Luis
Nassif: ‘O pacto de Moncloa brasileiro à vista’
Em
artigo na Folha, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) dá o
mote: “Empresários do Brasil, uni-vos”.
Ele se refere ao movimento contra as mudanças no PIS-Cofins, que obrigou o
governo a recuar. Defende o combate às falsificações e aos golpes aplicados por
algumas empresas no modelo PIS-Cofins. Mas mostra o caminho das pedras:
“A
geração e a distribuição de riquezas na escala pretendida para mudar o Brasil
não virão de medidas pontuais ou emergenciais, mas de um trabalho duro e
consistente de melhora do ambiente de negócios, que permitirá desde a alta de
investimentos até a melhor formação da força de trabalho. O maior aliado de
qualquer governo para isso é o setor produtivo”.
Não
se tenha dúvida, o caminho para o renascimento do país passa por algo similar
ao que ocorreu no Pacto de Moncloa:
Foi
assinado pelo governo de Adolfo Suárez, partidos políticos com representação
parlamentar (incluindo os principais partidos de esquerda e direita),
sindicatos e organizações empresariais.
Na
época, procurou-se o controle da inflação, a reforma fiscal para aumentar as
receitas do Estado e, principalmente, redistribuir a carga fiscal. Priorizou-se
também o mercado de trabalho com políticas para reduzir o desemprego e houve a
promoção de investimento público em infraestrutura e serviços sociais.
Houve
propostas claras de consolidação da democracia, promovendo diálogo e a
cooperação com diferentes forças políticas e sociais, garantia de direitos e
liberdades fundamentais e promoção da negociação coletiva como forma de
melhorar as condições de trabalho.
Hoje
em dia, os super-ricos ganham dinheiro sem pensar em projeto de Nação,
porque a polarização sufocou o sentido de Nação, dividindo o país em dois. Há
alguns fóruns de consulta – como o Conselhão -, mas sem que discussões e
sugestões sejam encampadas em um projeto de trabalho de governo.
O
mundo, hoje, é diferente – mas não tanto – da Espanha dos anos 70 e 80. Aliás,
nos anos 80 fui convidado para um seminário do Banco Santander em uma das
universidades nacionais. Lá, foi possível conferir como a ideologia vazia da
financeirização penetrou em todos os poros da mídia. Me engalfinhei em uma
discussão com um jornalista financeiro do El Pais, que “acusava” as empresas
espanholas de colocar em risco o dinheiro das velhinhas em países selvagens –
no caso, o Brasil.
Fiz-lhe
ver que o Brasil era um país com muito mais potencial que a Espanha, tinha
grandes empresas muito melhor administradas do que as espanholas – era só
conferir os problemas iniciais da Telefonica -, um potencial agrícola imenso. A
única vantagem da Espanha era a audácia das suas empresas de ir ao Brasil
adquirir grandes empresas públicas nacionais, graças ao viralatismo imperante
no meu país. A compra da Telesp salvou a Telefonica de ser engolida pela
Deutsche Telekom, da Alemanha. E a compra do Banespa se tornou a maior fonte de
receita do Santander.
O
Pacto de Moncloa brasileiro tem que ser feito com o setor produtivo, apesar da
ausência de grandes lideranças, como havia nos anos 90.
É
necessário quebrar o poder de cartel da Faria Lima. O Tribunal de Contas da
União poderá se consagrar se quebrar a cartelização do mercado de taxas,
responsável por movimentos destinados a manter os juros em níveis elevados. Os
jovens aventureiros financistas têm que se dar conta que essa forma de atuação
consiste em crime devidamente previsto pela legislação.
Há
que se seguir o conselho de Roberto Troster – ex-economista chefe da Febraban –
que, em artigo na Folha, propôs penalizações para o capital de curto prazo, o
capital gafanhoto que entra para morder e sair correndo, seja através de
tributação ou de tempo de permanência obrigatório.
E
tem que se trazer a parte séria do mercado financeiro – os grandes bancos
comerciais, o capital internacional produtivo -, que só será atraída pela
elaboração de um plano econômico consistente, através de Grupos de Trabalho,
para dar consistência e rapidez aos projetos.
Hoje
em dia há uma ignorância generalizada na mídia, de apoio aos aventureiros de
mercado. Um colunista da Folha chegou ao disparate de comparar as visitas de
Roberto Campos Neto ao mercado – passando informações, mudando o rumo das
expectativas – com uma visita de Gabriel Galípolo ao MST, em evento de
homenagem ao jurista Celso Bandeira de Mello.
Ao
atacar Roberto Campos Neto, Lula foi criticado pela banda mercadista da mídia.
Mas conseguiu um feito político expressivo: deixou marcado a ferro a divisão
que há no país entre o rentismo desenfreado, uma diretoria do Banco Central
capturada pelo mercado, e a relevância de se investir na produção.
¨
Lula vai à guerra
Os
seguintes eventos têm relação entre si:
- A decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira, colocando
para votar, em tempo recorde, o PL do estuprador.
- Os movimentos especulativos com dólar e juros longos, que
se acentuaram na segunda-feira.
- O senado colocando para discutir a independência financeira
do Banco Central, com apoio de Roberto Campos Neto.
Todos
esses fatos, mais o carnaval ocorrido no Senado – sob o olhar complacente do
presidente Rodrigo Pacheco – tiveram objetivos claros: provocar um clima de
desorganização política, visando influenciar a decisão do Copom (Comitê de
Política Monetária) nesta quarta-feira.
Não
é pouca coisa que está em jogo. A intenção do mercado – e do grupo bolsonarista
de Campos Neto – é interromper a queda da Selic, com base em argumentos vagos:
uma expectativa de inflação que não se confirma com os dados reais; a
possibilidade dos Estados Unidos não reduzir mais os juros e por aí vai.
A
reação de Lula se deu em duas frentes. No exterior, acabou com as especulações
sobre a desvinculação do orçamento dos gastos com saúde e educação. Ontem, em
entrevista na CBN, bateu pesado em Roberto Campos Neto e no tal de mercado.
Antes
disso, andava tão sem iniciativa, tão sem vontade política que, por aqui mesmo,
sugeri que começasse a pensar no sucessor. Levou dois dias para desenvolver o
argumento sobre o tema de maior impacto do momento: o PL dos estupradores.
Qualquer pessoa que minimamente acompanha o tema do aborto sabe que a defesa do
aborto – nas situações definidas pela Constituição – não pode ser confudida com
o estímulo ao aborto, mas tratar a questão sob o ângulo da saúde pública.
Em
algum momento deu um click em Lula que recuperou parte da combatividade
perdida. Na entrevista à CBN, Lula enfatizou que será candidato em 2026, para
impedir que os trogloditas voltem a governar o país.
Caiu
a ficha de que não impor resistência seria o caminho mais rápido para o
cadafalso político. Agora, Lula precisa se armar para o segundo tempo do jogo,
que consiste na apresentação de um plano de governo robusto, factível, e que
que aponte o futuro de forma clara.
Na
entrevista à CBN, Lula deixou claro os caminhos do futuro, na transição
energética.
Precisa,
agora, avançar em uma área chave – a gestão dos projetos, montando grupos de
trabalho intersetoriais para administrar cada um deles, todos se reportando
diretamente a ele, Lula.
Se
completar esse ciclo, a economia ganhará impulso e Lula terá trunfos maiores
para negociar com o Congresso e o tal de mercado
¨
Labirinto econômico,
por Leda Maria Paulani
fora
de combate (Síndrome de Ménière). Nas últimas semanas, vivi em transe e num
mundo desequilibrado.
“Acordando”
agora, porém, estou achando que o labirinto deficiente prejudicou o meu juízo.
Deixo aqui então uma pergunta: aconteceu, neste meio tempo, alguma hecatombe da
qual não pude tomar conhecimento? Uma nova guerra, é isto, uma nova guerra que
fez disparar ainda mais o preço da energia e dos alimentos; ou talvez um grande
desastre climático, maior do que aquele que tragou nossos irmãos gaúchos; não,
uma nova pandemia, isto, acho que é uma nova pandemia, e infinitamente mais
devastadora, causando arrepios, sobretudo no “mercado”, que vai ter que aturar
outra vez um Estado sem amarras pra gastar; ou será que a Nyse, a Nasdaq, a
bolsa de Shangai e a Nikkey deram um capote espetacular e foram parar no abismo
todas juntas; ou não foi nada disso e o que aconteceu foi um disparo de tal
ordem da inflação americana que os Estados Unidos estão se sentindo agora como
o Brasil dos anos 1980?
Seja
o que for, deve ter sido algo apocalíptico, sem o que não se consegue explicar
a súbita mudança de expectativas, de cenário, de panorama, de ambiente da
economia brasileira de meados de abril para esta do final de junho.
Senão
vejamos. Há cerca de dois meses, as expectativas de inflação estavam em queda e
perfeitamente dentro da meta, as expectativas sobre o comportamento do PIB iam
se elevando, em uníssono em relação ao que se esperava para o ano, a
arrecadação de impostos ia surpreendendo positivamente de modo constante, e o
desemprego continuava a se reduzir. As contas externas iam desenhando um
cenário não tão alvissareiro quanto o do ano anterior, mas isso o mercado já
tinha precificado e, de qualquer forma, elas também não surpreendiam
negativamente. O câmbio rondava em torno de R$ 5,00, ora pouco abaixo, ora
pouco acima, e o Ibovespa B3 seguia com tendência altista,
quase alcançando os 130 mil pontos. A pesquisa Focus previa a Selic ao final do
ano em 9%, sinalizando continuidade no movimento de queda. Como uma espécie de
corolário, no dia 1º de maio, a famosa agência Moodys de classificação de
risco, apesar de não mexer no rating do Brasil, alterou sua
perspectiva de “estável” para “positiva”.
No
domingo, 16 de junho, a Folha de S. Paulo trazia em (má
escrita) manchete principal: “Brasil tem um dos piores desempenhos na Bolsa e
da moeda”. Na matéria a informação de que, dentre as maiores economias do
mundo, a Bolsa brasileira teria perdido em média 10% desde o início do ano (cerca
de 7%, diga-se, de meados de abril pra cá), enquanto a moeda brasileira,
batendo em R$ 5,40, só não estava no primeiro lugar no pódio da desvalorização
porque o iene japonês usurpou o lugar. Na reunião de 19 de junho agora, o Copom
decidiu, por unanimidade, manter a Selic em 10,5%.
Qual
a razão de tamanha reviravolta? Alguém logo dirá que, externamente, o
FederalReserve americano adiou mais uma vez o momento de reduzir suas taxas de
juros. Mas ele já havia feito isso pelo menos duas vezes só neste ano, sem
provocar todo este tumulto. Internamente, lembrarão alguns, o governo de Lula
alterou a meta de resultado primário de 2025 de mais 0,5% para zero. Mas isso
também já estava precificado pelo mercado. Não foram dois nem três, mas vários
os executivos de instituições financeiras afirmando que as metas de resultado
primário seriam de difícil execução e que eles já trabalhavam com números
piores. Ademais, essa mudança aconteceu em abril e não alterou, por exemplo, a
disposição da Moodys de melhorar, em seu ranking, a perspectiva
atribuída à economia brasileira. Então por quê? A resposta não é técnica.
Quando
se trata de analisar e diagnosticar o que acontece com as expectativas e os
humores do mercado é preciso levar em conta também fatores de outra ordem.
Teoricamente, a decisão do Banco Central quanto ao nível a ser fixado pela taxa
de juros se dá por meio da chamada “função de referência”, que reza que a
principal variável a influenciar as expectativas de inflação é a credibilidade
da política monetária, que, por sua vez, depende visceralmente da própria taxa
de juros. Traduzindo, o que determina o comportamento da autoridade monetária
no que concerne à fixação da taxa básica é aquilo que ela ouve do mercado, mas
o que ela ouve do mercado depende totalmente do que ela mesma fala.
Tal
casamento perfeito não só torna “de equilíbrio”, mesmo que dê as costas às
variáveis objetivas, qualquer nível da taxa, do mais reduzido ao mais elevado,
como pode virar um conluio contra o país. Quando a política do Banco Central se
reduz estrita e restritivamente a alcançar determinados resultados em relação
ao índice geral de preços, abandonando suas outras tarefas (conforme seu
diploma legal, ele também precisa zelar pelo crescimento e pelo emprego, apenas
pra citar mais uma de suas atribuições) e ouvindo, para montar sua “função de
referência”, tão só o mercado — mais estreitamente ainda, apenas o
mercado financeiro (não é assim, por exemplo, nos EUA, o modelo inelutável dos
nossos ortodoxos), a fixação da taxa básica vira uma brincadeira de compadres,
cheia de profecias que se autorrealizam.
Eis,
portanto, a primeira variável (não de ordem técnica) que cumpre considerar: do
ponto de vista institucional criaram-se condições objetivas para uma espécie de
“autismo” da política monetária, que evidentemente serve a interesses
específicos, sobretudo da riqueza velha, transmutada em papéis — capital
fictício, diria um velho barbudo, a qual busca insanamente capturar no futuro a
valorização que deveria estar ajudando a promover no presente com aplicações
produtivas. Mas há mais.
Desde
a Lei Complementar n.º 179, que conferiu autonomia ao Banco Central, assinada
com a digital criminosa de Bolsonaro em fevereiro de 2021, a situação tornou-se
ainda mais complexa. A autonomia, em princípio uma espécie de salvaguarda
contra os “interesses políticos”, sempre deletérios, na visão ultraliberal que
motivou a proposição e aprovação da lei, à sacrossanta tarefa de preservar o
comportamento dos preços, a autonomia pode virar, como agora o presenciamos,
uma arma política letal. A lembrar certo juizeco de província que topa de
antemão a pasta da Justiça, prendendo o mais forte candidato à eleição, um
presidente de Banco Central que não tem pudor em aceitar um cargo de ministro
da Fazenda num possível governo de um candidato de oposição pode ser tudo,
menos autônomo. Indigno do cargo que ocupa, Campos Neto usa e abusa de seu
poder pra direcionar a política monetária contra o governo, democraticamente
sagrado nas urnas, que comanda o Executivo.
E
voltamos com isso à reviravolta — infundada do ponto de vista técnico. Em 17 de
abril, em viagem aos EUA para uma reunião do FMI, Campos Neto anunciou que “há
mais incerteza agora do que no último encontro” (???) e que a falta de
previsibilidade atrapalharia o plano assumido pelo Copom em março, de dar
continuidade ao movimento de queda da Selic. Como bem observou o jornalista
Luis Nassif, a casca de banana atirada pelo presidente do Banco Central deu
resultados imediatos: no dia seguinte à sua fala, as expectativas com relação a
um corte de 0,5% na Selic caíram de 79% para 28%. Menos de dez dias depois
Campos Neto ataca novamente: a inflação, diz ele, em evento em São Paulo,
“mantém trajetória de queda, mas as expectativas estão elevadas” (reparem
bem, ele admite que a inflação está em queda…). E com a deixa, na reunião
seguinte do Copom, o corte foi de 0,25% e não de 0,5%, em decisão dividida.
Daí
por diante as expectativas favoráveis ao comportamento da economia começaram a
descer ladeira abaixo. Forçar a queda de apenas 0,25%, em vez do esperado 0,5%,
na reunião de 8 de maio, levando à divisão do Copom (os indicados por Lula
votaram por redução de 0,5%, aqueles indicados por Bolsonaro votaram por uma
queda de 0,25%), ajudou a acelerar a ofensiva. O nome de Gabriel Galípolo,
atual diretor de política monetária indicado pelo governo de Lula e apontado
como provável sucessor de Campos Neto na presidência da entidade, começa a ser
duramente questionado. Na última reunião do dia 19 de junho, realizada a
profecia de Campos Neto, um Copom completamente refém de um mercado voraz e
corrosivo, instigado pelo próprio presidente da autoridade monetária do país,
procura estancar a sangria das expectativas que o próprio BC alavanca e vota em
uníssono pela manutenção da taxa. Quem haveria de votar contra? De uma Selic ao
final do ano em torno de 9%, agora não se fala de outra coisa senão na
manutenção dos 10,5% até o final de 2024. Missão cumprida.
E a
economia brasileira? Ah, vai bem, obrigada. Produto e emprego permanecem
surpreendendo, arrecadação também, contas externas ok, inflação em queda… E o
que importa isso tudo? Nada. Mas com as expectativas contribuindo para inflar
incertezas e reduzir o pouco investimento, o ambiente amargo vai contaminar
também a economia real. Depois de três décadas servindo à riqueza velha, com o
Executivo cada vez mais amarrado, fazendo das tripas coração pra preservar um
grau de liberdade mínimo, com o Congresso mais reacionário da história a
manobrar interesses os mais escusos, resta saber se haverá um fio de Ariadne
pra resgatar o país desse labirinto, mais sinistro que o meu, por abrigar o
Minotauro extremista que continua a devorar nossas esperanças.
Fonte:
Jornal GGN
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