quarta-feira, 17 de abril de 2024

Quando ser político na Alemanha representa risco de vida

Não é fácil ser prefeito e ter que enfrentar a ultradireita na Alemanha: consulta indica que mais de 40% já sofreram ofensas, ameaças ou até agressões. Mas o país está se armando para defender a democracia.

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A Alemanha conta quase 11 mil prefeitos, a maioria dos quais trabalhando em regime não remunerado. E o fato de serem o rosto da política in loco não impede que sofram constantemente agressões graves. Ao ponto de, em 11 de abril, o presidente Frank-Walter Steinmeier convocar mais de 80 líderes municipais honorários para escutar seus problemas e ansiedades.

O chefe de Estado alemão advertiu: "Quando prefeitos e conselheiros municipais não podem mais abordar certos temas sensíveis, quando fecham as próprias contas nas redes sociais ou até renunciam ao cargo ou mandato a fim de proteger sua família de hostilidades, quando indivíduos que gostariam de se candidatar desistem para não ser alvo de ódio, aí quem é democrata não pode simplesmente dar de ombros e aceitar."

Coorganizadora do encontro, a Fundação Köbler encomendou uma consulta representativa ao instituto de pesquisa de opinião Forsa. Ela revelou que 40% dos políticos locais ou pessoas próximas deles já foram ofendidos, ameaçados ou mesmo agredidos fisicamente devido a sua função. Por essas experiências, mais de um quarto dos prefeitos honorários indagados já considerou retirar-se da política, temendo pela própria segurança. Além disso, quase dois terços registram descontentamento e insatisfação crescentes entre os cidadãos de suas comunidades.

Para 35%, nos próximos anos o extremismo de direita será um grande desafio em sua cidade. Quase um quinto relata sobre o avanço de tendências antidemocráticas – no Leste essa proporção chega a um quarto. Esse resultado preocupa sobretudo em face das três eleições estaduais no território da antiga Alemanha comunista, em setembro.

·        Das ofensas ao assassinato

Em fevereiro, o social-democrata Michael Müller vivenciou de perto esse risco, em sua cidade natal, Waltershausen, no estado da Turíngia, quando alguém incendiou seu carro, e o fogo se espalhou para a fachada da casa. O político comunal havia fornecido abrigo a uma família com duas crianças, que felizmente pôde se salvar. Segundo a perícia, tratou-se uma tentativa de assassinato intencional, que agora está sob investigação policial.

Müller não acredita que foi acaso ele ter convocado, dias antes, uma manifestação contra o extremismo de direita. Tais agressões o preocupam seriamente, pois "muitos se perguntam se 'vale a pena sacrificar o meu tempo livre por essa sociedade que, em contrapartida, me ameaça?'" Ele teme que em algum momento "vai haver cada vez menos gente que sacrifica seu lazer e trabalha como conselheiro municipal, comunal, prefeito honorário": "Aí eles vão preferir fazer algo divertido com a família."

Uma pesquisa representativa realizada no âmbito da iniciativa Rede de Competência contra o Ódio na Rede confirma uma tendência semelhante nos debates dentro do espaço digital: quanto mais eles se brutalizam, mais internautas se retiram da discussão online.

A prefeita de Colônia, Henriette Reker, escapou por pouco da morte em 2015: um dia antes da eleição, um radical de direita fanático a esfaqueou na garganta. Andreas Hollstein, prefeito da cidadezinha de Altena, na Renânia do Norte-Vestfália, foi também apunhalado na garganta dois anos mais tarde, por um inimigo dos refugiados.

O assassinato do governador de Kassel Walter Lübcke, por um neonazista, abalou grande parte do país em 2019. Pouco a pouco chega ao grande público o que sofrem alguns políticos locais no exercício de seu cargo: forcas postadas em frente de casa, cadáveres de animais na caixa de correio, cartas de ódio em que se afirma saber onde os filhos estudam.

·        O motor da democracia não pode engasgar

Para aguentar, só estando tão convicta do próprio trabalho político quanto a prefeita da cidade de Zossen, em Brandemburgo, Wiebke Şahin-Schwarzweller. Já durante sua campanha eleitoral, em 2019, ela sofria ameaças: "Também o meu marido, que é de descendência turca, foi alvo de calúnias voltadas contra mim."

Porém a deputada liberal se defende, e tornou-se um dos políticos que desde 2018 o presidente Steinmeier consulta sobre o assunto. Pois, ao contrário das figuras de ponta, os representantes comunais não são devidamente protegidos por limusines blindadas, guarda-costas nem leis.

Por isso lutam para estar pelo menos bem conectados em rede e informados, a fim de poder se defender. Um dos endereços é o portal Stark im Amt (Fortes no cargo), que oferece suporte a políticos locais. Promotores, policiais e autoridades estão sensibilizados sobre o assunto.

Em março de 2022, o governo federal alemão apresentou dez medidas de um plano de ação contra o extremismo de direita, entre as quais consta a proteção de mandatários. Para tal, em meados de 2024 será criada uma nova central federal para os políticos comunais sob ameaça.

O responsável pela implementação é Marcus Kober, do Fórum Alemão para Prevenção Criminal (DFK), que explica: "Um primeiro passo muito importante é combater a sensação de estar sozinho para lidar com a situação." O segundo é esclarecer se se trata de um delito, qual órgão é responsável, e identificar as ofertas num sistema de assistência que hoje é bastante desenvolvido.

Kober está convicto de que os representantes comunais precisam urgentemente de proteção, pois são quem responde por todas as decisões nos níveis estadual ou federal. Para ele, trata-se do motor essencial do sistema democrático: quando ele engasga, a democracia está em perigo.

 

Ø  Ano eleitoral aumenta riscos de violência política, adverte Allianz

 

Quase metade da população mundial irá às urnas antes do final desse ano, em um ‘superciclo’ sem precedentes de eleições. De acordo com um novo relatório da Allianz Commercial, a segurança é uma preocupação em muitos territórios, não apenas devido à ameaça de agitação localizada, mas também por outras consequências relacionadas aos resultados das eleições como política externa, relações comerciais e cadeias de suprimentos.

A principal eleição ocorrerá nos Estados Unidos, em novembro, quando um resultado apertado pode inflamar tensões existentes. As eleições para o Parlamento Europeu, em junho, também podem aumentar as divisões, caso os partidos de extrema-direita ganhem votos e cadeiras. Como a agitação pode se espalhar mais rápida e amplamente, em grande parte graças às mídias sociais, os custos financeiros desses eventos para empresas e seguradoras podem aumentar.

Perdas econômicas e seguradas de apenas sete incidentes de agitação civil nos últimos anos custaram aproximadamente US13 bilhões. Com a ameaça do terrorismo também em ascensão, e a perspectiva de maior perturbação por parte de ativistas ambientais, as empresas enfrentarão desafios maiores nos próximos anos e precisarão antecipar e mitigar os riscos em conjunto com um planejamento robusto de continuidade dos negócios.

“Tantas eleições em um ano levantam preocupações sobre o aumento da polarização, com tensões e agitação civil intensificadas. A polarização e a agitação dentro das sociedades são alimentadas pelo medo. Elas minam a confiança nas instituições e desafiam o senso de um propósito comum, baseado em valores compartilhados”, diz Srdjan Todorovic, chefe de Soluções de Violência Política e Ambiente Hostil da Allianz Commercial. “No futuro, também esperamos ver uma maior agitação em torno de questões ambientais, não apenas por parte de ativistas, mas por aqueles que estão se opondo às políticas governamentais de mitigação do clima”.

·        Todos os olhos nas eleições dos EUA e União Europeia

A eleição presidencial nos Estados Unidos provavelmente será acirrada, com o resultado dependendo de cada estado. Uma pesquisa recente mostra que mais de um terço dos americanos acredita que a eleição do presidente Biden em 2020 não foi legítima. A desafeição generalizada entre os eleitores pode ser explorada pela desinformação criada pela inteligência artificial e disseminada por mídias sociais. Deepfakes, desinformação e imagens reaproveitadas, além de mensagens personalizadas, poderiam incitar a agitação ou influenciar partes pequenas, mas potencialmente decisivas, dos eleitorados.

Já na União Europeia, alguns especialistas acreditam que diversos estados podem se inclinar para a direita, principalmente para que partidos populistas ou de extrema-direita aumentem as cadeiras no parlamento. Qualquer sucesso desses partidos em toda a Europa poderia resultar em uma crescente oposição às políticas da UE sobre meio ambiente, imigração e direitos humanos.

“Os impactos de uma mudança política para a direita e mudanças subsequentes de políticas perduram muito tempo após o mandato de um partido político”, acrescenta Todorovic. “Eles mudam fundamentalmente as sociedades e as atitudes públicas, e fazem com que a próxima mudança eleitoral para o centro ou esquerda pareça drástica, criando o potencial para cisões e respostas potencialmente violentas daqueles que se sentem sub-representados por uma mudança de regime”.

David Colmenares Spence, diretor executivo da Allianz Commercial para a América Latina, acredita que as eleições de países latinos também não estão isentas do risco. “Nossa região não está isenta desses riscos. Pelo contrário, as eleições presidenciais que ocorrerão este ano no México, somadas à conjuntura vivida em países como Argentina e Colômbia, e as eleições municipais no Brasil apresentam um desafio importante para as instituições e a sociedade em geral. Para a indústria de seguros, nosso compromisso é continuar acompanhando e protegendo a vida e o capital de milhões de pessoas e empresas na América Latina, proporcionando segurança, confiança e suporte”.

·        Ativismo ambiental e ameaça terrorista devem aumentar

Entre 2022 e 2023, os incidentes de ativismo ambiental aumentaram cerca de 120%. Um exemplo impactante foi o ataque incendiário a um poste de eletricidade na Alemanha por um grupo extremista de esquerda. Isso suspendeu a produção em uma fábrica local da Tesla em março deste ano, levando a perdas econômicas estimadas em centenas de milhões de euros, de acordo com relatos. Além de protestos de alto perfil, há também uma tendência em direção ao uso de táticas mais direcionadas em indivíduos ou políticos. Existe a possibilidade de que os protestos ambientais possam se intensificar, alternando de atos de incômodo para atos criminosos maiores.

O número de mortes por terrorismo aumentou 22% em 2023, e chegou ao seu nível mais alto desde 2017, embora o número de incidentes tenha diminuído. O grande ataque terrorista em Moscou, em março, é um lembrete de que o risco de terrorismo motivado política ou religiosamente está de volta à agenda global, e que as perdas podem ser catastróficas. O principal motor do terrorismo islâmico é a radicalização de perpetradores locais, atualmente alimentada pela guerra entre Israel e Hamas, o que leva a um aumento dos riscos nos Estados Unidos e na Europa. No entanto, as políticas externas governamentais também são grandes impulsionadoras de risco, como prova o ataque em Moscou.

 

Fonte: Deutsche Welle/Revista Apolice

 

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