'Existe o
que é planejado e o que o orçamento delimita': Marinha perdeu 50% de seu poder?
Recentemente o
comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, alertou que 50% dos seus meios de
poder naval já tinham sido aposentados. Ao mesmo tempo, elogiou a "visão
estratégica do presidente Lula". Não seria o governo federal responsável
pela manutenção do poderio militar das Forças Armadas?
A Defesa Nacional é
orientada por alguns documentos, como a Política Nacional de Defesa, a
Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional, explica
Francisco Novellino, capitão de mar e guerra reformado e mestre em ciências
navais com especialidade em poder naval e ênfase em submarinos, política e
estratégia de defesa.
Estabelecidas em 2008,
a Política e a Estratégia nacionais de Defesa eram "ambiciosas",
disse Novellino, mas "pouco foi cumprido".
"Existe o que é
planejado, o que é previsto, desejado; e existe efetivamente o que o orçamento
aprovado delimita. E, nessa hora, entra muita questão política."
Para Vagner Camilo
Alves, professor do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da Universidade
Federal Fluminense (UFF), o orçamento brasileiro, embora incomparável aos de
nações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) — "que estão enfrentando
questões estratégicas muito mais prementes do que as nossas" —,
"também não é baixo".
Ainda assim, o
especialista destaca alguns problemas com a distribuição desse orçamento. De
acordo com Alves, 80% dos gastos militares brasileiros são com pessoal ativo e
inativo. "E isso é, de certa forma, uma caixa-preta". Ou seja, sobra
pouco para a aquisição e construção de equipamentos.
Outro problema está no
dimensionamento das três forças. Historicamente no Brasil, destacou Alves,
"a ameaça veio através de submarinos de uma grande potência de fora".
Um dos casos foi durante a Segunda Guerra Mundial, quando o submarino alemão
U-507 atacou uma série de navios de passageiros e carga na costa brasileira.
"Então, nesse
aspecto, a gente realmente tem que tratar a Marinha com destaque, na minha
visão pessoal […]. Não seria o momento atual de o Brasil ter ou fortalecer mais
a sua Marinha e a sua Força Aérea em detrimento do Exército?"
Essa resposta, diz
Alves, não viria do Ministério da Defesa atual, uma vez que falta à pasta uma
visão civil e holística da Defesa Nacional. "Os nossos militares têm um
preparo excelente, mas eles são formados dentro das respectivas corporações e
vão sempre defender suas corporações".
Para o pesquisador do
Inest, o ideal seria "a criação de uma carreira de gestor de defesa dentro
do ministério".
"Na minha
percepção, o que o Brasil mais carece é de um pensamento não estritamente
vinculado às Forças Armadas, mas feito pelos setores civis da Defesa dentro da
Estratégia Nacional."
• Qual é o poderio da Marinha do Brasil?
Pela Estratégia
Nacional de Defesa brasileira, a Marinha do Brasil destina suas ações à
"negação do uso do mar", isto é, o controle através da dissuasão de
forças. "Uma decisão estratégica de alto nível", comenta Alves.
Isso significa um
grande investimento na construção e no uso de submarinos, sendo a cereja do
bolo o Álvaro Alberto, submarino de propulsão nuclear convencionalmente armado
da força.
Só que "o
submarino de propulsão nuclear é um sorvedouro de dinheiro", aponta o
especialista. "E por que é um sorvedouro de dinheiro? Porque ele é caro e
porque ninguém passa a tecnologia."
Ainda que, na visão de
Alves, a decisão de construir o submarino nuclear seja correta, "os
recursos dos outros meios estão sendo sugados por esse projeto".
Aliado a isso, há na
sociedade e, consequentemente, no Congresso uma incompreensão da necessidade de
investir em defesa, afirma Novellino. "O poder político não está vendo a
ameaça consistente que paira sobre o Brasil, sobre as nossas riquezas, os nossos
interesses", diz.
"Se nós
perguntarmos aos parlamentares qual o projeto estratégico da Marinha ou do
Exército mais importante e o porquê, poucos vão saber explicar."
Atualmente, descreve
Novellino, a Marinha pode ser dividida em três categorias: a fluvial, a
costeira e a de águas azuis.
As duas primeiras
possuem embarcações menores, como navios-patrulha e navios costeiros, sendo
bastante efetivas no combate à pirataria, ao contrabando, à pesca ilegal e a
outras atividades criminosas.
"Esses navios são
baratos, fáceis de fabricar. Não são projetos complexos. Você pode, em uma
emergência, construir dez a toque de caixa", afirma Novellino.
O grande problema,
aponta o militar, é a aposentadoria dos navios de águas azuis, como fragatas e
corvetas, que com o navio-aeródromo Atlântico compõem a esquadra brasileira
como escoltas. Ainda que haja um projeto de construção de fragatas Tamandaré em
Itajaí (SC), "o número de substituições necessárias aos navios antigos da
esquadra é insuficiente".
"Estamos cercados
de conflito no mundo inteiro, mas a guerra ainda não bateu às nossas portas, e
é hora de investirmos na nossa logística de defesa, no preparo da nossa
indústria e no nosso centro de tecnologia para produzir material militar."
Hoje a base industrial
nacional é deficitária e, em caso de conflito, não conseguiria repor as perdas
sofridas. "Tem navios que foram fabricados por estaleiros que hoje não
existem mais", afirma Novellino.
"Você imagina o
Atlântico, que é um navio-aeródomo multipropósito, se colocar ali a pique. Como
é que vamos arrumar outro? Vamos ficar sem capacidade aeronaval",
descreve.
Outro exemplo dado
seria no caso de alguma avaria nos submarinos Riachuelo. "Vamos dizer que
esses dois submarinos se percam, um por acidente e o outro […] torpedeado. Nós
só vamos conseguir colocar outro na água um ano depois."
Ainda assim, diz o
oficial da reserva, há uma capacidade incipiente que pode ser aproveitada.
"Nós temos estaleiros que poderiam ser alavancados se o governo
contratasse, com parcerias externas ou não. Mas sem um incentivo, sem vontade
governamental, não temos condição."
"O Brasil ainda
não acordou para o que ele representa para o exterior. É um pais cobiçado, um
país que pode vir a ser uma ameaça, inclusive de grandes potências, e o mundo
inteiro está de olho no Brasil há muito tempo, e nós perdemos tempo aqui com discussões
inócuas de política interna."
Fonte: Sputnik Brasil
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