segunda-feira, 3 de junho de 2024

Bukele inicia segundo governo em El Salvador com poder quase absoluto

O popular presidente de El Salvador, Nayib Bukele, iniciou neste sábado (1º) um segundo mandato com poder quase absoluto e sem oposição, mas confrontado com o desafio de manter a segurança no país e alcançar a prosperidade econômica que prometeu. 

Bukele, um millennial de 42 anos, prestou juramento em cerimônia que teve início às 8h, horário local (11h no horário de Brasília), no Palácio Nacional, no centro histórico de San Salvador.

Este ex-publicitário de ascendência palestina assume outro mandato de cinco anos depois de pulverizar a oposição e obter históricos 85% dos votos nas eleições de fevereiro, nas quais também ganhou quase todo o Congresso (54 dos 60 assentos). 

Frequente nas redes sociais onde ri de quem o chama de "ditador", tem a seu favor os restantes poderes do Estado, incluindo magistrados que lhe permitiram buscar a reeleição apesar de ser proibido pela Constituição. 

Ele terá ainda mais poder porque os deputados aprovaram recentemente uma reforma que lhe facilitará mudanças constitucionais, inclusive, segundo analistas, permitindo a reeleição indefinida.

"Ele avançou com uma velocidade alarmante na eliminação de pesos e contrapesos essenciais para uma democracia, o que permitiu, entre outras coisas, a sua reeleição (...). É difícil pensar que o próprio Bukele irá refazer as suas medidas autoritárias", disse à AFP Tamara Taraciuk, do centro de análise Diálogo Interamericano.

- O custo da segurança -

Em uma América Latina atormentada pela violência do crime, Bukele é o presidente mais popular, segundo uma pesquisa regional, graças às suas políticas de "punho de ferro" contra gangues, que vários governantes, como Daniel Noboa (Equador) e Xiomara Castro (Honduras), tentaram imitar. 

Ambos participam da cerimônia de posse, assim como os presidentes Santiago Peña (Paraguai) e Rodrigo Chaves (Costa Rica), e o rei Felipe da Espanha, entre outros. 

Mas o foco está no argentino Javier Milei, com quem Bukele compartilha a simpatia pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump, a agenda conservadora e o gosto por golpes de efeito.

Bukele afirma ter curado o país do "câncer" das gangues, às quais declarou "guerra" e construiu uma megaprisão: desde março de 2022, El Salvador vive sob um estado de exceção que deixa 80 mil detidos sem ordem judicial .

A Human Rights Watch e a Anistia Internacional denunciam mortes, tortura e detenções arbitrárias. Quase 8.000 foram libertados, milhares porque são inocentes. 

O custo da segurança é pago pela "população injustamente detida", resume o coordenador da Comissão dos Direitos Humanos, Miguel Montenegro. 

Para Bukele, que chegou ao poder em 2019 com 53% dos votos, a sua recente vitória esmagadora mostra que os salvadorenhos querem continuar sob o regime de exceção.

- Uma vida melhor -

Depois de derrotar as gangues, os especialistas acreditam que a lua de mel pode acabar por questões financeiras. 

"A segurança está melhor, não temos mais medo de sair (agora), espera-se que haja mais trabalho, melhores condições de vida. Tudo está caro", disse à AFP Sandra Escobar, de 27 anos, caixa de um café na capital. 

O país enfrenta uma dívida pública de 30 bilhões de dólares, 29% dos seus 6,5 milhões de habitantes são pobres e muitos continuam emigrando para os Estados Unidos em busca de trabalho. 

Os 3 milhões de salvadorenhos que vivem no exterior enviam remessas no valor de 8 bilhões de dólares por ano (24% do PIB).  Sem eles "já teríamos afundado há muito tempo", diz o economista Carlos Acevedo. 

Na tentativa de revitalizar a economia dolarizada e dependente das remessas, em 2021 Bukele fez de El Salvador o primeiro país do mundo onde o bitcoin tem curso legal. Mas na vida cotidiana praticamente não circula.

Bukele é acusado por seus críticos de não prestar contas dos gastos milionários em megaprojetos com impacto midiático e em seu maquinário de comunicação.

 

¨      México convive com altas taxas de violência de gênero

O México elegeu a sua primeira presidente neste domingo (2). Não são todas as mexicanas, no entanto, que se sentem exatamente animadas.

Em um país hostil a elas, com altas taxas de violência de gênero e de violência política, as organizações sociais cobraram Claudia Sheinbaum, candidata governista, e Xóchitl Gálvez, nome da oposição, sobre quais políticas elas colocarão em prática para reverter esse cenário desigual.

As respostas de ambas, surpreendentemente similares, vêm sendo descritas como comedidas e insuficientes. É uma ideia generalizada de que a representatividade de gênero, por si só, não é o suficiente.

A cada dia do primeiro trimestre deste ano duas mexicanas, em média, foram assassinadas por fatores ligados a seu gênero, o chamado crime de feminicídio; 177 mulheres denunciaram alguma agressão física; e ao menos quatro casos de abuso sexual contra meninas chegaram ao conhecimento da polícia, segundo dados oficiais do Estado.

Em alguns desses indicadores, houve ligeira queda no ano passado, fator celebrado pelo governo de Andrés Manuel López Obrador, prestes a se despedir do cargo após seis anos. Organizações feministas dizem que essa realidade ainda não apareceu no dia a dia.

A Rede Nacional de Refúgios, que há 20 anos atua no atendimento a mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, diz ter registrado aumento de 27% em seus atendimentos no primeiro quadrimestre. Em abril, o número cresceu 39% em relação ao mesmo mês de 2023. Muitas mulheres chegam após não conseguir acessar a ajuda estatal.

"As propostas das duas candidatas carecem de uma compreensão do território nacional", diz Wendy Figueroa, psicóloga que coordena a rede. "São propostas feitas em escritório."

Entre outras coisas, Claudia Sheinbaum, a candidata de López Obrador, defende que o combate à violência doméstica seja feito com a retirada do agressor da casa da família e que haja um apoio financeiro mensal para mulheres de 60 a 64 anos, idade anterior à aposentadoria.

Xóchitl, uma mulher indígena e que relata ter sido vítima de violência doméstica no passado, por sua vez, pleiteia políticas públicas como a criação de um cartão com 5.000 pesos mensais (R$ 1.500) para que mulheres vítimas de violência possam arcar com seus gastos.

Sobre a primeira ideia de Sheinbaum, Figueroa avalia que o plano é insuficiente. Em contrapartida, a ativista defende que também sejam fortalecidas as redes de abrigo para mulheres e menores vítimas de agressão, um tema pouco falado na campanha.

Talvez uma das maiores frustrações de alguns setores feministas tenha sido as declarações comedidas das duas em relação ao direito ao aborto, em um país com presença ainda robusta da Igreja Católica.

No ano passado, a Suprema Corte exigiu que o Congresso alterasse o Código Penal para retirar artigos que tornam a interrupção da gravidez um crime. Mas Câmara e Senado ainda não legislaram sobre o tema. Sheinbaum e Xóchitl dizem apenas que a decisão deve ser respeitada.

As duas também pleiteiam políticas de apoio às mulheres grávidas e à primeira infância. O diagnóstico, afirma um membro da cúpula da campanha de oposição, é de que muitas mulheres se vêm forçadas ao aborto por falta de apoio e porque se sentem sozinhas. Não há pesquisas que indiquem esse fator, que fica à cargo da subjetividade.

Ninde Molina, da ONG Abortistas MX, diz que seria importante uma voz presidencial em defesa do direito de escolha. "Poderíamos conseguir mudanças culturais mais rapidamente com esse incentivo e exemplo", afirma ela, que tampouco está animada com as eleições.

"Infelizmente, com López Obrador aprendemos a amarga lição de que defender direitos das mulheres na campanha presidencial não necessariamente significa operar por isso."

O líder mexicano se gaba de ter ampliado de maneira expressiva a verba destinada ao chamado Anexo 13, parte do orçamento nacional voltada para o combate a desigualdades. De fato, o fez: de 2018, quando assumiu, a este 2024, a verba com esse destino cresceu mais de 500%.

Há seis anos, o anexo recebia um montante correspondente a 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto) mexicano. No ano passado, eram 1,2%.

Mas estudiosos do tema dizem que o Anexo 13 tem poucas políticas comprovadamente voltadas para combate à violência de gênero, por exemplo. Estudo da ONG Fundar aponta que 89% do total é enviado para programas sem distinção entre homens e mulheres, como um programa de pensões para maiores de 65 anos que vem sendo descrito como o principal programa social de López Obrador.

"O governo, que prometeu transversalizar as políticas de combate à desigualdade, não está fazendo isso", diz a pesquisadora Andrea Larios. "A verba do anexo vai majoritariamente para programas que não estão construídos com base em perspectiva de gênero e que não se justificam sob esse aspecto, ainda que sejam importantes. Tampouco se pode medir como esses programas avançam em igualdade de gênero."

Sheinbaum, que capitaneia todas as pesquisas à frente de Xóchitl, promete criar o que personifica como "uma República de mulheres", uma realidade da qual o país obviamente está muito distante.

Ao menos simbolicamente, a chegada da primeira mulher à chefia do Executivo nacional vai coroar um índice do qual o México tem êxito: o de participação política. Em ranking da ONU, a nação aparece em quarto lugar, atrás de Ruanda, Cuba e Nicarágua, como aquela com mais paridade de gênero nas vagas do Congresso (50%).

Mas também aí um outro desafio vem recordar os dilemas da República hostil às mexicanas: o México tem altíssimos números de violência política de gênero. Em 2022, foi considerado o líder global nesses ataques, com 537, seguido pelo Brasil (327), de acordo com ranking da Universidade de Georgetown, baseada em Washington.

¨      Sem água e sob seca severa, capital do México expõe crise climática e debate 'dia zero'

Não foi surpresa para quase nenhum mexicano, e nem por isso deixou de assustá-los. Sob a terceira onda de calor neste ano, a Cidade do México vive um prenúncio do que a junção de uma frágil infraestrutura e a emergência climática podem relegar à população.

As sucessivas temperaturas recordes vieram acompanhadas de uma das piores secas dos últimos 30 anos e de uma crise hídrica. O sistema de abastecimento da capital superpopulosa são 9 milhões de pessoas, 3 milhões a menos que na capital paulista não dá conta de atender a todos, e cortes no abastecimento de água viraram o cotidiano.

Em redes sociais, especialmente no TikTok, começou-se a alardear a chegada do "dia zero", a data em que a metrópole não poderá mais suprir a demanda de água. O governo e cientistas desmentiram a iminência desse dia. Mas como mitigar a preocupação de uma sociedade que se depara com esse panorama?

A administração de Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO, que em breve se despede da Presidência após um mandato de seis anos, anunciou recentemente que 48 pessoas morreram no país neste ano por fatores ligados ao calor extremo. Antes disso, cenas de mais de 160 macacos mortos por desidratação também semearam tristeza e alarde.

Com termos menos teatrais e mais científicos, a cientista Graciela de Raga, do Instituto de Ciências da Atmosfera e Mudança Climática da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México), diz que o atual cenário era uma tragédia anunciada.

O primeiro semestre do ano tradicionalmente é uma temporada sem chuvas nesta parte do México, e a passagem do El Niño potencializa isso. As ondas de calor, por sua vez, estão inquestionavelmente mais frequentes devido à ação humana. Mas não houve preparo do Estado.

"A falta de água é fruto da falta de previsão. Não encheram os tanques quando poderiam e deveriam ter feito isso", diz a cientista.

"O país já conhece suas previsões. Claramente não houve investimento em infraestrutura. Da nossa parte, dos cientistas, também pode ser que tenhamos sido pouco eficientes em comunicar o tamanho do problema, mas a verdade é que enfrentamos lobbies muito fortes."

Em uma região na qual já há problemas crônicos de água poluída, esse recurso foi, literalmente, esgotando-se.

Responsável por abastecer ao menos 20% da capital e da região metropolitana, o sistema Cutzamala de represas está com nível inferior a 30% de sua capacidade, menor número da história. A maior parte do abastecimento da região vem da água bombeada de aquíferos, onde residem outros problemas: sua poluição e a baixa estrutura para retirá-la.

A cientista atmosférica Graciela de Raga menciona ainda que um cenário como o atual contribui para a concentração dos poluentes na atmosfera, outro desafio para a saúde dos mexicanos.

O que vem sendo chamado de excesso de ozônio no céu da região metropolitana fez autoridades imporem rodízio de carros e recomendarem cancelamento de eventos ao ar livre das 13h às 19h.

O cenário preocupante se desenrola justamente em um momento no qual mexicanos são convocados a pensar em seu futuro nas eleições deste domingo (2), as maiores da história do país, e avaliar seu presente.

O país possui uma verba anual reservada para mitigar os efeitos da mudança climática. Para 2024, foram destinados 233 bilhões de pesos mexicanos (R$ 71 bi) para esse fim. É um aumento substancial, de mais de 180% em relação ao montante que foi destacado em 2018, ano no qual López Obrador assumiu o poder.

Mas quem estuda com lupa esse orçamento observa que a maior parte do dinheiro vai para fins bem diferentes do que seriam justificativas reais para desacelerar a mudança climática, diz Iván Benumea, coordenador do programa de justiça fiscal da organização Fundar.

Mais de 53% do dinheiro etiquetado no orçamento para mitigar a emergência climática vão para as mãos dos militares que operam a obra faraônica do chamado trem Maya, a menina dos olhos do governo de AMLO. O projeto atravessa a península de Yucatán, passando por Cancún.

A justificativa do governo para incluí-lo neste anexo do orçamento é o fato de se tratar de um transporte coletivo, que diminui a circulação de carros e, assim, a poluição. Ocorre que a própria construção do trem Maya foi marcada por denúncias de violações de regras ambientais e de territórios de populações tradicionais.

"Há uma omissão muito séria por parte do Estado, que acaba enviando mensagens equivocadas à cidadania", diz Benumea. "Apresenta-se a ideia de que o México gasta muito para combater um dos maiores problemas da humanidade, mas a verdade é que não."

 

Fonte: AFP/FolhaPress

 

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