindo a insatisfação generalizada com o partido no poder. Mas a escala das perdas surpreendeu alguns.

“O que temos visto é que os eleitores estão descontentes com a história recente do ANC. Em particular, o que aconteceu nos anos Zuma e o que se seguiu”, disse a analista e antiga deputada do ANC, Melanie Verwoerd, à CNN.

Há “uma arrogância geral e uma perda de ligação com o eleitor por parte do ANC”, disse Verwoerd, acrescentando que partidos como o MK e a EFF capitalizaram esse descontentamento.

Zuma – um crítico do atual presidente – foi forçado a renunciar ao cargo de líder em 2018 e cumpriu um breve período de prisão em 2021 por desacato ao tribunal.

O Tribunal Constitucional impediu o candidato de 82 anos de concorrer ao parlamento em maio, mas o seu rosto permaneceu nas urnas do partido MK.

·        ANC em território desconhecido

Uma negociação substancial provavelmente começará assim que os resultados finais forem declarados. Os partidos políticos terão duas semanas para formar um governo de coligação antes de um novo parlamento concordar em eleger o presidente do país. Se falharem, novas eleições terão de ser realizadas.

“Não tenho simpatia pelo Sr. Ramaphosa e seu partido”, disse o líder do DA, John Steenhuisen, à CNN durante uma entrevista no Centro Nacional de Resultados Eleitorais.

A populosa província costeira oriental de KwaZulu-Natal, onde está localizada a principal cidade de Durban, tem sido tradicionalmente um reduto do conservador Partido da Liberdade Inkatha (IFP).

Zuma enfrentou centenas de acusações de corrupção, fraude e extorsão ao longo dos anos. Ele sempre negou todos eles e ficou conhecido como o “Presidente do Teflon” porque poucos políticos poderiam ter sobrevivido aos escândalos que o ex-presidente enfrentou.

Os analistas com quem a CNN conversou, incluindo Verwoerd, acreditam que a coligação mais provável é entre o ANC e a DA. Mas outros são mais céticos em relação a esse resultado. Todos concordam que o país se encontra em território desconhecido.

Steenhuisen disse à CNN que quer fazer parte de uma coligação governamental e acredita que um pacto “pode funcionar”. Antes das eleições, a DA já tinha formado um bloco com partidos de oposição mais pequenos, denominado Carta Multipartidária.

O que o político chama de “coligação do Juízo Final” é uma das outras opções disponíveis: um acordo entre a ANC-EFF ou mesmo o MK.

Mas com o desprezo por Ramaphosa por parte dos partidos dissidentes, seria uma negociação bastante complicada.

A EFF é liderada pelo antigo líder juvenil do ANC, Julius Malema. O partido defende a expropriação de terras sem compensação e o nacionalismo estatal abrangente.

O manifesto do partido MK mantém ideias bastante semelhantes e exige uma revisão da constituição do país para restaurar mais poderes aos líderes tradicionais.

Desde o início da democracia, em 1994, o panorama político da África do Sul nunca foi tão claro.

Mas alguns analistas acreditam – apesar da incerteza – que os resultados destas eleições poderão ser uma vitória para a democracia.

“É provavelmente uma maturidade na democracia, precisávamos de mudanças e nunca é bom ter tal domínio de partido único num país”, disse Verwoerd.

“Pode ser um pouco mais instável à medida que avançamos para o futuro. Mas, pelo bem da democracia, é provavelmente uma coisa boa”, acrescentou.

A analista disse que as perspectivas do ANC caíram drasticamente sob o presidente anterior.

“Depois que os anos de Jacob Zuma aconteceram, tornou-se inevitável que houvesse uma queda”, explicou.

·        Um país em retrocesso

O ANC chegou ao poder em 1994 com o compromisso de “construir uma vida melhor para todos”, obtendo quase 63% dos votos nas primeiras eleições democráticas do país.

Avançando três décadas, a corrupção desenfreada, o aumento do desemprego, os cortes de energia paralisantes e o fraco crescimento econômico estão afetando gravemente os sul-africanos.

A economia retrocedeu na última década, evidenciada por uma queda acentuada nos padrões de vida.

De acordo com o Banco Mundial, o produto interno bruto per capita caiu desde o pico de 2011, deixando a média sul-africana 23% mais pobre.

A África do Sul tem a maior taxa de desemprego do mundo, segundo o banco. A desigualdade também é a pior do mundo.

Os sul-africanos negros, que representam 81% da população, estão no extremo da situação. O desemprego e a pobreza continuam concentrados na maioria negra, em grande parte devido ao fracasso da escolaridade pública, enquanto a maioria dos sul-africanos brancos têm empregos e recebem salários consideravelmente mais elevados.

Qualquer governo de coligação será uma dificuldade para o ANC e Ramaphosa, que poderão em breve estar lutando pela sua vida política.

Os principais analistas acreditam que o ANC dependia do seu legado.

“O ANC esteve em campanha durante três décadas da sua existência. Mas ninguém estava olhando para o atual presidente”, disse TK Pooe, professor sénior da Wits School of Governance, em Joanesburgo. O especialista acredita que Ramaphosa está “sob pressão”.

“Historicamente, é uma vergonha para ele. Ele sempre se autodenomina o próximo Nelson Mandela”, afirmou Poe à CNN. Mas “última lembrança, Nelson Mandela nunca perdeu uma eleição”.

O professor disse que, com esta eleição, os eleitores disseram três coisas ao ANC: “empregos, empregos, empregos”.

É incerto se um governo de coligação conseguirá ajudar o povo, contudo a África do Sul e o ANC – o antigo movimento de libertação de Mandela que triunfou sobre o Apartheid – nunca mais serão os mesmos.

 

Fonte: BBC News Mundo/BBC News Mundo

 

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