Como a
eleição no México influencia a disputa entre Trump e Biden
Eleita
a primeira presidente do México, Claudia Sheinbaum assumirá o cargo em 1º de
outubro, um mês antes das eleições nos EUA, na qual ambos os candidatos — o
atual presidente Joe Biden e seu antecessor, Donald Trump — dependem fortemente
do país vizinho como aliado e primeiro parceiro comercial e disputam a
narrativa de quem é mais competente para controlar o fluxo migratório na
fronteira.
Há
temas bastante espinhosos nesta relação. A imigração na fronteira partilhada de
3 mil quilômetros é o que grita mais alto, mexe com corações e mentes dos
eleitores americanos, especialmente pela retórica estridente do candidato
republicano, que associa o fluxo de pessoas que cruzam a fronteira sul com
contrabandistas e terroristas.
Sob
pressão, Biden, por sua vez, tende a endurecer o tom: o presidente estava à
espera pela definição do pleito mexicano para anunciar, possivelmente já esta
semana, uma ordem executiva com o objetivo de amenizar os ataques do campo
opositor contra a sua reeleição.
A
medida presidencial visaria, segundo antecipou a CNN, a limitar a capacidade
dos migrantes de procurarem asilo na fronteira e tentar reprimir a entrada
ilegal, mantendo o número de passagens o mais baixo possível nesta fase da
campanha.
Funcionários
do governo Biden não descartam o fechamento da fronteira, como medida
emergencial antes das eleições de 5 de novembro. Sheinbaum já deixou claro que
discorda desta solução.
Desde
que o fluxo atingiu um novo recorde em dezembro de 2023, com aumento de 31% de
chegadas nos EUA em relação ao mês anterior, os dois governos realizaram
reuniões até obterem uma queda pela metade.
Independentemente
da ação de Biden, há políticas controversas oriundas de governadores
republicanos, como o do Texas, Greg Abbott, que ordenou a deportação de pessoas
suspeitas que entram ilegalmente nos EUA.
A
medida foi suspensa por um tribunal federal, mas a presidente eleita, Claudia
Sheinbaum, declarou durante a campanha que não receberá deportados de estados
americanos e discutirá o assunto apenas no nível federal.
Em
seu discurso de posse, ela reforçou os termos desta relação com o país vizinho:
“Com os Estados Unidos, haverá relação de amizade, respeito mútuo e igualdade,
e sempre defenderemos os mexicanos que estão do outro lado da fronteira.”
• Drogas
Outro
tema crucial na relação entre dois países é o tráfico de drogas, como o
fentanil, responsável por uma epidemia e 96% das mortes relacionadas a
overdoses nos EUA.
No
lado mexicano, representa a violência ligada aos cartéis, que transformaram o
processo eleitoral encerrado no domingo num pesadelo, com 321 casos de ataques
a candidatos e 94 assassinatos.
É
preciso levar em conta que, nos casos da migração e do combate ao crime
organizado, o pragmatismo na relação bilateral supera o tom incendiário adotado
pelo ex-presidente Donald Trump em seus comícios, que funciona como mola
propulsora para obter votos.
Em
2016, o republicano fez da construção de um muro na fronteira sul, que seria
pago pelo México, a base de sua estratégia eleitoral para conquistar a Casa
Branca.
Anunciou
também a deportação em massa dos imigrantes sem documentos — estima-se que há
11 milhões espalhados pelo país. Não conseguiu em seu mandato cumprir nenhuma
dessas promessas.
• Claudia
Sheinbaum se torna 1ª mulher a assumir presidência da México
A
candidata do governo Claudia Sheinbaum venceu a eleição presidencial do México
neste domingo (2). Apadrinhada pelo atual presidente, Andrés Manuel López
Obrador, Sheinbaum será a primeira mulher a assumir o cargo no país.
A
vitória é indicada pela contagem preliminar dos votos do Instituto Nacional
Eleitoral (INE), a principal autoridade eleitoral do país. Com 77% das urnas
apuradas, Sheinbaum obteve entre 58,3% e 60,7% dos votos na contagem do INE. Na
sequência, a opositora Xóchitl Gálvez conquistou entre 26,6% e 28,6%, ainda de
acordo com a projeção.
O
modelo de contagem adotado pelo INE estima o resultado da eleição com base em
uma amostra representativa da votação em todo o país, a partir de dados de
locais de votação de todo o país. A margem de erro é de 1,5% para baixo e 1,5%
para cima, segundo o próprio instituto.
No
entanto, Gálvez já reconheceu a derrota em discurso para sua base e disse ter
ligado para Sheinbaum, para dar os cumprimentos para a governista.
Em
discurso após a votação, Claudia Sheinbaum afirmou ter se tornado "a
primeira mulher presidente do México em 200 anos de república".
"Não
chego aqui sozinha. Chegamos todas. Com nossas heroínas que nos deram a pátria,
nossas ancestrais, nossas filhas e nossas netas. (...)Conseguimos mostrar que
México pode realizar eleições pacíficas", disse.
Também
no discurso, ela prometeu um governo com "austeridade republicana e
disciplina financeira fiscal. Garantiu, no entanto, que "não haverá
aumento reais a combustíveis e eletricidade".
"Nosso
governo será honesto, sem corrupção e sem impunidade. Respeitaremos a liberdade
empresarial e facilitaremos o investimento privado nacional e estrangeiro,
garantindo, sempre, o respeito ao meio ambiente".
A
posse de Sheinbaum ocorrerá apenas em 1º de outubro. Até lá, López Obrador
segue presidindo o país.
• Quem é
Claudia Sheinbaum
Claudia
Sheinbaum, 61, nasceu na cidade do México, em 24 de junho de 1962, em uma
família judia. Ela tem dois filhos do primeiro casamento, com Carlos Ímaz, que
conheceu em um protesto na faculdade, em 1986, e com o qual se casou no ano
seguinte.
Mariana,
a mais nova, é sua filha biológica. O mais velho, Rodrigo Ímaz, é fruto do
primeiro casamento de Carlos, mas foi criado por Claudia desde a união do
casal. Ele é pai de Pablo, único neto da presidente eleita.
Sheinbaum
construiu uma carreira acadêmica antes de entrar na política. A presidente é
formada em física pela Unam (uma das universidades mais prestigiadas do
México), e fez pós-graduação em engenharia ambiental. Também fez pós-doutorado
na Universidade da Califórnia em Berkley, nos Estados Unidos e participou do
Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU (IPCC) que ganhou um
Prêmio Nobel da Paz em 2007.
Em
novembro de 2023, ela anunciou seu novo casamento com Jesús Tarriba, seu
namorado de faculdade, com quem se reencontrou pelo Facebook, em 2016.
Durante
seus anos como estudante, Sheinbaum foi politicamente ativa e até organizou uma
greve contra o aumento de mensalidades, em 1987. Para ela, essa é uma tradição
familiar: os pais eram esquerdistas e estiveram envolvidos nas manifestações de
1968 no México (os protestos estudantis na Cidade do México naquele ano tomaram
uma grande proporção, até que policiais mataram cerca de 300 pessoas em uma
praça, poucas semanas antes de começarem os Jogos Olímpicos que aconteceram
lá).
• Vida
política
Na
política, Sheinbaum começou como secretária de Meio-Ambiente da Cidade do
México. Na época, o prefeito era Andrés Manuel López Obrador, que viria a se
tornar presidente com o partido que ele mesmo fundou, o Morena.
Sheinbaum
acompanhou López Obrador no Morena e, depois de comandar um distrito da Cidade
do México, se tornou prefeita.
Quando
ainda estava no comando do distrito, em 2017, teve que gerenciar as
consequências de um desmoronamento de um colégio durante o terremoto que matou
26 pessoas, incluindo 19 crianças.
Ela
disse na ocasião que as irregularidades encontradas na construção não eram
culpa da prefeitura.
Durante
sua gestão como prefeita da capital, entre 2018 e 2023, aconteceram a pandemia
de Covid-19 e a queda de uma linha do metrô. Ao lidar com o acidente, ela fez
um acordo com a empresa construtora, que pertence ao magnata Carlos Slim: as
vítimas receberam indenização e o caso não foi levado à Justiça.
• Apoio de
López Obrador
A
candidata é a favorita por causa do apoio de López Obrador, afirma Jimena
Ortiz, da consultoria Inteligencia Más. “Essa grande intenção de votos é uma
consequência do endosso do presidente a ela. Essas eleições são uma espécie de
referendo a López Obrador, porque as pessoas que gostam do governo vão votar em
Sheinbaum”, diz ela.
O
problema, segundo Ortiz, é que até mesmo as propostas que a candidata defende
são, essencialmente, desejos do atual presidente.
Um
desses projetos é uma mudança de todo o sistema judiciário: o partido Morena
quer que ministros da Suprema Corte, juízes, desembargadores e os ministros da
Justiça Eleitoral sejam escolhidos por voto direto. Por esse projeto, todas as
pessoas que estão atualmente no cargo serão obrigadas a renunciar.
Para
que essa proposta seja aprovada, o Morena e os partidos aliados precisarão ter
dois terços da Câmara dos Deputados e dois terços do Senado.
• 'Dama de
gelo'
Quando
a disputa ficou entre Sheinbaum e Xóchitl Gálvez, a líder das pesquisas nunca
olhou ou chamou sua principal oponente pelo nome durante três debates que
tiveram.
"Você
ainda é fria, sem coração, eu a chamaria de dama de gelo", disse Gálvez a
ela durante o primeiro confronto, acusando-a de não ter o "carisma"
de López Obrador.
• Nova
presidente do México defende voto direto para eleger ministros do Supremo e
para juízes; entenda
A
presidente recém-eleita do México, Claudia Sheinbaum, defende uma proposta
controversa: alterar a Constituição para que ministros da Suprema Corte,
ministros do tribunal eleitoral, desembargadores e juízes de primeira instância
passem a ser eleitos por voto direto da população.
Além
disso, todas as pessoas que atualmente ocupam esses cargos terão que renunciar.
A
mudança é um desejo do atual presidente atual, Andrés Manuel López Obrador,
principal apoiador de Sheinbaum. Ela já deu declarações favoráveis ao projeto
de reforma judicial. Em uma entrevista ao “Financial Times”, ao ser perguntada
sobre a proposta, respondeu: “O que queremos é mais democracia para o país, e
os investimentos serão garantidos”.
Ela
fez uma referência a investidores porque o México, por ser próximo dos Estados
Unidos, recebe muitas empresas estrangeiras, e no país há uma discussão sobre
uma possível insegurança jurídica caso os juízes passem a ser eleitos por voto
direto da população.
López
Obrador não conseguiu aprovar a reforma judicial pois são precisos dois terços
dos votos no Legislativo, e os partidos governistas não têm essa quantidade de
deputados e senadores.
Os
eleitores do México foram às urnas no dia 2 de junho para eleger presidente,
128 senadores e 500 deputados e, se as previsões das pesquisas de intenção de
voto se confirmarem, o partido Morena, que está no poder, poderá aumentar sua
bancada no Legislativo.
A
proposta já foi enviada à Câmara dos Deputados e está na mesa diretora, o que
possibilita que ela seja retomada a qualquer momento, segundo a analista
política mexicana Jimena Ortiz Díaz, da consultoria Inteligencia Más.
O
plano dos governistas é que a primeira eleição para escolher os membros do
judiciário aconteça em junho de 2025.
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Como é hoje?
Os
juízes são escolhidos por um Conselho da Magistratura. Já para ministros do
Supremo há um processo que envolve o Executivo e o Legislativo. O presidente
indica uma lista tríplice. Se nenhum dos nomes for aprovado pelo Senado, o
presidente envia uma segunda lista tríplice. Se novamente ninguém for aprovado,
o presidente pode nomear livremente.
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O que a proposta diz?
Para
os juízes, a proposta é de eleição direta entre as pessoas que se candidatarem.
Já
para os cargos de ministros do Supremo e do Tribunal Eleitoral, a candidatura
vai ser diferente: cada um dos poderes (Executivo, Legislativo e o próprio
Supremo) vai apresentar uma lista com seus candidatos. Haverá uma campanha
nacional e uma votação em lista. Os vencedores serão os nomeados.
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As críticas ao projeto
De
acordo com o jornal "Financial Times", apenas um país, a Bolívia,
elege os juízes da Suprema Corte por voto direto dos eleitores.
Rubens
Glezer, professor da FGV e membro do grupo Supremo em Pauta, afirma que a forma
mais comum é a indicação de nome pelo Executivo e aprovação pelo Legislativo.
Uma
das ideias por trás dessa forma de indicação, segundo ele, é
"blindar" os juízes de pressões políticas das maiorias. “Se houver
votação para juiz da Suprema Corte, a tendência é que os eleitos sejam de
regiões mais populosas, mas, nesse caso, como ficariam os direitos das pessoas
de regiões menos populosas?”, afirma ele.
Uma
Suprema Corte deve funcionar como uma espécie de freio “aos excessos emocionais
de conjuntura, que historicamente tendem a ser danosos a direitos de grupos
vulneráveis, no curto prazo, e para a comunidade como um todo, no médio e longo
prazo”, diz o professor.
A
lógica do modelo mais comum, pelo qual os ministros são indicados pelo poder
Executivo e referendados pelo Legislativo, é que existe um crivo político para
que o candidato seja escolhido, mas ele terá autonomia para exercer o cargo,
segundo Glezer.
A
analista política mexicana Jimena Díaz aponta uma possível consequência
problemática com a eleição de juízes de primeira instância: grupos organizados
podem financiar uma eleição para juiz.
"No
México, por exemplo, tem crime organizado. Esse é o exemplo mais nocivo, mas
pode ser também financiamento do setor empresarial –as petroleiras, as
farmacêuticas podem ter seu juiz, seu magistrado, seu ministro do
Supremo", ela afirma.
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O plano de López Obrador
A
analista política Jimena Díaz diz que o grande arquiteto dessa reforma é o
atual presidente López Obrador, que tem três propósitos políticos:
1. Influenciar a
pauta da campanha eleitoral —a reforma judicial não foi a única que ele enviou
para o Congresso para ficar “engatilhada”; o presidente também encaminhou um
mecanismo de paridade do salário mínimo com a inflação e mudanças na forma como
funciona o setor elétrico; ambos foram tópicos das campanhas.
2. Determinar
qual vai ser a agenda da aliada dele, Claudia Sheinbaun. “A força de Sheinbaun
é totalmente derivada do endosso que ela recebeu do presidente. As eleições, na
prática, foram um referendo sobre López Obrador: as pessoas que gostam dele
votar em Claudia. Ela foi defensora das propostas, mas não sabemos o que vai
fazer quando se sentar na cadeira. Ela sabe que não vai poder se desvincular
politicamente do presidente —se ela fizer isso, não vai conseguir governar”.
3. Manter-se
vivo politicamente. Pelas regras eleitorais do México, López Obrador não pode
voltar à presidência. No entanto, diz Jimena, “ninguém pensa que ele vai para o
rancho dele; a grande maioria dos deputados é fiel a ele, não a Cláudia. Ele
quer se manter vivo e manter viva sua agenda”, afirma ela.
Fonte:
g1
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