Quem ganha e quem perde com agravamento da
crise no Oriente Médio
“Um empate a favor do
Irã”. É assim que alguns analistas descrevem o primeiro ataque iraniano em solo israelense.
Na noite de sábado
(13/4), Teerã lançou mais de 300 drones e mísseis contra Israel, segundo o exército de Israel.
O exército iraniano
anunciou que a enxurrada foi "em resposta ao ataque ao consulado iraniano em Damasco e
atingiu todos os seus objetivos".
O Irã tinha ameaçado
dar uma resposta dura ao que disse ser um ataque aéreo de Israel ao seu
consulado na capital síria, Damasco, no dia 1º de abril, quando sete membros da
Guarda Revolucionária Iraniana e seis cidadãos sírios foram mortos.
Israel não confirmou a
autoria do ataque, mas muitos acreditam que o país esteja por trás.
·
Ganhos e perdas
O Irã considerou o
ataque a Israel um sucesso.
Mas, segundo o
pesquisador iraniano e diretor do Centro de Estudos Árabe-Iranianos, com sede
em Londres, Ali Nouri Zadeh, a ofensiva não rendeu pontos ao Irã. Ele diz que,
pelo contrário, revelou fraqueza no regime iraniano ao não atingir nenhum alvo
dentro de Israel.
Para algumas pessoas
no Irã, isso expôs o país ao ridículo.
Zadeh acredita que se
o Irã tivesse continuado alimentando o que chama de “guerra psicológica”, teria
conseguido muito mais.
Por outro lado, Eric
Rundtski, pesquisador de Estudos do Oriente Médio no Centro Moshe Dayan da
Universidade de Tel Aviv, diz que Israel perdeu ao declarar um estado de alerta
elevado. Ele diz que isso gerou ansiedade entre os israelenses e muitos temem uma
nova onda de ataques.
Mas diz que o
primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, agora se sente mais poderoso.
O ataque ajudou a restabelecer relações fortes com os Estados Unidos e outros
países ocidentais, após um período de críticas pesadas.
O pesquisador
israelense diz, no entanto, que o país perdeu de outras formas.
Para ele, a ofensiva
demonstrou uma falha de Israel em reconhecer a dinâmica de poder do Oriente
Médio e em sua incapacidade de impedir o Irã de atacar dentro das suas
fronteiras.
·
Voltando ao 'abraço'
de outros países
O pesquisador
israelense Eric Rundtski também acredita que o ataque do Irã traz ganhos a
Israel. E diz que pode servir como um ponto de virada, politicamente, já que
Israel desfruta, no momento, e pela primeira vez em meses, do apoio ocidental.
Ele diz que Israel
poderia voltar ao “abraço” destes países, especialmente dos EUA, depois de uma
tensão sem precedentes nas relações.
Em contraste, o
pesquisador iraniano Ali Nouri Zadeh acredita que Teerã perdeu politicamente,
interna e externamente. Zadeh diz que o Irã perdeu o apoio dos países vizinhos
e também não recebeu apoio de nenhum país. E sublinha que há tentativas de
alguns setores de arrastar o Irã para uma guerra direta com os Estados Unidos.
Os dois pesquisadores
reconhecem pressões internas sobre ambos os países.
Rundtski diz que há
grande preocupação dentro de Israel. Há uma irritação crescente motivada por
questões políticas internas, além da guerra, exacerbada pela ausência de
progressos recentes na libertação dos reféns ainda mantidos em Gaza.
Zadeh também acredita
que o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, enfrenta uma pressão intensa, não
apenas nas ruas, mas também por parte de figuras proeminentes do seu regime.
“Há pressão da Guarda
[Revolucionária Iraniana] após o assassinato de sete líderes das Brigadas al-Quds por
Israel, pois a Guarda está exigindo vingança.”
·
'Uma mensagem com
fogo'
O general libanês
reformado Hisham Jaber – especialista estratégico e militar e diretor do Centro
de Estudos Estratégicos do Oriente Médio em Beirute – disse à BBC News Arabic
que “a surpresa com relação ao ataque é que ele não foi surpreendente”.
Ele diz que isto se
deve ao fato de duas semanas de “guerra psicológica” terem culminado no ataque
aéreo, enquanto Israel estava em “modo de pânico”.
Segundo ele, isso
causou danos psicológicos e materiais, a instalações, e fazendo muitos cidadãos
israelenses deixarem suas casas.
Jaber descreve a
“operação” do Irã como uma “mensagem com fogo”, feita para demonstrar sua
capacidade de entrar com profundidade em Israel e testar a prontidão das
defesas aéreas israelenses.
Ele também acredita
que o ataque permitiu ao Irã recuperar um pouco do prestígio político perdido
nos últimos anos, ao seguir o que chama de "política de paciência
estratégica", ao mesmo tempo em que o país se beneficiou militar e
estrategicamente.
O especialista militar
libanês também acredita que o Irã lançou essa enorme quantidade de drones para
confundir as defesas aéreas israelenses. Ele ressalta que o Domo de Ferro de
Israel não conseguiu sozinho interceptar todos os mísseis e precisou da ajuda
das forças dos EUA e da Grã-Bretanha estacionadas em bases no Oriente Médio.
“Se Israel escolher
uma resposta militar”, diz Jaber, “pode atingir o continente iraniano com seus
mísseis, mas não pode ir mais fundo devido à dura resposta iraniana esperada”.
E acrescenta: “Os
aviões israelenses podem bombardear o Irã com precisão, mas precisariam
sobrevoar os países árabes – algo que o Irã já alertou contra – ou fazer
lançamentos a partir de bases militares dos EUA na região, o que os EUA podem
não permitir”.
·
Mudar o rumo e
recuperar a confiança
Fawaz Gerges,
professor de Relações Internacionais na London School of Economics, considera
que Israel ganhou mais que o Irã com os ataques de 1 a de abril.
Eles não causaram
danos significativos ou vítimas em Israel, e agora todo o Ocidente apoia o
país. E diz que os EUA estão tentando mobilizar o apoio ocidental para Israel
em termos de armas, cooperação de inteligência e apoio financeiro.
Gerges diz ainda que o
presidente dos EUA, Joe Biden, retrata o país como vítima, ao pedir uma reunião
urgente dos países do G7 para mobilizar apoio a Israel. "Netanyahu ganhará
politicamente depois de desviar a atenção, mesmo que temporariamente, dos acontecimentos
catastróficos e hediondos que ocorrem em em Gaza", acrescenta Gerges.
E ressalta que
Netanyahu se beneficiará com o restabelecimento das relações com o Ocidente,
especialmente com o presidente americano, Joe Biden, após um período em que os
países ocidentais criticaram fortemente o país pelo que ele chama de
“atrocidades” em Gaza.
·
'Perda estratégica
para Israel'
Mas Gerges também vê
um lado negativo para Israel, afirmando que o ataque representa uma perda
estratégica, que realça a vulnerabilidade do país.
E acrescenta que o Irã
ganha politicamente ao mostrar claramente a seu povo, aliados e inimigos a
vontade de confrontar Israel.
Gerges acredita que o
Irã provou que Israel não consegue se defender sozinho, sem a ajuda dos seus
aliados ocidentais, já que os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França e a
Jordânia abateram muitos dos mísseis do Irã.
Ele diz que o
principal objetivo de Israel em seus repetidos ataques contra o Irã,
recentemente, foi mostrar que o Irã é fraco e não se atreve a ir para o
confronto. Mas os ataques de 1º de abril abalaram essa visão, segundo ele.
“A região está agora
no centro da tempestade”, diz Gerges, com ambos os países prometendo uma
escalada.
Ele alerta que a
região está no limite político, militar e econômico.
Ø
Por que o Irã atacou Israel? 6 questões
para entender a crise
O Irã lançou drones e mísseis contra
Israel no sábado (13/4), depois de prometer uma retaliação pelo ataque mortal ao seu consulado em
Damasco, capital da Síria.
Israel não assumiu a
autoria do ataque ao consulado, mas acredita-se que esteja por trás dele.
Esta é a primeira vez
que o Irã ataca diretamente Israel.
Até então, Israel e o
Irã travavam uma "guerra nas sombras" que durou anos — atacando
ativos um do outro sem admitir responsabilidade.
Estes ataques
aumentaram consideravelmente durante a atual guerra em Gaza,
desencadeada pelo ataque do grupo palestino Hamas a
Israel, em outubro do ano passado.
Entenda a crise em
seis pontos.
·
Por que Israel e Irã são inimigos?
Os dois países foram
aliados até a Revolução Islâmica de 1979 no Irã, que deu origem a um regime que utilizou a oposição a Israel
como parte fundamental da sua ideologia.
O Irã não reconhece o
direito de existência de Israel e quer sua erradicação.
O líder supremo do
país, o aiatolá Ali Khamenei, já havia
chamado Israel de "tumor cancerígeno" que "sem dúvida vai ser
extirpado e destruído".
Israel acredita que o
Irã representa uma ameaça à sua existência, como evidenciado pela retórica de
Teerã e pela formação de forças que agem "por procuração" e juraram
destruir Israel.
Também estão nesta
lista o financiamento e armamento de grupos palestinos pelo Irã, incluindo o
Hamas e o grupo xiita libanês Hezbollah.
E o que Israel
acredita ser uma busca
secreta do Irã por armas nucleares, embora o
Irã negue que esteja tentando construir uma bomba nuclear.
·
Irã queria vingança após ataque a consulado
O Irã afirma que o
bombardeio da noite de sábado contra Israel é uma resposta ao ataque aéreo de
1º de abril contra o prédio do consulado iraniano na capital síria, que matou
altos comandantes iranianos.
O Irã culpa Israel
pelo ataque aéreo, que considera uma violação da sua soberania.
Israel não disse que
realizou o ataque, mas presume-se que tenha realizado.
Treze pessoas foram
mortas, incluindo o general Mohammad Reza Zahedi – um alto comandante das Forças Quds, o braço de relações
exteriores do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em
inglês). Ele foi uma figura essencial na operação iraniana para armar o grupo
libanês Hezbollah.
O ataque ao consulado
seguiu um padrão de ataque aéreo contra alvos iranianos amplamente atribuído a
Israel. Vários altos comandantes do IRGC foram mortos em ataques aéreos na
Síria nos últimos meses.
O IRGC envia armas e
equipamentos, incluindo mísseis de alta precisão, pela Síria para o Hezbollah.
Israel está tentando impedir estas remessas, assim como que o Irã reforce sua
presença militar na Síria.
·
Quem são os aliados do Irã?
O Irã construiu uma
rede de aliados e forças "por procuração" no Oriente Médio que
diz fazerem parte de um "eixo de resistência" que desafia os
interesses dos EUA e de Israel na região. O país apoia esses aliados em
variados graus.
A Síria é o aliado
mais importante do Irã. Assim como a Rússia, o Irã ajudou o governo sírio
de Bashar al-Assad a
sobreviver à guerra civil que já dura uma
década no país.
O Hezbollah, no
Líbano, é o mais poderoso dos grupos armados apoiados pelo Irã.
Tem trocado disparos
com Israel na fronteira quase diariamente desde que eclodiu a guerra com o
Hamas. Dezenas de milhares de civis de ambos os lados da fronteira foram
forçados a abandonar suas casas.
O Irã apoia várias
milícias xiitas no Iraque que atacaram bases dos EUA no país, na Síria e na
Jordânia com disparos de foguetes. Os EUA retaliaram depois que três dos seus
soldados foram mortos num posto militar avançado na Jordânia.
No Iêmen, o Irã apoia o movimento Houthi, que
controla as áreas mais populosas do país.
Para demonstrar seu
apoio ao Hamas em Gaza, os Houthis lançaram mísseis e drones contra Israel — e
também atacaram embarcações comerciais perto da sua costa, afundando pelo menos
um navio.
Os EUA e o Reino Unido
atacaram alvos Houthi em resposta.
O Irã também fornece
armas e treinamento a grupos armados palestinos, incluindo o Hamas, que atacou
Israel em 7 de outubro do ano passado, desencadeando a atual guerra em Gaza e
os confrontos que atraem o Irã, suas forças "por procuração" e os aliados
de Israel no Oriente Médio.
O Irã nega, no
entanto, que tenha desempenhado qualquer papel no ataque de 7 de outubro.
·
Como as capacidades militares do Irã e de
Israel se comparam?
O Irã é muito maior do
que Israel geograficamente, e tem uma população de aproximadamente 90 milhões
de habitantes, quase dez vezes maior que a de Israel – mas isso não se traduz
em um maior poderio militar.
O Irã investiu
fortemente em mísseis e drones. Não só tem um vasto arsenal próprio, como
também tem fornecido quantidades significativas a aliados que agem "por
procuração" – como os Houthis, no Iêmen, e o Hezbollah, no Líbano.
O que falta a ele são
sistemas modernos de defesa aérea e aviões de combate.
Acredita-se que a
Rússia esteja ajudando o Irã a aprimorá-los em troca do apoio militar que Teerã
deu a Moscou na guerra do país com a Ucrânia –
o Irã forneceu drones Shahed de ataque, e a Rússia estaria agora tentando
fabricar por conta própria as armas.
Em contrapartida,
Israel tem uma das forças aéreas mais avançadas do mundo.
De acordo com o
Balanço Militar do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na
sigla em inglês), Israel tem pelo menos 14 esquadrões de jatos – incluindo
F-15, F-16 e o mais novo caça invisível F-35.
Israel também tem
experiência na realização de ataques nas profundezas de territórios hostis.
·
Irã e Israel possuem armas nucleares?
Presume-se que Israel
possua suas próprias armas nucleares, mas adota uma política oficial de
ambiguidade deliberada.
O Irã não possui armas
nucleares, e também nega que esteja tentando usar seu programa nuclear civil
para se tornar um Estado com armas nucleares.
No ano passado, a
agência nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU) encontrou partículas de
urânio enriquecidas com uma pureza de 83,7% – muito próximo do percentual
necessário para fabricação de armamento – na instalação subterrânea de Fordo,
no Irã.
O Irã alegou, por sua
vez, que podem ter ocorrido "flutuações não intencionais" nos níveis
de enriquecimento.
O país vem
enriquecendo abertamente urânio com uma pureza de 60% há mais de dois anos,
violando um acordo nuclear de 2015 com as potências mundiais.
Mas este acordo estava
à beira de entrar em colapso desde que o então presidente dos EUA, Donald
Trump, abandonou unilateralmente o acordo – e restabeleceu fortes sanções ao
Irã em 2018.
Israel havia sido
contra ao acordo nuclear desde o início.
Fonte: BBC News Arabic
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