terça-feira, 16 de abril de 2024

Lluís Bassets: Incógnitas de uma escalada histórica

Desta vez é um ataque direto , o primeiro desde a revolução Khomeinista. Não há dúvidas de que também será respondida por outro ataque direto de Israel contra o território iraniano. O Oriente Médio, em plena guerra desde o passado dia 7 de outubro, acaba de entrar numa nova e inusitada fase de guerra aberta e direta entre duas potências inimigas que se atacaram duramente em numerosas ocasiões, sempre através de agentes ou ataques indiretos.

Até agora, a guerra estava encapsulada em Gaza, com ramificações ainda limitadas na troca de foguetes na fronteira com o Líbano e na costa do Iêmen. Os esforços de Washington têm sido enormes para impedir a sua extensão regional, ao mesmo tempo que tenta moderar o Governo de Netanyahu na sua guerra contra o Hamas. A maior preocupação centrou-se na República Islâmica do Irã, o coração do eixo de resistência a Israel e patrocinador de todas as guerras por procuração contra o Estado Sionista, através do Hamas em Gaza, do Hezbollah no Líbano ou dos Houthis no Iemen.

As forças de polarização de ambos os lados foram mais fortes e conseguiram finalmente fazer com que o Irã abrisse a caixa de Pandora com o lançamento de mais de 300 drones e mísseis contra o território israelense, num ataque coordenado com o Hezbollah e os Houthis. Muito em breve começaram as primeiras interceptações de mísseis pelas forças aéreas aliadas de Israel, dos Estados Unidos e do Reino Unido, às quais se seguiram os dispositivos Iron Dome.

guerra é o território do acaso e da incerteza. Desde os primeiros compassos é necessário tentar orientar-se no meio do nevoeiro que o caracteriza. Assim que eclodem as hostilidades, a única segurança é a escalada, o leilão de violência em que os contendores estão envolvidos, dispostos a responder a cada ataque com outro ataque de maior intensidade. O resto é território de confusão e até de notícias falsas, que é o que caracteriza as primeiras etapas do violento confronto aberto entre duas potências militares dispostas a arrancar os olhos uma da outra.

A capacidade agressiva do Irã e a resposta destrutiva de Israel serão em breve visíveis. Ao revelar-se invulnerável graças aos seus sistemas de defesa, Israel obtém uma primeira vitória de enorme significado. É praticamente impossível que o Irã consiga algo equivalente, dada a desproporção de forças e sobretudo de tecnologia, contando também com a participação das forças aliadas. A destruição e os objetivos alcançados por Israel no Irã também terão um enorme significado no que diz respeito ao futuro desenvolvimento da guerra.

O perigo contido na vontade agressiva de ambos os contendores é máximo, expresso no ataque de Israel ao consulado iraniano em Damasco , onde morreram sete figuras proeminentes da Guarda Revolucionária Iraniana, e nesta resposta direta de uma potência habituada a respostas por procuração. É o motor fundamental da dinâmica de escalada, difícil de controlar, mesmo quando os contendores o querem, devido ao carácter expansivo de uma disputa que compromete outros países.

Nisto, desenha-se um eixo militar que vai além mesmo da região, em que o Irã se alinha com a Rússia e a Coreia do Norte contra Israel, os Estados Unidos e numerosos países ocidentais, quase todos da UE e da OTAN, com poucas exceções e certamente muitas nuances. São aqueles que surgem de uma contradição que afeta plenamente Washington, um defensor radical da existência e da segurança de Israel, mas ao mesmo tempo farto das provocações de Benjamin Netanyahu. A trégua em Gaza, a troca de reféns e o caminho para a paz, que já parecia remoto, estão a desaparecer do horizonte.

 

Ø  O problema do antissemitismo atual. Por Andrea Zhok

 

Nos últimos dias, voltou-se a falar intensamente sobre antissemitismo por ocasião de algumas manifestações simbólicas (danos em lápides, estrelas de David pintadas nas paredes etc.) que recordam precedentes históricos obscuros.

Ora, que o antissemitismo é uma aberração humana – na melhor das hipóteses uma estupidez, na pior das hipóteses um crime – é certo, sem nenhuma sombra de dúvida. O antissemitismo é uma variante do racismo e é condenável pelas mesmas razões pelas quais todo racismo deve ser condenado: como uma visão que generaliza um julgamento moral negativo, estendendo-o a todos os membros de um grupo étnico-racial, como tal.

Os julgamentos morais são, e podem legitimamente ser, apenas julgamentos sobre atos e pessoas específicas. Quando são formulados julgamentos morais negativos sobre grupos, uma atribuição negativa (presumida ou real) é estendida a todos os membros do grupo, poupando o esforço de avaliar se isso é aplicável aos indivíduos que dele fazem parte.

Se agora nos perguntarmos quais são as razões para as ostensivas recorrências antissemitas contemporâneas, a primeira coisa que devemos notar é como hoje faltam as motivações que nos períodos mais sombrios do antissemitismo do século XX formavam a espinha dorsal daqueles preconceitos.

nazismo se nutria de uma concepção biológico-racial que lhe permitia saltar com facilidade das culpas do indivíduo para as do grupo: a ideia era que o “mal” estivesse nas “disposições naturais da raça”. Hoje, porém, esta visão está essencialmente extinta e não acredito que, desde a Segunda Guerra Mundial, tenha sido reivindicada por ninguém (casos psiquiátricos a parte).

Isto significa que, quando hoje falamos de antissemitismo, devemos considerar que não pode ser exatamente a mesma coisa daquilo que para nós é a imagem arquetípica do antissemitismo, quer dizer, a história da perseguição judaica na Europa entre 1935 e 1945.

Se quisermos falar de antissemitismo hoje, devemos falar de um antissemitismo étnico-político e não de um étnico-racial, no qual a questão histórica do Estado de Israel desempenha um papel muito significativo, se não totalizante. E, no entanto, parece claro que aqui está mais uma vez em ação aquele pernicioso paradigma da generalização, segundo o qual um indivíduo é julgado de uma maneira moralmente negativa simplesmente porque pertence a um grupo. Assim, um judeu que não tem nada a ver com o Estado de Israel pode ver-se envolvido em um julgamento desdenhoso, por extensão, a partir de um julgamento em relação às políticas de Israel.

Quando isto acontece estamos diante de um verdadeiro exemplo de antissemitismo.

A questão, porém, agora é: quem fomenta esta identificação forfetária de Israel, e especificamente das escolhas da sua classe política, com o judaísmo em geral? E a resposta aqui, acredito, é bastante clara. O primeiro culpado desta identificação forfetária e acrítica entre o judaísmo e o Estado de Israel é o Estado de Israel.

Isso pode ser notado em vários exemplos. Em primeiro lugar, é a classe política israelense que tem continuado, constantemente, desde 1948 até hoje, a qualificar qualquer crítica internacional às suas políticas como antissemitismo. Dado que Israel viola constantemente inúmeras resoluções internacionais, especificamente no que diz respeito ao tratamento que dispensa às populações autóctones (palestinas), a reiterada e infalível resposta a muitos que defenderam a causa palestina nos últimos 80 anos foi de acusá-los de antissemitismo. Se você desaprova a Nakba, significa que você aplaude a Shoah. Simples assim.

A acusação de antissemitismo não é uma acusação qualquer no mundo ocidental, nascida dos escombros da Segunda Guerra Mundial: trata-se de uma acusação que dá continuidade ao nazismo e, portanto, ao que é considerado “mal absoluto”. É uma acusação que em muitos países corresponde a uma acusação criminal. É uma acusação que deslegitima completamente o interlocutor, que lhe declara guerra (não se pode, de jeito nenhum, discutir com alguém que, por definição, só quer o seu extermínio, certo?).

Este reflexo condicionado está associado a outra carta, simétrica e muito perigosa, nomeadamente o “vitimismo histórico”. Vimos, nestes dias, esta carta ser jogada da maneira mais óbvia quando, nos mesmos dias em que o exército israelense matava entre 300 e 400 civis por dia, seus representantes na ONU achavam melhor apresentar-se com a Estrela amarela de David presa no paletó. Como disse o presidente do Yad Vashem (instituição responsável pela memória do Holocausto), este gesto “desonra as vítimas do Holocausto”.

E, naturalmente, o mundo inteiro notou imediatamente este escândalo (ok, salvo aqueles que ainda engolem o ácido lisérgico das dançarinas norte-americanas nos nossos meios de comunicação).

O papel vitimista é o mais constantemente utilizado como arma de propaganda e de pressão diplomática pelo governo de Israel desde seu nascimento. Para o embaixador da ONU, Gilad Erdan, pareceu perfeitamente normal, e consoante a uma tradição consolidada, apresentar-se como herdeiro direto dos erros de quatro gerações atrás.

Como é claro, o que está implícito nesta visão é a ideia de uma identificação étnica que transcende o tempo e o espaço, e que tornaria o atual governo israelense em dívida com o mundo no qual Anne Frank ou Primo Levi sofreram. O fato de se sentir vítima, de se colocar como credor da história, aparentemente justifica todas as vinganças, inclusive as 3500 crianças massacradas em 20 dias.

Livre de outras considerações, o que sempre nos deixa curiosos nesta atitude é a escolha dos objetos sobre os quais descarregar a própria fúria vingativa. Afinal de contas, se o embaixador Gilad Erdan, ou primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, ou o ministro Galant estão tão firmemente convencidos da herdabilidade histórica de culpas e méritos, dívidas e créditos, não está claro por que ainda não tenham declarado guerra à Alemanha, pedindo um “lar nacional” na Baviera, em vez de culpar dois milhões de pessoas famintas na Palestina.

Uma observação final sobre esta tendência à generalização dos méritos e das culpas, dívidas e créditos históricos, deve ser feita em relação ao que acontece na Palestina, onde a ideia de culpa (e punição) coletiva é tida como absolutamente garantida pelo governo israelense. A ideia de punição coletiva está presente desde a década de 1970 com a destruição de casas de famílias palestinas suspeitas de atividades anti-israelenses, bem como em milhares de outros casos, mas nos últimos dias ouvimos isso repetidas vezes aos mais altos níveis (ex-embaixadores, membros do Knesset, ministros) com a declaração de que “não há civis inocentes em Gaza”.

Agora, infelizmente, a ideia de culpas e de méritos coletivos baseada na pertença a um grupo étnico é o que Israel tem de modo contínuo reivindicado em seu próprio benefício, mas, lamentavelmente, é, com rigor e precisão, a mesma operação que, quando revertida, se encarna no antissemitismo.

Simplificando, o principal combustível do antissemitismo de hoje, muito diferente do antissemitismo racial de um século atrás, é precisamente a atitude cultural de Israel, que raciocina sistematicamente de modo a propor uma identificação entre as próprias políticas – mesmo as mais inqualificáveis – e a identidade judaica.

Felizmente, há muitos judeus no mundo que continuam a contestar lucidamente o projeto sionista e as violências que ele provocou. Vimo-los, nos últimos dias, protestar em Nova York, mas também em Jerusalém.

Talvez todos aqueles meios de comunicação que sempre falam sobre o espectro do antissemitismo prestassem um serviço à verdadeira luta contra o antissemitismo, dando um pouco mais de voz a estes judeus e um pouco menos a um governo genocida.

 

Ø  Papa: paremos a guerra no Oriente Médio, as crianças precisam de lares e não de sepulturas

 

Um novo apelo para silenciar as armas, mais um triste clamor de repúdio à guerra, sempre com o olhar voltado para as vítimas em todo o Oriente Médio, de Israel a Gaza, da Síria ao Líbano. Francisco pede paz em sua mensagem para o fim do Ramadã, o mês sagrado do jejum islâmico, enviada à rede de televisão Al Arabiya.

“Estou angustiado com o conflito na Palestina e em Israel: cessem o fogo imediatamente na Faixa de Gaza, onde uma catástrofe humanitária está em andamento; que a ajuda chegue para a população palestina que está sofrendo tanto; que os reféns sequestrados em outubro sejam libertos! E penso na martirizada Síria, no Líbano, em todo o Oriente Médio: não deixemos que as chamas do rancor se alastrem, impulsionadas pelos ventos mortais da corrida armamentista! Não permitamos que a guerra se estenda! Detenhamos a inércia do mal!”

·        A guerra é um caminho sem direção

A recorrência do Ramadã, que coincidiu com a celebração da Páscoa cristã, como lembra o Papa em sua mensagem, "confronta-se fortemente com a tristeza pelo sangue que corre nas terras abençoadas do Oriente Médio". Francisco, portanto, pede que superemos a escuridão do ódio, envolvendo-nos com a luz da vida.

“Deus é paz e quer a paz. Quem acredita Nele não pode deixar de repudiar a guerra, que não resolve, mas aumenta o conflito. A guerra, não me canso de repetir, é sempre e somente uma derrota: é um caminho sem direção; não abre perspectivas, mas extingue a esperança.”

·        As crianças precisam de lares, não de túmulos

O Papa faz-se porta-voz do desejo de paz das famílias, dos jovens, dos trabalhadores, dos idosos, das crianças, pensando em suas lágrimas quando dizem basta à guerra:

“Basta! - Eu também repito - para aqueles que têm a grave responsabilidade de governar as nações: basta, pare! Por favor, parem com o barulho das armas e pensem nas crianças, em todas as crianças, como se fossem seus próprios filhos. Vamos todos olhar para o futuro com os olhos das crianças. Elas não perguntam quem é o inimigo a ser destruído, mas quem são os amigos com quem brincar; elas precisam de casas, parques e escolas, não de túmulos e covas!

·        O apelo em favor dos cristãos do Oriente Médio

Assim como os desertos podem florescer na natureza, isso também pode acontecer no coração e na vida das pessoas e dos povos, afirma o Papa na conclusão do texto:

“Os brotos de esperança só germinarão dos desertos do ódio se soubermos como crescer juntos, lado a lado; se soubermos como respeitar as crenças dos outros; se soubermos como reconhecer o direito de cada povo de existir e o direito de cada povo de ter um Estado; se soubermos como viver em paz sem demonizar ninguém”

Francisco finaliza sua mensagem com um abraço aos cristãos que, "em meio a não poucas dificuldades", vivem no Oriente Médio, pedindo "que eles tenham sempre e em todos os lugares, o direito e a possibilidade de professar livremente sua fé, que fala de paz e fraternidade".

¨      Guerra na Terra Santa, o Papa: sem os dois Estados, a verdadeira paz permanece distante

"Havia o acordo de Oslo, muito claro, com a solução de dois Estados. Enquanto esse acordo não for aplicado, a verdadeira paz permanece distante." Esta é a consideração sobre o que está acontecendo na Terra Santa, depois dos ataques do Hamas e da guerra que destrói as cidades da Faixa de Gaza, que o Papa Francisco confia a Domenico Agasso, vaticanista do jornal La Stampa, na entrevista hoje nas bancas. Francisco, falando dos numerosos conflitos em curso, convida a rezar pela paz, indica o diálogo como único caminho e pede para “parar imediatamente as bombas e os mísseis, pôr fim às atitudes hostis. Em todos os lugares”, um “cessar-fogo global” porque “estamos à beira do abismo”.

>>> Esperanças para a Terra Santa e a Ucrânia

O Papa explica a sua contrariedade em definir uma guerra como “justa”, preferindo dizer que é legítimo defender-se, mas evitando “justificar as guerras, que são sempre erradas”. Afirma temer uma escalada militar mas que cultiva alguma esperança "porque estão sendo realizadas reuniões reservadas para tentar chegar a um acordo. Uma trégua já seria um bom resultado." Francisco define o cardeal Pizzaballa como “uma figura crucial”, que “se movimenta bem” e procura fazer uma mediação, recorda de diariamente fazer uma videochamada para a paróquia de Gaza e afirma também que “a libertação dos reféns israelenses” é uma prioridade. No que diz respeito à Ucrânia, na entrevista o Sucessor de Pedro recorda a missão ao cardeal Zuppi: "A Santa Sé está tentando mediar a troca de prisioneiros e o retorno dos civis ucranianos. Em particular, estamos trabalhando com a Sra. Maria Lvova-Belova, a comissária russa para os direitos da infância, para o repatriamento de crianças ucranianas levadas à força para a Rússia. Alguma já voltou para sua família".

·        Fiducia supplicans deseja incluir

Na entrevista, Francisco recorda que "Cristo chama todos para dentro" e referindo-se à declaração que permite bênçãos para casais irregulares e do mesmo sexo, explica: "O Evangelho é para santificar a todos. Claro, desde que exista boa vontade. E é necessário dar instruções precisas sobre a vida cristã (sublinho que não se abençoa a união, mas as pessoas). Mas pecadores somos todos: por que então fazer uma lista de pecadores que podem entrar na Igreja e uma lista de pecadores que não podem estar na Igreja? Este não é o Evangelho."

No que diz respeito às críticas ao documento, o Papa observa que " aqueles que protestam veementemente pertencem a pequenos grupos ideológicos", enquanto define o dos africanos como "um caso à parte", dado que "para eles, a homossexualidade é algo 'ruim' do ponto de vista cultural, não a toleram". Mas no geral, "confio que gradualmente todos se tranquilizem em relação ao espírito da declaração" que "visa incluir, não dividir. Convida a acolher e depois confiar as pessoas e confiar-nos a Deus”. Francisco admite que às vezes se sente sozinho, “mas de qualquer forma sigo em frente, dia após dia” e diz não temer cismas: “Na Igreja sempre houve grupinhos que manifestavam reflexões de nuances cismáticas... devemos deixá-los fazer e passar... e olhar em frente".

·        Inteligência artificial, oportunidades e perigos

O Papa aborda então o tema de sua recente mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, dedicado à inteligência artificial, que ele define como "um belo passo à frente que pode resolver muitos problemas, mas que potencialmente, se administrado sem ética, também pode provocar muitos danos ao homem". O objetivo é que ela "esteja sempre em harmonia com a dignidade da pessoa", caso contrário "será um suicídio".

 

Fonte: El País/A Terra é Redonda/Vatican Media

 

Nenhum comentário: