quarta-feira, 17 de abril de 2024

Quem ganha e quem perde com agravamento da crise no Oriente Médio

“Um empate a favor do Irã”. É assim que alguns analistas descrevem o primeiro ataque iraniano em solo israelense.

Na noite de sábado (13/4), Teerã lançou mais de 300 drones e mísseis contra Israel, segundo o exército de Israel.

O exército iraniano anunciou que a enxurrada foi "em resposta ao ataque ao consulado iraniano em Damasco e atingiu todos os seus objetivos".

O Irã tinha ameaçado dar uma resposta dura ao que disse ser um ataque aéreo de Israel ao seu consulado na capital síria, Damasco, no dia 1º de abril, quando sete membros da Guarda Revolucionária Iraniana e seis cidadãos sírios foram mortos.

Israel não confirmou a autoria do ataque, mas muitos acreditam que o país esteja por trás.

·        Ganhos e perdas

O Irã considerou o ataque a Israel um sucesso.

Mas, segundo o pesquisador iraniano e diretor do Centro de Estudos Árabe-Iranianos, com sede em Londres, Ali Nouri Zadeh, a ofensiva não rendeu pontos ao Irã. Ele diz que, pelo contrário, revelou fraqueza no regime iraniano ao não atingir nenhum alvo dentro de Israel.

Para algumas pessoas no Irã, isso expôs o país ao ridículo.

Zadeh acredita que se o Irã tivesse continuado alimentando o que chama de “guerra psicológica”, teria conseguido muito mais.

Por outro lado, Eric Rundtski, pesquisador de Estudos do Oriente Médio no Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv, diz que Israel perdeu ao declarar um estado de alerta elevado. Ele diz que isso gerou ansiedade entre os israelenses e muitos temem uma nova onda de ataques.

Mas diz que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, agora se sente mais poderoso. O ataque ajudou a restabelecer relações fortes com os Estados Unidos e outros países ocidentais, após um período de críticas pesadas.

O pesquisador israelense diz, no entanto, que o país perdeu de outras formas.

Para ele, a ofensiva demonstrou uma falha de Israel em reconhecer a dinâmica de poder do Oriente Médio e em sua incapacidade de impedir o Irã de atacar dentro das suas fronteiras.

·        Voltando ao 'abraço' de outros países

O pesquisador israelense Eric Rundtski também acredita que o ataque do Irã traz ganhos a Israel. E diz que pode servir como um ponto de virada, politicamente, já que Israel desfruta, no momento, e pela primeira vez em meses, do apoio ocidental.

Ele diz que Israel poderia voltar ao “abraço” destes países, especialmente dos EUA, depois de uma tensão sem precedentes nas relações.

Em contraste, o pesquisador iraniano Ali Nouri Zadeh acredita que Teerã perdeu politicamente, interna e externamente. Zadeh diz que o Irã perdeu o apoio dos países vizinhos e também não recebeu apoio de nenhum país. E sublinha que há tentativas de alguns setores de arrastar o Irã para uma guerra direta com os Estados Unidos.

Os dois pesquisadores reconhecem pressões internas sobre ambos os países.

Rundtski diz que há grande preocupação dentro de Israel. Há uma irritação crescente motivada por questões políticas internas, além da guerra, exacerbada pela ausência de progressos recentes na libertação dos reféns ainda mantidos em Gaza.

Zadeh também acredita que o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, enfrenta uma pressão intensa, não apenas nas ruas, mas também por parte de figuras proeminentes do seu regime.

“Há pressão da Guarda [Revolucionária Iraniana] após o assassinato de sete líderes das Brigadas al-Quds por Israel, pois a Guarda está exigindo vingança.”

·        'Uma mensagem com fogo'

O general libanês reformado Hisham Jaber – especialista estratégico e militar e diretor do Centro de Estudos Estratégicos do Oriente Médio em Beirute – disse à BBC News Arabic que “a surpresa com relação ao ataque é que ele não foi surpreendente”.

Ele diz que isto se deve ao fato de duas semanas de “guerra psicológica” terem culminado no ataque aéreo, enquanto Israel estava em “modo de pânico”.

Segundo ele, isso causou danos psicológicos e materiais, a instalações, e fazendo muitos cidadãos israelenses deixarem suas casas.

Jaber descreve a “operação” do Irã como uma “mensagem com fogo”, feita para demonstrar sua capacidade de entrar com profundidade em Israel e testar a prontidão das defesas aéreas israelenses.

Ele também acredita que o ataque permitiu ao Irã recuperar um pouco do prestígio político perdido nos últimos anos, ao seguir o que chama de "política de paciência estratégica", ao mesmo tempo em que o país se beneficiou militar e estrategicamente.

O especialista militar libanês também acredita que o Irã lançou essa enorme quantidade de drones para confundir as defesas aéreas israelenses. Ele ressalta que o Domo de Ferro de Israel não conseguiu sozinho interceptar todos os mísseis e precisou da ajuda das forças dos EUA e da Grã-Bretanha estacionadas em bases no Oriente Médio.

“Se Israel escolher uma resposta militar”, diz Jaber, “pode atingir o continente iraniano com seus mísseis, mas não pode ir mais fundo devido à dura resposta iraniana esperada”.

E acrescenta: “Os aviões israelenses podem bombardear o Irã com precisão, mas precisariam sobrevoar os países árabes – algo que o Irã já alertou contra – ou fazer lançamentos a partir de bases militares dos EUA na região, o que os EUA podem não permitir”.

·        Mudar o rumo e recuperar a confiança

Fawaz Gerges, professor de Relações Internacionais na London School of Economics, considera que Israel ganhou mais que o Irã com os ataques de 1 a de abril.

Eles não causaram danos significativos ou vítimas em Israel, e agora todo o Ocidente apoia o país. E diz que os EUA estão tentando mobilizar o apoio ocidental para Israel em termos de armas, cooperação de inteligência e apoio financeiro.

Gerges diz ainda que o presidente dos EUA, Joe Biden, retrata o país como vítima, ao pedir uma reunião urgente dos países do G7 para mobilizar apoio a Israel. "Netanyahu ganhará politicamente depois de desviar a atenção, mesmo que temporariamente, dos acontecimentos catastróficos e hediondos que ocorrem em em Gaza", acrescenta Gerges.

E ressalta que Netanyahu se beneficiará com o restabelecimento das relações com o Ocidente, especialmente com o presidente americano, Joe Biden, após um período em que os países ocidentais criticaram fortemente o país pelo que ele chama de “atrocidades” em Gaza.

·        'Perda estratégica para Israel'

Mas Gerges também vê um lado negativo para Israel, afirmando que o ataque representa uma perda estratégica, que realça a vulnerabilidade do país.

E acrescenta que o Irã ganha politicamente ao mostrar claramente a seu povo, aliados e inimigos a vontade de confrontar Israel.

Gerges acredita que o Irã provou que Israel não consegue se defender sozinho, sem a ajuda dos seus aliados ocidentais, já que os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França e a Jordânia abateram muitos dos mísseis do Irã.

Ele diz que o principal objetivo de Israel em seus repetidos ataques contra o Irã, recentemente, foi mostrar que o Irã é fraco e não se atreve a ir para o confronto. Mas os ataques de 1º de abril abalaram essa visão, segundo ele.

“A região está agora no centro da tempestade”, diz Gerges, com ambos os países prometendo uma escalada.

Ele alerta que a região está no limite político, militar e econômico.

 

Ø  Por que o Irã atacou Israel? 6 questões para entender a crise

 

O Irã lançou drones e mísseis contra Israel no sábado (13/4), depois de prometer uma retaliação pelo ataque mortal ao seu consulado em Damasco, capital da Síria.

Israel não assumiu a autoria do ataque ao consulado, mas acredita-se que esteja por trás dele.

Esta é a primeira vez que o Irã ataca diretamente Israel.

Até então, Israel e o Irã travavam uma "guerra nas sombras" que durou anos — atacando ativos um do outro sem admitir responsabilidade.

Estes ataques aumentaram consideravelmente durante a atual guerra em Gaza, desencadeada pelo ataque do grupo palestino Hamas a Israel, em outubro do ano passado.

Entenda a crise em seis pontos.

·        Por que Israel e Irã são inimigos?

Os dois países foram aliados até a Revolução Islâmica de 1979 no Irã, que deu origem a um regime que utilizou a oposição a Israel como parte fundamental da sua ideologia.

O Irã não reconhece o direito de existência de Israel e quer sua erradicação.

O líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, já havia chamado Israel de "tumor cancerígeno" que "sem dúvida vai ser extirpado e destruído".

Israel acredita que o Irã representa uma ameaça à sua existência, como evidenciado pela retórica de Teerã e pela formação de forças que agem "por procuração" e juraram destruir Israel.

Também estão nesta lista o financiamento e armamento de grupos palestinos pelo Irã, incluindo o Hamas e o grupo xiita libanês Hezbollah.

E o que Israel acredita ser uma busca secreta do Irã por armas nucleares, embora o Irã negue que esteja tentando construir uma bomba nuclear.

·        Irã queria vingança após ataque a consulado

O Irã afirma que o bombardeio da noite de sábado contra Israel é uma resposta ao ataque aéreo de 1º de abril contra o prédio do consulado iraniano na capital síria, que matou altos comandantes iranianos.

O Irã culpa Israel pelo ataque aéreo, que considera uma violação da sua soberania.

Israel não disse que realizou o ataque, mas presume-se que tenha realizado.

Treze pessoas foram mortas, incluindo o general Mohammad Reza Zahedi – um alto comandante das Forças Quds, o braço de relações exteriores do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês). Ele foi uma figura essencial na operação iraniana para armar o grupo libanês Hezbollah.

O ataque ao consulado seguiu um padrão de ataque aéreo contra alvos iranianos amplamente atribuído a Israel. Vários altos comandantes do IRGC foram mortos em ataques aéreos na Síria nos últimos meses.

O IRGC envia armas e equipamentos, incluindo mísseis de alta precisão, pela Síria para o Hezbollah. Israel está tentando impedir estas remessas, assim como que o Irã reforce sua presença militar na Síria.

·        Quem são os aliados do Irã?

O Irã construiu uma rede de aliados e forças "por procuração" no Oriente Médio que diz fazerem parte de um "eixo de resistência" que desafia os interesses dos EUA e de Israel na região. O país apoia esses aliados em variados graus.

A Síria é o aliado mais importante do Irã. Assim como a Rússia, o Irã ajudou o governo sírio de Bashar al-Assad a sobreviver à guerra civil que já dura uma década no país.

O Hezbollah, no Líbano, é o mais poderoso dos grupos armados apoiados pelo Irã.

Tem trocado disparos com Israel na fronteira quase diariamente desde que eclodiu a guerra com o Hamas. Dezenas de milhares de civis de ambos os lados da fronteira foram forçados a abandonar suas casas.

O Irã apoia várias milícias xiitas no Iraque que atacaram bases dos EUA no país, na Síria e na Jordânia com disparos de foguetes. Os EUA retaliaram depois que três dos seus soldados foram mortos num posto militar avançado na Jordânia.

No Iêmen, o Irã apoia o movimento Houthi, que controla as áreas mais populosas do país.

Para demonstrar seu apoio ao Hamas em Gaza, os Houthis lançaram mísseis e drones contra Israel — e também atacaram embarcações comerciais perto da sua costa, afundando pelo menos um navio.

Os EUA e o Reino Unido atacaram alvos Houthi em resposta.

O Irã também fornece armas e treinamento a grupos armados palestinos, incluindo o Hamas, que atacou Israel em 7 de outubro do ano passado, desencadeando a atual guerra em Gaza e os confrontos que atraem o Irã, suas forças "por procuração" e os aliados de Israel no Oriente Médio.

O Irã nega, no entanto, que tenha desempenhado qualquer papel no ataque de 7 de outubro.

·        Como as capacidades militares do Irã e de Israel se comparam?

O Irã é muito maior do que Israel geograficamente, e tem uma população de aproximadamente 90 milhões de habitantes, quase dez vezes maior que a de Israel – mas isso não se traduz em um maior poderio militar.

O Irã investiu fortemente em mísseis e drones. Não só tem um vasto arsenal próprio, como também tem fornecido quantidades significativas a aliados que agem "por procuração" – como os Houthis, no Iêmen, e o Hezbollah, no Líbano.

O que falta a ele são sistemas modernos de defesa aérea e aviões de combate.

Acredita-se que a Rússia esteja ajudando o Irã a aprimorá-los em troca do apoio militar que Teerã deu a Moscou na guerra do país com a Ucrânia – o Irã forneceu drones Shahed de ataque, e a Rússia estaria agora tentando fabricar por conta própria as armas.

Em contrapartida, Israel tem uma das forças aéreas mais avançadas do mundo.

De acordo com o Balanço Militar do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), Israel tem pelo menos 14 esquadrões de jatos – incluindo F-15, F-16 e o mais novo caça invisível F-35.

Israel também tem experiência na realização de ataques nas profundezas de territórios hostis.

·        Irã e Israel possuem armas nucleares?

Presume-se que Israel possua suas próprias armas nucleares, mas adota uma política oficial de ambiguidade deliberada.

O Irã não possui armas nucleares, e também nega que esteja tentando usar seu programa nuclear civil para se tornar um Estado com armas nucleares.

No ano passado, a agência nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU) encontrou partículas de urânio enriquecidas com uma pureza de 83,7% – muito próximo do percentual necessário para fabricação de armamento – na instalação subterrânea de Fordo, no Irã.

O Irã alegou, por sua vez, que podem ter ocorrido "flutuações não intencionais" nos níveis de enriquecimento.

O país vem enriquecendo abertamente urânio com uma pureza de 60% há mais de dois anos, violando um acordo nuclear de 2015 com as potências mundiais.

Mas este acordo estava à beira de entrar em colapso desde que o então presidente dos EUA, Donald Trump, abandonou unilateralmente o acordo – e restabeleceu fortes sanções ao Irã em 2018.

Israel havia sido contra ao acordo nuclear desde o início.

 

Fonte: BBC News Arabic

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