quarta-feira, 17 de abril de 2024

Governo pede que CNJ defina critérios para saída de presos após nova lei

A AGU (Advocacia-Geral da União) e o Ministério da Justiça pediram ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), nesta segunda-feira (15), que o órgão estabeleça critérios sobre a saída temporária de presos no semiaberto.

O governo quer evitar insegurança jurídica. A AGU e o ministério acreditam que a sanção da nova lei sobre "saidinhas', que revogou uma norma que fixava critérios para a saída temporária, pode levar à divergência nos critérios para concessão do benefício entre as instâncias do Judiciário.

A solicitação também pede que o CNJ defina os critérios para a realização do exame criminológico. O procedimento é necessário para a progressão de regime.

A AGU e o Ministério da Justiça esperam que o CNJ estaleça um prazo razoável para a realização do exame. Também deverão ser definidas as consequências para eventuais atrasos na realização do exame.

SAIDINHAS

O presidente Lula (PT) manteve "98%" do projeto apresentado pelo Congresso sobre as saidinhas, segundo o ministro Paulo Pimenta. O chefe da Secretaria de Comunicação divulgou esclarecimento após críticas de bolsonaristas pelo veto parcial do presidente.

Lula vetou apenas um trecho do projeto, em sanção publicada no último dia 11. O ministro reforçou que quem cometeu assassinato, latrocínio, estupro, tráfico de drogas, roubo à mão armada, pedofilia e qualquer outro crime hediondo ou violento não terá direito à saída temporária.

Em seu veto, o presidente permitiu que presos em regime semiaberto tenham direito a deixar a prisão em datas comemorativas para visitar familiares, sempre com tornozeleira eletrônica. "Poderá sair depois da avaliação do juiz quem não cometeu crime violento, tem bom comportamento, está em regime semiaberto, passou no exame criminológico e apenas para ver a família em datas especiais, como Páscoa e Natal, com tornozeleira eletrônica", enfatizou Pimenta.

 

       Conselho sugere manutenção da saidinha de presos em meio a debate sobre constitucionalidade

 

 O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária aprovou nesta segunda-feira (15) uma nota técnica para sugerir a manutenção do veto ao projeto que acaba com as saídas temporárias de presos. O documento será encaminhado ao Congresso.

A tendência é que o Congresso derrube o veto do presidente Lula (PT), o que reestabeleceria restrições para que presos possam visitar a família em datas comemorativas.

De acordo com o conselho e especialistas, a proibição desse benefício pode ser considerada inconstitucional, e a discussão pode chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal).

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, sendo responsável por supervisionar e inspecionar estabelecimentos penais, além de emitir pareceres e recomendações sobre normas, projetos e questões relacionadas ao sistema penal e penitenciário.

O conselho também pode propor medidas legislativas ou administrativas para a eficaz execução da política criminal e penitenciária, visando garantir a eficiência do sistema penal, o respeito aos direitos dos detentos, a segurança pública e a reinserção social dos condenados.

Segundo o conselho, a saída temporária está inserida na lógica de progressividade do sistema prisional e consiste em um instrumento de reinserção gradual das pessoas privadas de liberdade em seus núcleos familiares e na sociedade.

"A extinção da saída temporária para visita à família ou para participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, nos moldes aprovados pelo parlamento, contraria a essência da estrutura do sistema punitivo brasileiro, que se utiliza da progressividade da pena como instrumento de retomada do indivíduo perante a sociedade", diz o documento do conselho.

O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública), ao anunciar que o presidente Lula vetaria a proibição das saidinhas, disse que isso atenta contra valores fundamentais da Constituição.

"Entendemos que a proibição de visita às famílias dos presos que já se encontram no regime semiaberto atenta contra valores fundamentais da Constituição, como o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da individualização da pena e a obrigação do Estado de proteger a família", disse Lewandowski, na ocasião.

O advogado Leonardo da Rocha de Souza, do escritório Rocha & Coelho Advogados, afirma que, se o Congresso derrubar o veto e eventualmente qualquer entidade legítima entrar com ação direta de inconstitucionalidade no STF, a Corte poderá declarar a norma inconstitucional.

Souza diz que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República e não pode ser enfraquecido por uma legislação infraconstitucional, ou seja, inferior à Constituição.

"Já houve alterações legislativas consideradas inconstitucionais pelo STF, como a impossibilidade de regime diverso do fechado na legislação de drogas de 2006. Portanto, essa legislação está fadada ao mesmo destino", disse.

Saulo Stefanone Alle, doutor em Direito Internacional pela USP, mencionou que um documento das Nações Unidas sobre as regras mínimas para o tratamento de presos destaca que o objetivo das penas é a reinserção do indivíduo na sociedade.

"[Caso o veto seja derrubado pelo Congresso] essa questão pode chegar ao STF por frustrar o sistema constitucional de promoção da dignidade humana, além de ser uma medida populista que desconsidera todos os estudos próprios da ciência criminal a esse respeito", afirmou.

PRAZO DA SAIDINHA

Para Souza, ao vetar apenas o ponto que proibia a saidinha temporária para visitas familiares, o governo federal criou um problema na legislação. Isso porque, por não haver mais saídas temporárias, a nova lei também suprimiu o prazo máximo de sete dias para esse benefício. No entanto, após o veto a proibição da saidinha, esse ponto continua suprimido e, agora os juízes podem conceder o tempo de visita que considerarem adequado.

"A nova lei revogou um artigo que estabelecia um prazo máximo para a saída temporária, e esse ponto permaneceu após o veto. Isso vai gerar um problema porque cada juiz pode agora conceder o prazo que julgar conveniente, enquanto a lei originalmente especificava claramente sete dias", explicou Souza.

Em um documento enviado ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o governo federal solicitou que o órgão regulamente o tempo da saída temporária de presos do regime semiaberto.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a nova lei da saidinha não deve impactar presos condenados por crimes que não faziam parte da lista de restrições antes de o novo texto entrar em vigor. Pela nova norma, além dos crimes hediondos, ficam vedadas saidinhas para condenados por crimes com emprego de violência ou grave ameaça.

Enquanto o país discute a saidinha temporária, o sistema prisional brasileira acumula uma série de outros problemas, como mostrou uma série de reportagens da Folha de S.Paulo em dezembro do ano passado.

Segundo o conselho, não há dúvida de que eventual derrubada do veto impactará nas já precárias condições em que se encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros.

"A extinção proposta pelo projeto de lei eliminará uma medida destinada a minorar os efeitos do cárcere e contribuirá para o agravamento da superlotação que tantos problemas gera", diz o documento.

Sétimo país no mundo em número de habitantes, o Brasil tem a terceira maior população carcerária, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, e acrescenta-se aos demais problemas a superlotação -há um déficit de mais de 162 mil vagas.

Precariedade, superlotação, violência, medo, doenças e mortes se misturam a esse contingente de mais de 600 mil detentos no Brasil.

Cerca de 17 mil pessoas morreram nos presídios brasileiros nos últimos dez anos, sendo que ao menos parte desses óbitos poderia ter sido evitada, de acordo com especialistas.

Além disso, a contaminação do sistema penitenciário brasileiro pelas facções criminosas tem crescido e está presente em todas as unidades da federação, com destaque para o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho). Isso se tornou uma das principais preocupações das autoridades estaduais, mesmo em uma conjuntura de disseminação de grupos organizados. Documento do Ministério da Justiça e Segurança Pública aponta que 70 facções criminosas operam nas cadeias.

Uma das lacunas apontadas por estudiosos é a ausência de políticas voltadas para os egressos. Intitulado de "O funil de investimentos da Segurança Pública e prisional no Brasil em 2022", estudo do centro de pesquisa Justa mostra que, a cada R$ 4.389 gastos com as polícias, são investidos R$ 1.050 no sistema penitenciário e apenas R$ 1 em políticas para egressos.

 

Fonte: FolhaPress

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