sábado, 2 de março de 2024


 Lula busca recuperar papel da CELAC de resolver problemas da região de forma autônoma

Nos últimos três dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu uma extensa agenda de reuniões bilaterais, cúpulas e encontros com autoridades na Guiana e em São Vicente e Granadinas. Além de reafirmar a América do Sul como uma zona de paz em meio às tensões mundiais, o líder brasileiro reforçou a importância da integração regional.

Depois de visitar a Etiópia e o Egito na primeira agenda internacional do ano, quando, em um discurso após a cúpula da União Africana, sacudiu o mundo ao comparar a guerra promovida por Israel em Gaza ao genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, Lula retoma os compromissos no exterior menos de 15 dias depois. Desta vez, os encontros se dão em meio a dois importantes fóruns da América Latina: a conferência de chefes de governo da Comunidade do Caribe (Caricom), bloco mais antigo do continente, e também da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), da qual o país voltou a fazer parte em 2023.

Na última quarta-feira (28), durante discurso de quase 30 minutos no encerramento da cúpula da Caricom, o presidente brasileiro ressaltou a importância de investimentos na integração regional, principalmente com infraestrutura de transportes.

"Queremos, literalmente, pavimentar nosso caminho até o Caribe", disse na ocasião. Na sequência, Lula teve uma longa reunião bilateral com o homólogo da Guiana, Irfaan Ali, país que apesar de compartilhar mais de 1,6 mil quilômetros de fronteiras, perdeu a importância para as relações brasileiras nos últimos anos, segundo Lula, situação que ele garantiu que está sendo corrigida.

Sem citar Essequibo, cujas tensões entre Georgetown e Caracas cresceram no ano passado, em uma disputa que já dura mais de um século, o petista reforçou a vocação sul-americana em ser uma zona de paz.

"Não precisamos de guerra, ela traz destruição da infraestrutura, de vida e sofrimento. A paz traz prosperidade, educação, geração de emprego e tranquilidade aos seres humanos. Esse é o papel que o Brasil pretende jogar na América do Sul e no mundo", enfatizou.

Já esta sexta-feira (1º) foi um dia de intensas reuniões e uma rápida declaração pública do presidente, que citou a "punição coletiva" de Israel contra a população palestina da Faixa de Gaza, onde mais de 30 mil pessoas já morreram.

Entre os compromissos, ocorreram agendas com os presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e da Venezuela, Nicolás Maduro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e autoridades de Chile e México, além da assinatura de um acordo de serviços aéreos com Antígua e Barbuda.

Em entrevista à Sputnik Brasil, a doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes) Livia Peres Milani avaliou que os discursos de Lula mostraram a retomada da ideia para a política externa brasileira de América do Sul em primeiro lugar e também priorização da América Latina, aos moldes do que foi marca dos primeiros dois mandatos petistas.

Criada como um fórum de articulação política para a construção de consensos e ampliar a autonomia latino-americana, a CELAC viveu um enfraquecimento de atuação nos últimos anos, segundo a especialista.

"A ideia do organismo internacional é resolver os problemas próprios da região sem influência e interferência de potências externas. E o que a gente viu com a saída de países como o Brasil [durante o governo do presidente Jair Bolsonaro] foi que a organização perdeu efetividade e protagonismo", argumenta.

Com isso, segundo a especialista, a região viu a influência de grandes potências mundiais crescer diante do "vácuo" deixado pela falta de lideranças locais.

"Isso tanto dos Estados Unidos como também da China. Vemos cada vez mais a presença de potências externas que muitas vezes se dá de forma militarizada, como fica bastante claro no caso norte-americano. É o caso do Comando Sul [USSOUTHCOM], por exemplo, dedicado às estratégias para a América Latina, algo contrário ao que a CELAC desejava", pontua.

·        Quantos países fazem parte da CELAC?

Ao todo, a comunidade latino-americana reúne 33 países da região e foi criada em 2010, durante cúpula no México, no fim do segundo mandato do presidente Lula. Por contar com Guiana e Venezuela, cujas tensões estão em alta por conta da disputa pelo território de Essequibo, havia grande expectativa de alguma menção ao tema durante a cúpula ou nos discursos das autoridades. Porém a questão praticamente não foi citada, inclusive nos encontros do presidente brasileiro com os homólogos das duas nações sul-americanas.

"Então a região está marcada por divergências políticas muito claras entre governantes da região, por instabilidade política importante em diversos países, por mudanças muito bruscas de orientação política ou ideológica dos governantes da região. Temos um cenário muito mais desafiador, e agora […] a grande questão para o presidente Lula me parece ser de novo […] tornar a CELAC uma organização relevante, uma organização que tem essa capacidade de resolver os problemas da região de forma autônoma", analisa a pesquisadora.

Para Livia Peres, o Brasil conseguiu mostrar mais uma vez o papel neutro frente à disputa, como um mediador. Ela lembrou ainda que o governo Lula já possui um canal de comunicação aberto e construído com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

"Diante disso, me parece que a reunião com o presidente da Guiana, Irfaan Ali, é ainda mais relevante nesse sentido. Foi uma viagem importante, embora a reunião com Maduro durante a cúpula da CELAC também represente essa ideia de criar alguma equidistância e se colocar como um ator que poderia mediar, de alguma forma, essa disputa", frisa.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acena ao chegar para a Cúpula Sul-*

Integração voltada para a infraestrutura

Outro destaque citado pela pesquisadora do Gedes foi a apresentação pelo governo brasileiro de um projeto de infraestrutura de transportes (rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário) entre os países da América Latina, cuja ligação brasileira ao Pacífico reduziria em 10 mil quilômetros a distância do país para mercados asiáticos.

"É muito interessante que essa integração e infraestrutura é dirigida principalmente para atender uma demanda de exportação para a China. Então isso é algo que ele fala no discurso dele, da importância de construir infraestrutura para o acesso ao Pacífico e esse acesso ao Pacífico ser importante especialmente para exportar produtos para a China. Então acaba sendo uma visão de integração regional voltada para fora, não voltada necessariamente para aumentar as relações entre a região apenas", defende.

·        Liderança brasileira na região é ameaça aos EUA?

De acordo com a especialista, diante de uma tentativa brasileira de retomar seu protagonismo principalmente na América do Sul, os Estados Unidos buscam impor parâmetros e limites que condizem com os próprios interesses e sua política externa.

"Então o Brasil, por exemplo, mediar essa disputa entre a Guiana e a Venezuela é algo que os Estados Unidos veem com muito mais naturalidade do que o Brasil se posicionar no que se refere ao genocídio que tem acontecido na Faixa de Gaza. Por outro lado, algumas posições do Brasil incomodam muito os Estados Unidos. Principalmente quando a gente pensa em termos da própria Venezuela e das questões internas, existem algumas divergências que são claras", finaliza.

 

Ø  Após crescer 2,9%, Brasil confirma retorno ao grupo das 10 maiores economias do mundo

 

Depois de surpreender com um crescimento econômico de 2,9% do produto interno bruto (PIB) no ano passado, o Brasil confirmou nesta sexta-feira (1º) o retorno ao grupo das dez maiores economias do mundo, conforme levantamento da consultoria Austin Rating.

A última vez que o país esteve no seleto grupo ocorreu em 2019, antes da pandemia de COVID-19. No ano seguinte, despencou da 9ª para a 12ª posição. A pesquisa é realizada com base nos dados preliminares do PIB, divulgados por 54 países do mundo.

Diante do resultado de 2023, o Brasil ultrapassou o Canadá ao atingir um PIB de US$ 2,17 trilhões (R$ 10,75 trilhões) e voltou para a 9ª posição. No ano anterior, o país era a 11ª maior economia do mundo, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Maior economia da América Latina, o próximo país da região no levantamento é o México, que ocupou a 12ª posição, com um PIB de US$ 1,81 trilhão (R$ 8,9 trilhão).

A lista tem nas primeiras colocações Estados Unidos (US$ 26,9 trilhões ou R$ 148,1 trilhões), China (US$ 17,7 trilhões ou R$ 87,7 trilhões), Alemanha (US$ 4,4 trilhões ou R$ 21,8 trilhões), Japão (US$ 4,2 trilhões ou R$ 20,8 trilhões) e Índia (US$ 3,7 trilhões ou R$ 18,3 trilhões).

·        Alta puxada pela agropecuária

Nesta sexta, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a porcentagem do PIB do Brasil de 2023. Segundo o órgão, o PIB cresceu 2,9% no ano passado.

O setor que mais contribuiu para o crescimento foi a agropecuária. De acordo com o instituto, com o desempenho recorde da produção de soja e milho, o setor registrou alta de 15,1% no ano.

A agropecuária também ajudou o resultado de outros setores, como as exportações (9,1%), a indústria de alimentos e os segmentos específicos do setor de serviços, que são beneficiados pela cadeia de produção e logística da produção no campo, disse o relatório do órgão.

"Mesmo com um peso relativamente pequeno no PIB brasileiro, a agropecuária contribuiu com um terço de todo o crescimento da economia no ano passado", disse Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.

 

Ø  Negociações Mercosul-UE não avançam: especialistas explicam se é hora de um adeus definitivo

 

As possibilidades de fechar um acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) são cada vez menores, a julgar pelas declarações dos próprios líderes. Em conversa com a Sputnik, os analistas Julieta Heduvan e Carlos Luján refletiram sobre as atuais dificuldades da Europa e valorizaram a crescente importância do Sudeste Asiático como mercado.

Durante a sua recente visita à Espanha, o presidente paraguaio Santiago Peña foi contundente sobre o futuro das negociações entre o Mercosul e a UE: "Isso não vai acontecer neste ano". O presidente, que até julho ocupa a presidência pro-tempore do Mercosul, também afirmou que os países sul-americanos estão "mais do que prontos" para avançar, mas "as condições não estão reunidas por parte da UE".

A afirmação do líder paraguaio não foi a única manifestação de pessimismo recente em relação ao acordo. Após uma reunião em Buenos Aires entre a chanceler argentina Diana Mondino e o ministro da Europa e das Relações Exteriores, Stéphane Séjourné, ambos os líderes consideraram o acordo fracassado. O representante francês disse que o seu país mantém divergências "em questões climáticas, ambientais e de saúde" com o que foi proposto e defendeu a ideia de procurar outro tipo de acordos no futuro.

"O que Peña propôs não foi um posicionamento, mas sim o [status] honesto da situação atual. O Paraguai segue firme em suas intenções de chegar a um acordo com a União Europeia, mas todos os indícios mostram que não há cenário favorável para que isso aconteça", afirmou a especialista em relações internacionais argentina, Julieta Heduvan, à Sputnik.

A analista, especializada em política externa paraguaia, destacou que o Brasil "continua sendo o principal interlocutor e negociador" do Mercosul e "provavelmente o país que mais tem a ganhar" com o acordo, mas Assunção, da presidência pro-tempore do bloco, "tomou a decisão de priorizar recursos e esforços para focar em outras negociações que sejam mais atrativas aos seus interesses atuais, e também mais realizáveis".

Também em diálogo com a Sputnik, o cientista político e professor de Relações Internacionais uruguaio, Carlos Luján, disse que "está muito claro que esse acordo não vai acontecer no curto prazo e acredito que nenhum outro acordo deve surgir sobre a agenda de relações exteriores do Mercosul", embora tenha enfatizado que esses tipos de acordos "não são uma questão de um ano para o outro e seu progresso é medido em décadas".

Luján defendeu a importância que teria um acordo entre os blocos, embora tenha sublinhado que "em qualquer negociação, fechar o acordo não pode se tornar uma obsessão", dado que "não há nada pior do que fechar um mau acordo". O problema, frisou, são as alternativas que o Mercosul tem caso decida se retirar das conversações.

Para o especialista, antes de decidir "abandonar" o diálogo, o Mercosul deveria primeiro analisar "qual é a alternativa e se sair dela traz mais benefícios do que continuar o diálogo".

Heduvan não acredita que as partes decidam se retirar das negociações, mas destacou que "o mais provável é que se passe para um ciclo diferente de negociações, os termos serão repensados, o âmbito será limitado e os esforços vão se concentrar em chegar a um acordo mais aceitável para todos os interlocutores". De qualquer forma, admitiu que "não será cedo nem rápido".

"Enquanto existirem os blocos, a possibilidade de gerar um acordo Mercosul-UE permanecerá aberta, mas não será esta", resumiu.

·        A situação difícil da Europa

Além das divergências internas no Mercosul, as últimas declarações do presidente paraguaio apontaram os problemas internos da UE como um dos fatores que atrasaram a assinatura do acordo, justamente em um ano em que a organização regional vai passar por novas eleições de autoridades.

"A situação na Europa é muito difícil: vemos isso com os agricultores na França e com os grãos ucranianos entrando na Europa e baixando os preços. É um momento muito desfavorável e difícil de resolver na própria Europa", analisou Luján.

Nesse sentido, o especialista analisou que as posições relativas ao conflito na Ucrânia, à adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e à "autonomia estratégica nesta nova ordem mundial" têm gerado algum "cabo de guerra" no continente europeu, algo que complica as posições dentro da UE.

"Às vezes tem-se a ideia de que a UE é um ator internacional semelhante ao que os EUA, o Brasil ou a China poderiam ser, mas não, há 27 países e não atingem o nível de uma confederação. São confiáveis, mas têm muitas tensões internas que devem ser resolvidas e as estrelas nem sempre estão alinhadas", acrescentou.

Para Heduvan, as diferenças internas não se explicam porque a Europa é "um parceiro menos confiável", mas porque "o mundo é um lugar mais instável e complexo do que antes". "A América do Sul tem a vantagem do afastamento e da irrelevância estratégica, mas o problema é o mesmo para todos", explicou.

·        O foco no Sudeste Asiático

Mas enquanto as negociações com a UE estagnam, o bloco sul-americano pode olhar para outros horizontes, como as negociações com os Emirados Árabes Unidos (EAU), Cingapura, Índia ou Indonésia.

"O objetivo desta presidência pro-tempore é promover os acordos mais viáveis, não necessariamente os mais rentáveis. O interesse do Paraguai está agora centrado nos EAU, que estão começando a dar prioridade à região latino-americana como um novo destino para o seu comércio e investimentos. O desafio, como sempre, é garantir que todos os países tenham o mesmo objetivo, mas todos os acordos do Mercosul levam tempo, vimos isso recentemente com o acordo de Singapura. A principal característica do Mercosul é a sua heterogeneidade de interesses e prioridades, e esta é a base para a compreensão de todos os seus processos", disse Heduvan.

Luján destacou que "o mundo virou do Atlântico para o Pacífico" e que o Mercosul pode encontrar parceiros lucrativos no Sudeste Asiático. "Não deixemos de olhar para o Velho Mundo, mas olhemos também para aquele mundo asiático emergente que não é apenas a China", observou.

O cientista político não apenas elogiou o potencial do mercado indonésio, com os seus mais de 270 milhões de habitantes, mas também a importância de Cingapura como plataforma para "testar" o comércio naquela região. Além disso, considerou que o crescimento da influência da Índia no mundo seria também "uma aposta interessante a se explorar".

 

Fonte: Sputnik Brasil

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