segunda-feira, 3 de junho de 2024

Calamidade no RS reforça que solução para o clima deve ser multilateral, diz Paulo Hartung

Sem precedentes, a calamidade no Rio Grande do Sul é um dos exemplos que reforçam a necessidade de os governos buscarem uma solução multilateral para a questão climátima no mundo, avalia o economista Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo.

“Do ponto de vista do dever de casa que nós temos, que é cuidar do nosso planeta, o que acontece no Rio Grande do Sul se soma a tantos outros exemplos mundo afora de eventos extremos, para a gente ter consciência do que precisamos fazer”, diz à CNN às vésperas do Dia do Meio Ambiente, comemorado em 5 de junho.

Hartung foi governador do Espírito Santo por 12 anos (2003-2010 e 2015-2018), além de senador (1999-2002). Atualmente, é presidente-executivo da associação Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), que representa a cadeia produtiva da silvicultura, e advoga pela transição para uma economia verde no Brasil.

<><> Confira, a seguir, a entrevista de Paulo Hartung à CNN:

·        O que acontece no Rio Grande do Sul, muito devido às mudanças climáticas, nos mostra como atrasados ao lidar com o tema?

Paulo Hartung: O desastre ambiental no Rio Grande do Sul é gravíssimo. Falar dele é falar da necessidade que todos nós, brasileiros, devemos ter de absoluta solidariedade ao povo gaúcho. E é um episódio que está em curso: quando a água começa a baixar, chove de novo.

É muito importante que os governos estejam muito organizados para participar desse processo de recuperação do Rio Grande do Sul em sua infraestrutura e nas condições de vida e de moradia dos gaúchos.

O que acontece lá traz prejuízo para o Brasil: o Rio Grande do Sul é uma parte importante do país e da economia brasileira, e já há discussões sobre produtos que precisaremos ou não importar.

E, do ponto de vista do dever de casa que nós temos, que é cuidar do nosso planeta, o que acontece no Rio Grande do Sul se soma a tantos outros exemplos mundo afora de eventos extremos, para a gente ter consciência do que precisamos fazer.

No mundo, podemos até ter bons exemplos unilaterais (contra as mudanças climáticas), mas a solução é multilateral, e nós precisamos ter a capacidade de mobilizar o mundo para além de metas e de compromissos, transformando esses compromissos em ação.

·        Os governos que agem sobre o Rio Grande do Sul – federal, estadual – têm falado em uma reconstrução verde, sustentável, para o estado, trazendo conhecimento que temos de cidades já adaptadas às mudanças climáticas. É possível o Rio Grande do Sul se tornar um modelo nesse sentido?

Paulo Hartung: O Brasil tem essa chance, sim. Com o Rio Grande do Sul estando dentro do Brasil, temos essa oportunidade.

Nesse desafio do processo de descarbonização, o Brasil tem oportunidades. E essas oportunidades viram coisa concreta para a população se a gente fizer o nosso dever de casa. E isso vale para o território do Brasil como um todo, e para as lideranças do Brasil como um todo.

Nós, humanos, tentamos simplificar as coisas até como autodefesa, mas estes são problemas que não tem como a gente tratar com simplismos. São questões muito complexas, desafiadoras.

Esse modo de vida que nós vivemos não é sustentável. Você tem que virar a chave. Não tem solução simples para problemas muito complexos como este.

Não adianta você conseguir que a Europa emita menos com a China emitindo descontroladamente. Isso não resolve o desafio que nós temos de emissão de gases do efeito estufa no planeta.

Não adianta olhar para o chão: tem que levantar a cabeça, olhar para o horizonte. Não adianta olhar para uma árvore: tem que olhar para a floresta. Tem que olhar para o conjunto e ter a capacidade de agir com engenho e arte.

·        Como o senhor vê o caminhar da transição para uma economia verde?

Paulo Hartung: Com o Dia Mundial do Meio Ambiente, podemos refletir, avaliar coisas que foram feitas e que não foram feitas, pensar desafios que nós temos — e ainda há esse papel mobilizador da sociedade.

Mas nós sabemos que a questão não é só um dia: é o desafio de todos os dias da caminhada humana.

O desafio que temos no meio ambiente não tem soluções locais e unilaterais. Esse é um desafio planetário, e as soluções são globais e multilaterais. Por isso, falo que as COPs estão tendo papéis importantes.

A pergunta que não quer calar da COP de Paris até agora, passando todas as COPs do Clima e da Biodiversidade, é se a humanidade está conseguindo evoluir, de forma prática, nesses objetivos que pactuou. Infelizmente, a resposta é negativa. O que se avançou de lá para cá é muito pouco em relação aos desafios que nós temos.

Por isso é que eu faço esse olhar mais macro, mais global. Se há um país importante no mundo e ele faz todo o seu dever de casa, ele, sozinho, não dá conta desse desafio. E o que acontece é o contrário, quer dizer: os maiores poluidores do planeta resistem como podem no sentido de implementar medidas que os evoluam na direção da sustentabilidade.

E como se evolui? Tem que mudar a matriz energética, saindo da que é predominantemente fóssil para uma limpa. E o que a gente vê acontecendo nesses últimos anos? Um recuo de posições.

Estamos vendo isso na União Europeia. A Europa foi muito ousada com metas ambientais, e a eleição que está em curso na Comunidade Europeia está dando sinais de afrouxamento em relação a essas medidas.

própria eleição americana é um ponto de atenção que precisamos ter, porque ela pode significar graves retrocessos. Isso é um tema global, talvez um dos maiores desafios que as nossas gerações tenham nesse momento.

Nós estamos deixando a desejar, e os sinais estão batendo nas nossas portas, dia a dia, em vários eventos climáticos extremos. Estamos vivendo uma emergência climática e a gente precisa ter consciência disso — principalmente as grandes lideranças mundiais.

·        No Brasil, os estados estão prontos para lidar com as mudanças climáticas?

Paulo Hartung: Na roça, lá no interior do Espírito Santo, tem um ditado que fala que a necessidade faz o sapo pular. É sabedoria popular: a necessidade está aí. Os problemas estão batendo nas nossas portas.

·        Que desafios e oportunidades se apresentam para o Brasil nesse cenário?

Paulo Hartung: O Brasil tem experiências notáveis e desafios, como outros países. O desafio número um, na minha visão, para o Brasil, é combater as ilegalidades que ainda estão presentes, como o desmatamento. Temos que pôr uma posição de exemplo nesta matéria.

E já que eu estou falando de uso de terra: grilagem, garimpo ilegal… Isso é um absurdo. Precisamos da presença do Estado produzindo um bom exemplo.

É preciso lembrar que, nas emissões brasileiras, essa questão do desmatamento e das queimadas tem um peso muito grande. Se o Brasil evolui numa matéria como essa, ele dá um belíssimo exemplo para o mundo.

Outro ponto que eu vejo que a gente está devendo é no campo da regulamentação. O que os Estados Unidos estão fazendo hoje com o IRA (Inflation Reduction Act)? É um plano de estímulo para o desenvolvimento de energia limpa, de base renovável, em que eles mobilizam quase US$ 1 trilhão.

Quando a gente olha a plataforma montada do Green Deal na Europa, a gente vai ver que eles têm uma baita regulamentação. Quando você olha a China nos últimos dez anos, há investimento em descarbonização, energia solar e carro elétrico – que estão sendo colocados no mundo inteiro. É notável o que eles fizeram, mas tem muito dinheiro.

Nesses três exemplos, o orçamento é alto; está fora do nosso padrão brasileiro. Então, se nós não temos esse dinheiro, o que nós precisamos ter é a melhor regulamentação do mundo. Nós precisamos ter um ambiente de segurança jurídica como ninguém tem, e nisso nós estamos devendo.

Já devíamos ter o mercado de carbono regulado, dialogando com os mercados de carbono no mundo afora, principalmente o europeu. Isso é importante para um país como o nosso, que tem os ativos ambientais que nós temos.

A gente precisa caprichar na regulamentação, e parar com esse negócio de que vai tramitar uma lei no Congresso e começam os grupos de pressão a tentar de pendurar interesses particulares em projetos que são estratégicos para o país. Temos assistido a isso com uma certa frequência.

Olhemos os ativos ambientais que temos: a maior floresta tropical do planeta, a maior biodiversidade, 12% da água doce do mundo, ventos constantes em várias regiões que podem virar energia eólica, sol abundante, experiência de biomassa espetacular e muito bem sucedida…

·        A transição energética, então, seria o primeiro passo para uma economia verde?

Paulo Hartung: Os combustíveis fósseis, hoje, alimentam coisa próxima a 80% da energia que é consumida no planeta. Nós precisamos migrar.

No Brasil, temos fontes alternativas. Nosso parque de hidroeletricidade é notável, fazendo com que a matriz energética brasileira seja diferenciada. E nós temos o sol, outra fonte limpa de energia – e os custos de implantação de energia solar caíram muito.

Temos o vento, e ele também promove a energia limpa, que é a eólica. E a experiência de biomassa do Brasil é notável, com o uso do etanol e também o desenvolvimento do etanol de segunda geração.

No nosso setor de árvores cultivadas para fins industriais, nós temos uma experiência notável: praticamente 86% da energia consumida nas nossas fábricas já é energia que vem das próprias árvores. Quando você decompõe uma árvore, tem fibra. Com a fibra, você faz celulose, viscose, e, decompondo, você também tem a lignina, o licor preto que você produz a biomassa florestal, que gera energia. Essa energia move as nossas fábricas.

O Brasil tem experiências notáveis em energias alternativas e limpas. E é nesse caminho que nós temos que migrar o planeta de uma maneira geral, aproveitando muito dessa capacidade do ser humano de criar e recriar caminhos. Esse é o desafio do nosso tempo: entregar um planeta saudável para os nossos filhos, netos e futuras gerações.

 

¨      Entidade estima em até R$ 176 bilhões valor necessário para reconstrução do RS após chuvas

A Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) estimou que serão necessários de R$ 110 bilhões a R$ 176 bilhões para reconstrução da infraestrutura perdida no estado por conta das chuvas.

De acordo com a Federasul, o montante necessário para mitigar o impacto do desastre deste ano seria maior do que o gasto nos últimos 30 – R$ 100 bilhões, ou 20% dos prejuízos nacionais com catástrofes ambientais, segundo o levantamento.

O estudo levou em consideração informações do governo federal, estimativas de mercado com base em infraestrutura e dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Porém, um problema amplamente apontado no momento por quem busca fazer estudos como esse é a dificuldade de se coletar dados, o que torna a maioria dos levantamentos parcial.

“A falta de dados não permite uma análise mais consistente em alguns setores. Ainda há muitas respostas a serem dadas”, aponta o vice-presidente e coordenador da divisão da Economia da Federasul, Fernando Marchet.

Contudo, Marchet aponta que é fato que a catástrofe climática vai frear o avanço da economia gaúcha. Segundo o vice-presidente da Federasul, o estado vinha crescendo com uma projeção de 4% em 2024, mas que devido às chuvas, a estimativa caiu para queda de 0,77%.

“Pode parecer pouco, mas é uma queda de cinco pontos percentuais de acordo com a nossa estimativa. Em um cenário pessimista, pode ser arrastada para pior ainda, até queda de 2%”, aponta.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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