Brasil pode ganhar com fim dos controles
cambiais na Argentina, diz chanceler
Na primeira ida ao
Brasil, ainda não empossada, a chanceler da Argentina, Diana Mondino fez uma
visita relâmpago, com roupas informais, e foi recebida em um domingo no
Itamaraty.
Era novembro e o
presidente Javier Milei não havia iniciado seu mandato, mas enviou a chefe da
diplomacia para apaziguar as relações.
Mondino desembarcou em
Brasília neste domingo (14) para uma agenda na segunda (15) na capital e em São
Paulo na terça (16) e quarta (17). O encontro com seu homólogo brasileiro,
Mauro Vieira, será o primeiro bilateral dos países desde o início do governo
Milei.
Na sede da chancelaria
em Buenos Aires, Mondino, 65, falou à Folha sobre a prioridade da relação, a
integração regional, as mudanças climáticas e também os atritos entre
autoridades brasileiras e Elon Musk, proprietário da rede social X e com quem
Milei se encontrou nos Estados Unidos nesta sexta-feira (12). O argentino
ofereceu "colaboração" a Musk na questão com o Brasil.
A economista afirmou
que o Brasil é o país que mais rápido pode se beneficiar do desmonte dos
controles cambiais, o chamado "cepo", que a gestão Milei promete
colocar em prática neste ano. Disse, ainda, que não tem relação com o
bolsonarismo, que o Mercosul deve seguir selando acordos em bloco e que a
Argentina tem planos para a crise climática.
LEIA A
ENTREVISTA:
- Qual o objetivo de sua visita ao Brasil, a primeira
bilateral sob o governo Milei?
DIANA MONDINO - Um
duplo objetivo. Teremos uma agenda política e diplomática em Brasília, no
primeiro dia, onde estarei com o chanceler [Mauro Vieira] e algumas outras
sobre temas mais técnicos de relações comerciais. Depois estarei em São Paulo
falando com a comunidade empresarial, contando quais são as perspectivas e os
projetos argentinos.
- Qual mensagem será transmitida ao governo brasileiro?
DM - Que temos de
continuar trabalhando juntos. Brasil e Argentina têm trabalhado juntos, com
altos e baixos, ao longo de décadas, e queremos que a relação seja a melhor
possível e, acima de tudo, ter em mente que o mundo mudou e que precisamos
agilizar as tomadas de decisão.
- Poderia descrever essa mudança geopolítica e o que muda na
relação Argentina-Brasil?
DM - Começo pelo
final. Não acredito que precisamos mudar nada, mas sim aprofundar todas as
coisas que já temos. Desde a queda do muro de Berlim os países começaram a se
integrar muito mais. Temos também nos últimos dois anos crises como a da Rússia
com a Ucrânia, mais recentemente o caso da Faixa de Gaza, a enorme presença que
a China tem na economia mundial. É preciso ter em mente que Argentina e Brasil
têm interesses semelhantes e podem colaborar. Claro, sempre vamos competir em
alguma coisa, mas o interesse é semelhante.
- O presidente Milei tem falado em "nova doutrina de
política externa". O que é essa doutrina?
DM - Queremos ser um
jogador ativo no mundo. Não queremos continuar isolados, lastimando, indo e
pedindo dinheiro. Queremos ser um ator responsável por nós mesmos no mundo.
- Podemos ter expectativa de algum encontro dos presidentes
Lula e Milei em breve?
DM - Esperamos que
sim, em breve.
- No ano passado, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi recebido
com honras de presidente na posse de Milei. Qual contato este governo tem
com Bolsonaro e seus aliados? Com quem o governo dialoga mais, com o
bolsonarismo ou com o governo Lula?
DM - Eu não tenho
nenhuma relação atual com o bolsonarismo. De fato conheci o senhor presidente
quando veio em 10 de dezembro, assim como conhecemos outras 80 pessoas. A
relação oficial é com o governo atual e, quando mudar, seja qual for o próximo,
continuará sendo isso.
Pensar que a política
de um país muda completamente dependendo da simpatia que você tem ou não por
uma pessoa é efêmero. Por definição, os presidentes duram pouco tempo, e as
relações entre países são muito mais duradouras.
- Qual a prioridade da relação com o Brasil hoje?
DM - Tudo o que é
comércio exterior. Devido às medidas que a Argentina havia tomado em relação
aos controles cambiais durante vários anos, tornou-se muito difícil para as
empresas brasileiras colocarem seus produtos na Argentina, e, por sua vez, a
Argentina tem se fechado e exporta cada vez menos. O comércio entre os dois
países tem diminuído. Segue sendo o principal parceiro comercial, mas, em
termos relativos, é menor.
- Quais são os planos?
DM - Estamos abrindo a
economia o mais rápido possível. Em muitos casos, os principais fornecedores
alternativos são do Brasil, então é provável que o Brasil seja o país que mais
rapidamente se beneficie dessa abertura econômica. Não depende do governo, o
governo estabelece regras claras para todos, e haverá empresas brasileiras que
estão mais próximas da Argentina e entendem melhor o que está acontecendo e que
provavelmente se integrarão mais rapidamente ao nosso mercado do que uma
empresa que esteja, por exemplo, na Europa.
- A visita, então, quer passar uma mensagem ao empresariado.
DM - Sim, a mensagem
de que a Argentina está fazendo muitas reformas para melhorar rapidamente a
situação econômica e social e que será um excelente parceiro comercial para
comprar e vender. O controle cambial [o chamado "cepo", um emaranhado
de regras que restringem importações na Argentina e que Milei promete derrubar
neste ano] não é um assunto fácil, mas as restrições ao acesso a capitais, quem
pode comprar em que condições e as permissões para importar estão sendo
resolvidas o mais rápido possível. São todas desregulamentações que o Banco
Central está fazendo, retirando camadas de regulamentação.
- O tema do gás de Vaca Muerta é muito importante para ambos.
Há alguma expectativa de acordo com a Bolívia para o gás passar por lá?
DM - Vaca Muerta tem
uma enorme capacidade de produção. O setor industrial do sul do Brasil tem uma
enorme necessidade de gás. Na medida em que a Bolívia tem menos reservas
disponíveis no momento, esperamos que a Argentina possa ser o fornecedor
substituto. Precisamos desenvolver nosso gás primeiro para que possa chegar até
lá. É algo que está em processo. Obviamente gera muita ansiedade, e todos
gostariam que fosse amanhã, mas estamos falando de anos.
- Quais os planos da Argentina para o Mercosul? A prioridade
é tornar as negociações mais dinâmicas?
DM - Todos queremos
isso. Concordamos em uma forma de trabalhar de maneira mais ágil, na qual um
país pode liderar uma negociação e depois compartilhar conosco, em vez de
esperar que em todas as reuniões estejamos todos presentes para que todos os
casos avancem.
- E a proposta uruguaia de selar os acordos por fora do
bloco?
DM - A ideia do
Mercosul é tentar fazê-lo como bloco. Nós preferiríamos, pelo menos por ora,
que pudéssemos fazê-lo de forma conjunta, porque a capacidade de negociação que
se tem indo como quatro países é totalmente diferente do que se fazendo
sozinho. A situação do Uruguai é a de um país pequeno que diz "olha, eu
preciso trabalhar muito mais rápido nisso, quero avançar". Eles têm uma
postura, mas é preciso considerar qual é o seu tamanho relativo. Nós dizemos:
se formos todos juntos, temos mais capacidade de resposta.
- A integração regional é um tema importante para o governo
brasileiro. Mas nas últimas semanas tivemos inúmeras desavenças, como
entre Argentina e Colômbia, ou Equador e México.
DM - A integração
regional é cada vez mais importante. É fato que na América Latina temos
perspectivas bastante diferentes, mas isso não impede que mantenhamos as
relações com as comunidades. Você mencionou a Colômbia e, de fato, houve uma
questão. Mas a melhor prova de que não há um problema de relações é que fizemos
um comunicado conjunto e não há nenhuma dificuldade com nossa embaixada. Na
verdade, já está indo um novo embaixador.
Eu estarei visitando a
Colômbia imediatamente após o Brasil. As personalidades sempre existirão, mas o
barco segue. O Itamaraty neste sentido não se move muito, e esperamos que a
Argentina comece a ter um comportamento semelhante ao Itamaraty no sentido de
manter uma postura ao longo do tempo.
- Mas Milei fez críticas duras a Gustavo Petro e vice-versa.
Isso causa um dano para a política regional?
DM - Eu preferiria que
não existissem esses comentários, mas bem, eles existem. Mas é bom que cada um
diga o que pensa. Em um mundo civilizado, você tem que confiar na honestidade
da pessoa do outro lado que te diz o que pensa. Se não concorda, poderá responder.
E, se concorda, melhor. Mas não se pode ocultar o que se pensa.
- Aliados da opositora venezuelana María Corina Machado estão
na embaixada argentina em Caracas. Eles virão a Buenos Aires como asilados
políticos?
DM - Neste momento, há
seis pessoas refugiadas na embaixada argentina que ainda não têm o
salvo-conduto para sair da Venezuela. Quando houver isso, terão que vir para a
Argentina.
- Mas há alguma expectativa de liberação? Como estão as
negociações?
DM - Não há uma
pressão importante sobre eles por parte da Venezuela, e entendemos que o regime
tem questões políticas eleitorais agora e que está tentando proteger essa
imagem.
- A sra. acredita que as eleições na Venezuela serão
legítimas?
DM - Os argentinos
foram claros, e muitos outros países manifestaram sua forte preocupação sobre
como as eleições estão sendo organizadas. Uma eleição na qual alguns candidatos
não podem participar gera preocupação. O presidente Lula também manifestou isso.
- No mesmo dia em que o atrito entre Elon Musk e o ministro
Alexandre de Moraes dominava o noticiário, a sra. disse no X que a
Argentina sempre estará disponível com suas embaixadas para receber
perseguidos políticos da região...
DM - Mas como pode ser
conflituoso dizer isso?
- A sra. não mencionou ninguém, mas foi um pouco depois de
Musk dizer que funcionários do X no Brasil eram perseguidos.
DM - Mas nesse dia
tivemos várias coisas pelas quais a Argentina se posiciona firmemente na defesa
da liberdade. Temos um tema ideológico muito forte e defendemos a liberdade de
expressão. Temos pessoas refugiadas na Venezuela e, nesse mesmo dia, estava sendo
estudado o tema do conflito entre Equador e México.
- Então não tinha a ver com Musk e Brasil?
DM - É genérico. Na
verdade, Elon Musk curtiu [essa minha publicação; risos]. O que penso sobre
Elon Musk e o Brasil? Eu desconheço os antecedentes legais que possa haver.
Apenas tive a versão que se vê no Twitter [antigo nome do X] e, na verdade, me
pareceria terrível se fosse verdade que estão cerceando a capacidade de
expressão das pessoas.
- Temos eleições nos EUA em novembro. O governo da Argentina
torce por Donald Trump?
DM - O governo da
Argentina nunca vai interferir nas relações, nas votações ou na política
interna de outro país.
- A Argentina tem
planos de combate às mudanças climáticas?
DM - Claro. Na
verdade, a Argentina faz parte da solução, porque tem uma gigantesca capacidade
de absorção de carbono nas terras argentinas. Poderíamos ampliar
consideravelmente nossa superfície de pastagens, que têm uma enorme absorção de
carbono, pois o enterram através das raízes. E é muito mais rápido e eficaz do
que, por exemplo, plantar uma floresta. A Argentina tem a capacidade de ser um
gigantesco pulmão de fotossíntese. Fazemos parte da solução no mundo.
- O porta-voz de Milei, Manuel Adorni, me disse apenas que
essa não é uma prioridade. É?
DM - Quase toda a
América Latina tem um pacto em que dizemos "não podemos reduzir nossas
emissões no mesmo ritmo que se espera em outros países porque já estamos em um
nível muito baixo, não podem nos pedir para reduzir o que nunca geramos".
Isso é muito importante.
Não se pode considerar
apenas o que emitimos, mas também o que absorvemos. O que estamos dizendo na
América Latina é: ei, as mesmas regras para todos. Há um desconhecimento muito
importante ao considerar que apenas a transição energética é a solução para
deixar de usar hidrocarbonetos, quando também existem outras soluções rápidas,
fáceis, eficazes e baratas, como a fotossíntese.
Fonte: FolhaPress
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