O fracasso
da privatização da água: Por que o Reino Unido quer a reestatização
Após
35 anos de privatização, eis o resultado: infraestrutura sucateada,
contaminação das águas e empresas com dívidas bilionárias. 70% da população
defende reestatizá-lo. Tema será central nas eleições de julho, onde o Partido
Trabalhista inglês é favorito
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Nas
sondagens de opinião, os trabalhistas são os favoritos e devem conquistar
maioria nas eleições legislativas para formar um governo. A se confirmar os
prognósticos, depois de 14 anos os conservadores vão desocupar a 10 Downing
Street, a famosa residencia oficial e o escritório do primeiro-ministro do
Reino Unido.
Entre
os problemas de curto prazo que qualquer novo governo enfrentará esta a
profunda crise dos serviços de água e esgotos da Inglaterra e País de Gales.
As
empresas privadas apresentam péssimo desempenho: elevadas perdas, poluição de
rios e águas costeiras por lançamentos de esgoto bruto. A incapacidade de fazer
face aos investimentos necessários para ampliar e modernizar a infraestrutura
dos serviços que prestam e agravada por um endividamento monumental, cuja causa
principal e a prioridade dada a remuneração dos acionistas das empresas.
A
empresa que presta serviço na região de Londres e Vale do Tamisa atendendo 15
milhões de usuários está à beira da falência, afogada em uma dívida de 18
bilhões de libras esterlinas, equivalente a R$ 122 bilhões. Para comparar, o
orçamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em 2024 é de R$ 55
bilhões.
O
regulador econômico, o Ofwat, adiou para depois da eleição seu pronunciamento
sobre os planos de investimentos apresentados pelas empresas prestadoras e
sobre os aumentos de tarifas que pleiteiam para financiá-los.
No
momento em que no Brasil a privatização dos serviços de água e esgoto é vendida
como a oitava maravilha, é preciso conhecer mais sobre o colapso da iniciativa
de privatização pioneira no mundo levada a cabo, 35 anos atrás pelo governo
neoliberal de Margareth Thatcher.
O
Ondas esta disponibilizando a tradução de dois textos a respeito da crise: o
editorial do jornal The Guardian que defende o fim da
privatização como uma iniciativa que fracassou e a opinião do Unison, sindicato
inglês de trabalhadores em serviços públicos, que classifica a situação da
prestação privada como um escândalo nacional.
Será
que, no Brasil, vamos precisar de 35 anos para apurar os prejuízos do atual
processo de mercantilização dos serviços públicos de saneamento?
¨ Trabalhistas: aprender com os Países Baixos, onde as empresas do
setor público são financiadas por um banco estatal - Editorial do The Guardian
A
prestação de serviços de água e esgoto pelo setor privado como na Inglaterra é
rara no mundo: 90% dos países administram operadores estatais. Mesmo na Europa,
é o único país a ter vendido seus serviços de água e esgoto – incluindo
tubulações, reservatórios, poços e estações de tratamento – para proprietários
privados, agora em sua maioria um conjunto de fundos soberanos, fundos de
pensão e fundos financeiros de infraestrutura. A decisão de colocar a água – um
monopólio natural – em mãos privadas desafiou a lógica thatcherista de
competição e eficiência. Nunca houve qualquer possibilidade de colocar empresas
rivais competindo umas contra as outras para elevar os padrões. Nenhum
prestador está competindo com outro pela oportunidade de abastecer uma família.
O
resultado foi a criação de uma série de sinecuras resultantes das
reivindicações que as grandes empresas e seus executivos vêm fazendo,
protegidas da concorrência por direitos legais sobre recursos hídricos
escassos. As centenas de milhares de libras pagas em bônus aos dirigentes da
Severn Trent e da controladora da South West Water, apesar das empresas
lançarem esgoto bruto nos rios da Grã-Bretanha, parece um exemplo de
manipulação pelo capital oligopolista. Em vez de investir em infraestrutura
para lidar com uma população crescente, os monopólios privados de água e esgoto
do país, que começaram a vida sem dívidas, tomaram emprestado £ 64 bilhões nas
últimas três décadas e pagaram mais de £ 78 bilhões em dividendos a seus
proprietários.
Se
isso não fosse escandaloso o suficiente, desde 1989 as empresas negligenciaram
a modernização de suas redes de água e esgoto, preferindo em vez disso captar
água de rios e aquíferos subterrâneos naturais. Houve pouco dinheiro para
reparar tubulações que perdem um quinto da água que carregam; para construir um
único reservatório novo; ou para lidar eficazmente com extravasões de esgoto
bruto que comprometem as reservas de água limpa. Com alertas de que o
aquecimento global pode provocar secas em regiões da Grã-Bretanha, não é
surpresa que cerca de sete em 10 pessoas entendem que as companhias de água e
esgoto deveriam estar em mãos públicas.
Uma
semana após a chegada de um novo governo, o regulador do setor, Ofwat, decidirá
autorizará os planos de investimento da indústria da água – e, crucialmente,
como distribuir o custo estimado de £ 100 bilhões (desses investimentos) entre
acionistas e usuários. Os trabalhistas gostariam de endurecer a regulamentação
– mas o partido deveria ir além. Pode ser forçado a isso se a Thames Water, a
maior empresa de água do Reino Unido, entrar em colapso. A Thames Water está
buscando uma injeção de dinheiro de £ 750 milhões para ajudar a atender às
taxas de juros crescentes de sua dívida de £ 18 bilhões. Já há planos de
contingência para nacionalizar o negócio. O setor privado é alérgico ao
controle estatal, argumentando que o contribuinte pode acabar pagando a conta.
No
entanto, esse suposto risco é facilmente gerido pelo negócio da água com melhor
desempenho na Europa: os prestadores públicos dos serviços de água e esgoto dos
Países Baixos. O sistema holandês apresenta menos de um quarto das perdas deste
país. Suas empresas estatais de água e esgoto são financiadas por um banco
apoiado pelo Estado especificamente desenhado para emprestar a taxas
equivalentes às oferecidas pelo governo. Especialistas dizem que a propriedade
pública pode reduzir as contas dos usuários. A Welsh Water é uma organização
sem fins lucrativos. Na Escócia, a água está em mãos públicas. A Inglaterra
deveria imitar o sucesso europeu na gestão e propriedade de recursos escassos,
em vez de persistir num sistema fracassado de privatização por razões que
parecem ser ideológicas.
¨ Opinião: O setor de água e esgoto é um escândalo nacional.
Por Donna Rowe-Merriman, diretora de meio ambiente do UNISON.
A
privatização significou danos na infraestrutura dos serviços, aumento dos
vazamentos de esgoto e redução da confiança na segurança da água potável,
enquanto os acionistas embolsam bilhões.
O
atual modelo de propriedade e operação dos serviços de água e esgotos da
Inglaterra é notícia quase todos os dias – e quase sempre por péssimos motivos.
A privatização dos serviços de água e esgotos fracassou. Desastrosamente. Foi
uma aposta do governo conservador que não valeu a pena – a menos que você seja
um presidente-executivo ou acionista de uma empresa de água.
Os
consumidores não viram melhores resultados. Na verdade, estamos vendo lucros
sendo extraídos para os acionistas e algumas empresas de água sendo oneradas
com dívidas, apesar do significativo subinvestimento em infraestrutura.
As
empresas têm se mostrado inadequadas – com suas atuações resultando em contas
mais altas, padrões de desempenho mais baixos e danos crescentes ao meio
ambiente natural e à saúde pública.
Este
modelo resultou na priorização do lucro em detrimento do investimento e na
ocorrência de níveis insustentáveis de endividamento para sustentá-lo, sendo o
resultado inevitável para o público e para os clientes.
Desde
a privatização, os consumidores pagaram bilhões pelos serviços. Apesar disso,
nosso ambiente está em ponto crítico e não há nenhum desejo real deste governo
de virar a maré e forçar as empresas a realizar os investimentos em
infraestrutura tão necessários.
Recentemente,
foi revelado que 2023 houve um enorme aumento nas extravasões de esgoto bruto
em cursos d’água na Inglaterra, de 301.091 vazamentos em 2022 para 464.056 em
2023 – um aumento de mais de 54% em um único ano, tornando-se o pior ano para
lançamentos de esgoto não tratados já registrado.
Relatos
recentes da mídia também confirmaram que as nove companhias de água na
Inglaterra despejaram esgoto em rios próximos à sua própria sede por mais de
56.000 horas em 2023, realçando ainda mais essas falhas.
Isso
afeta a vida selvagem do Reino Unido e milhões de pessoas que usam os rios e as
costas para recreação, de pescadores a surfistas. Campanhas crescentes destacam
não apenas tubos quebrados – mas um sistema fundamentalmente quebrado.
Além
disso, um recente e grave incidente de contaminação de água potável em Devon, e
a admissão pelos chefes da South West Water da inadequação da resposta da
empresa, demonstraram como até mesmo a confiança na segurança da água potável
das residências foi afetada pelas falhas das empresas de água na Inglaterra.
No
entanto, em vez de investimentos e melhorias na infraestrutura, as empresas
privadas de água e esgoto – que estavam sem dívidas na época da privatização –
contraíram mais de £ 60 bilhões de dívida, enquanto ao mesmo tempo os
investidores retiraram £ 85 bilhões em dividendos aos acionistas e outros
pagamentos.
Os
dirigentes das empresas de água também teriam recebido mais de £ 25 milhões em
bônus e incentivos desde 2019, de acordo com a análise.
- A única solução para esta crise
Ao
mesmo tempo, empresas como Southern Water e Thames Water estão relatando
problemas financeiros significativos, com os proprietários da Thames Water
insistindo em aumentos significativos nas contas dos usuários e uma anulação de
multas antes de concordar em apoiar financeiramente a empresa.
O
resultado disso é a infraestrutura deficiente dos serviços de água e esgoto, o
aumento das extravasões de esgoto, a redução da confiança do público na
segurança da água potável, e ao mesmo tempo recompensas excessivas aos
acionistas e uma situação financeira cada vez mais precária das próprias
empresas de água.
Isto
demonstra que o atual modelo de propriedade e de exploração não é adequado à
sua finalidade, e a posição de longa data da UNISON ao apelar a uma
renacionalização do setor da água e esgoto, que volte a ser propriedade pública
e devidamente responsável publicamente, em vez de ser entregue aos acionistas,
é a solução para as deficiências do modelo fracassado de propriedade privada.
As
empresas de água vem lucrando com a privatização há décadas tendo extraído para
os acionistas da ordem de dezenas de bilhões de libras às custas dos usuários e
do meio ambiente.
Essas
empresas estão deixando a nós todos com décadas de problemas para as gerações
futuras – seja no nosso meio ambiente, nossas fauna e flora ou nossa saúde
pública.
Este
é um escândalo nacional de proporções épicas impactando o direito de todos à
água potável nas nossas torneiras e rios e costas limpos para nossas
comunidades.
A
única opção real é trazer essas empresas de água falidas de volta à supervisão
pública, torná-las publicamente responsáveis e, acima de tudo, de propriedade
pública.
Fonte:
por Marcos
Helano Montenegro, em Outras Palavras
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